Inclusão. Derrubar barreiras e combater estigmas é fundamental

Desde 1 de Fevereiro, a lei das quotas de emprego para pessoas com deficiência vigora para todas as empresas com mais de 75 colaboradores. Para perceber o que está a ser feito neste âmbito e se a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho já é uma realidade em Portugal, a Human Resources apresenta três perspectivas: do Estado, de uma associação e de um centro de reabilitação.

 

Por Tânia Reis

 

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada em 2006, estabelece a necessidade de fomentar o emprego e a empregabilidade enquanto instrumentos promotores da inclusão das pessoas com deficiência ou incapacidade. O documento reitera ainda que o acesso ao mercado de trabalho, a integração profissional e a aprendizagem ao longo da vida constituem princípios basilares das políticas públicas de inclusão.

Com a assinatura do acordo em 2007 e a ratificação em 2009, Portugal assumiu o compromisso de «adoptar e promover políticas de integração na sociedade, de combate à discriminação, de inclusão e de qualificação laboral, reconhecendo o direito ao trabalho das pessoas com deficiência, assegurando a sua formação e adaptação ao posto de trabalho, e incentivando a sua contratação na Administração Pública e nas empresas privadas», esclarece a Secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, sublinhando que «o direito ao trabalho é um factor determinante para a inclusão».

Nesse sentido, em Janeiro de 2019, procedeu- se à aprovação da legislação que estabelece um sistema de quotas de emprego nas entidades do sector privado e organismos do sector público para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%. A lei define regras consoante a tipologia da organização. Assim, empresas com 75 a 249 trabalhadores devem admitir profissionais com deficiência em número não inferior a 1% do pessoal ao seu serviço, enquanto nas empresas com mais de 250 trabalhadores não pode ser inferior a 2%.

«As empresas dispuseram de um período de adaptação de cinco anos, contando para isso com todo o apoio dos organismos públicos com intervenção nesta área», garante a governante. Este período terminou a 31 de Janeiro de 2023 para empresas com mais de 100 trabalhadores e, desde 1 de Fevereiro deste ano, passou a abranger também as empresas com 75 ou mais trabalhadores. «Atendendo ao carácter recente da medida, ainda não existe um balanço consolidado dos respectivos resultados», admite Ana Sofia Antunes.

Tendo como referência a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como os objectivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e orientações europeias, foi também desenvolvida a Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência (ENIPD), que «contempla 183 medidas, 48 objectivos específicos e 21 objectivos gerais, agrupados em oito eixos estratégicos, para implementação no período de 2021 a 2025».

As principais medidas relacionadas com o trabalho, já implementadas, referem-se ao «apoio às empresas, tendo em vista a empregabilidade e a inserção profissional das pessoas com deficiência». Entre elas, destaca «a disponibilização de um conjunto de informações e apoio técnico às empresas, nomeadamente apoio às actividades de selecção e ajustamento de pessoas com deficiência, visando a satisfação das oportunidades de emprego disponibilizadas pelos empregadores; o desenvolvimento de diversos webinares com empregadores para prestar esclarecimentos sobre a implementação da lei das quotas; elaboração e divulgação de FAQ com orientações aos empregadores; realização de um conjunto de acções de divulgação, para as entidades que os serviços de emprego consideraram apresentar práticas de integração de pessoas com deficiência, ou com potencial para o efeito».

Entre os programas de apoio à contratação, que «dispõem de majorações específicas sempre que o posto de trabalho é preenchido por pessoa com deficiência », está o Avançar, com candidaturas em vigor até 30 de Dezembro deste ano. Este programa «concretiza mais uma medida do Acordo de Rendimentos e Competitividade, quanto aos objectivos de apoio à contratação sem termo de jovens qualificados e melhoria da qualidade de emprego e valorização salarial», faz notar Ana Sofia Antunes. Neste caso, o apoio financeiro à contratação é majorado em 4,2 vezes o valor do IAS, quando esteja em causa a contratação de jovem desempregado com deficiência e incapacidade.

 

Receios de ambos os lados
Ainda que lentamente, a verdade é que Portugal tem dado passos na empregabilidade de pessoas com deficiência, conforme atesta o relatório “Pessoas com deficiência em Portugal, indicadores de Direitos Humanos 2023”, do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, revelando um aumento de 27,1% da participação das pessoas com deficiências e incapacidades no mercado de trabalho, entre 2015 e 2021.

Aumento esse que Andreia Mota, adjunta da directora no CRPG – Centro de Reabilitação Profissional, vê como positivo. «Não obstante, o valor é ainda baixo e desafia-nos, a todos, a contribuir activamente para o seu incremento.» Confiante de que, nos próximos anos, a aplicação da lei do sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência levará a um incremento deste indicador, alerta que «será sempre relevante não perder de vista as situações não abrangidas por essa lei», nomeadamente a «consciencialização dos empregadores com menos de 75 trabalhadores para o valor acrescentado da gestão inclusiva das incapacidades»; bem como a «necessidade de apoio à contratação ou à manutenção do emprego das pessoas que têm atestada incapacidade inferior a 60%».

Desde 1992, o CRPG disponibiliza formação e reabilitação profissional de pessoas com deficiência e incapacidades para a sua inclusão ou reinserção no mercado de trabalho, bem como serviços de apoio a empresas e outras entidades, e Andreia Mota está convicta de que, além das medidas públicas de apoio, a crescente visibilidade e «consciencialização das pessoas e das entidades empregadoras para a importância da re/integração profissional, como um factor de qualidade de vida, coesão social e de acesso/ retenção de talentos», têm tido algum impacto na subida da taxa de actividade das pessoas com deficiência.

Além das barreiras arquitectónicas e limitações na deslocação e acessos ao local de trabalho, são vários os entraves com que as pessoas com deficiência se deparam, nomeadamente o «preconceito que ainda existe associado às deficiências e incapacidades e quanto ao seu potencial de desempenho profissional», ou «receios quanto aos impactos nas prestações sociais que recebem e na possibilidade de lhes aceder novamente ou de serem repostos em caso de nova situação de desemprego». O «desconhecimento acerca dos apoios públicos que existem e sobre as entidades a que se podem dirigir», bem como a «escassez de serviços especializados na cativação e preparação prévia para o trabalho, particularmente no caso das pessoas com incapacidades adquiridas já durante a vida activa, devido a doenças ou acidentes», também constituem dificuldades de peso.

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Fevereiro (nº. 158) da Human Resources, nas bancas. 

Caso prefira comprar online, tem disponível a versão em papel e a versão digital.

Ler Mais