Inteligência artificial com pessoas – e para pessoas
A inteligência artificial e a sua aplicação a múltiplos domínios da vida serão uma tendência inelutável. A aplicação à Gestão de Pessoas não é excepção. Mas será inteligente não sucumbir à visão romântica da IA, sob pena de o romance se traduzir em pesadelo.
Por Arménio Rego, professor catedrático e director do LEAD Lab da Católica Porto Business School e Camilo Valverde, professor auxiliar na Católica Porto Business School
Há quase um século, Keynes previa que os humanos trabalhariam apenas 15 horas por semana. «Três horas de trabalho por dia… são mais que suficientes para satisfazer o velho Adão que existe em cada um de nós», escreveu.
Identificar tendências no mercado de trabalho é, pois, um exercício de adivinhação atrevido. Porém, a inteligência artificial (IA) e a sua aplicação a múltiplos domínios da vida serão uma tendência inelutável. A aplicação à Gestão de Pessoas não é excepção.
A IA já é aplicada na análise de currículos, de conteúdos de entrevistas e de outro material emergente de processos de candidatura; na medição de perfis de personalidade; na análise de postos de trabalho e correspondentes requisitos de competências; e em processos de gestão do desempenho. Os desenvolvimentos continuarão. Mas importa ser prudente. A IA não é imune a enviesamentos e “decisões” discriminatórias. Produz “alucinações”. Os dados em que se baseiam os algoritmos podem ser insuficientes para representar a realidade – ou podem reflectir uma realidade diferente daquela a que o algoritmo é aplicado.
Ademais, alguns fornecedores de soluções de IA fazem promessas “mirabolantes” – assentes mais na “fé” e no mero ganho comercial do que na verdade dos factos. A opacidade é grande.
Este intróito conduz-nos a sete pontos: 1 As competências de IA serão cada vez mais procuradas, não apenas por profissionais tecnológicos, mas também pelos seus utilizadores nas organizações – inclusive profissionais e gestores de Recursos Humanos.
2 É imperioso que estes profissionais e gestores sejam, além de conhecedores de algumas tecnicalidades, suficientemente prudentes e até “desconfiados” de soluções de IA. O seguinte caso ilustra este cepticismo. Uma entidade jurídica foi solicitada a emitir um parecer que requeria pesquisa sobre jurisprudência. A IA foi um auxiliar precioso. Mas as suas alucinações inventaram jurisprudência inexistente, tendo colocado a entidade numa situação crítica.
3 A necessidade de competências relacionadas com a IA não enfraquece a relevância das competências sociais. Pelo contrário: a IA reforça a importância de competências como a gestão de conflitos, a comunicação, a capacidade de coordenação mútua e a cooperação.
4 Em organizações atravessadas por soluções digitais e de IA, é igualmente imperioso que as pessoas detenham competências de liderança pessoal – determinação, curiosidade, amor pela aprendizagem, humildade, empatia, integridade, capacidade de gerir emoções próprias e dos outros, e uma certa sabedoria céptica perante promessas tecnológicas, alegadamente disruptivas e imunes ao erro humano. A essas competências acrescentem-se a inteligência cultural para interagir com pessoas de diferentes culturas, a capacidade de lidar com a ambiguidade e a incerteza, a adaptabilidade, e um certo business acumen – uma combinação de conhecimento acerca do negócio, capacidade de aplicá-lo à situação, e recurso à experiência para que essa aplicação seja sábia e prudente.
5 No futuro, como no presente e no passado, é também essencial que os membros organizacionais (e, acima de tudo, as lideranças) detenham capacidades de autoconhecimento e autoconsciência.
6 Desprovidas das competências mencionadas, as pessoas – e as organizações – serão escravas da IA e das suas criações, em vez de serem agentes autónomos capazes de usarem responsavelmente as potencialidades da IA.
7 Não havendo profissionais perfeitos, é irrealista esperar que alguém detenha todas essas competências. O segredo, em organizações sustentáveis, radica na gestão das diferenças e das sinergias entre as pessoas.
Em suma: é inteligente não sucumbir à visão romântica da IA, sob pena de o romance se traduzir em pesadelo. As organizações devem ser tomadas como engenhos do progresso humano e não como instrumentos ao serviço de um tecno-optimismo ganancioso, gélido e desprovido de empatia.
Este artigo foi publicado na edição de Janeiro (nº.169) da Human Resources, nas bancas.
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