Já viu “Anatomia de uma queda”, filme vencedor do “Melhor argumento original” nos Óscares 2024? Há uma lição para a Gestão de Pessoas (e não só)

Há filmes que interpelam e chamam mesmo a atenção para aspectos cruciais da vida. “Anatomia de uma queda”, de Justine Triet, com Sandra Huller e Swan Arlaud nos principais papéis, é um deles, pois aborda algo decisivo: a verdade.

 

Por Paulo Miguel Martins, professor da AESE Business School e investigador nas áreas de Cinema, História, Comunicação e Mass Media

 

Não é um tema fácil de abordar, mas a verdade, ao ser apresentada com profundidade, obteve uma merecida projecção nas nomeações aos Óscares deste ano, vencendo como “Melhor argumento original”.

Um casal com um filho invisual, ainda jovem, e um cão vivem numa casa junto das montanhas, rodeada de neve, perto de uma grande cidade. Tudo parece esplêndido, mas de repente o marido aparece estendido morto na neve. À primeira vista, tudo indica que se trata de um suicídio, pois caíra da janela aberta do sótão da casa, onde trabalhava. No entanto, cada vez mais indícios apontam para a hipótese de um crime, recaindo as suspeitas na sua mulher. A imprensa ataca. Ela faz logo de início depoimentos contraditórios e é vista como potencial assassina. Além disso, o modo como o corpo da vítima se apresenta não é típico de alguém que se suicidara. A própria mulher tem hematomas no seu corpo, que revelam alguma violência recente. O caso vai a tribunal.

O filme é longo, como é longo qualquer processo em que se procure realmente conhecer a verdade dos factos e das intenções das pessoas envolvidas. O julgamento arranca e vão sendo chamadas pessoas que, com os seus depoimentos, vão revelando desde questões mais técnicas, como o tipo de queda que acontecera, até questões mais relacionadas com a própria vida interna da família. Constata-se de uma forma crua, através da audição gravada de uma discussão entre o casal, que nem tudo ia bem. A violência doméstica é real. O marido já tentara o suicídio. Ela já fora infiel no casamento. Ele culpabilizara-a pelo seu fracasso profissional e ela, por sua vez, considera- o responsável pela cegueira do filho. As sessões judiciais são tensas. O filho assiste a este “lavar de roupa suja” com a mesma estupefacção que os espectadores. É então que a criança pede à juíza do tribunal para depor. Já o fizera uma vez, mas solicita nova intervenção. É menor, mas a juíza aceita e marca a audição para alguns dias depois. Nesse intervalo, o filho resolve a questão com uma solução inesperada.

O ponto-chave do filme, inspirador na gestão da vida de todos, é precisamente a “procura da verdade”, do que “está correcto”. Só isso é que permite atingir os objectivos. Mas essa procura só é eficaz se houver transparência, ou seja, se houver coragem de dizer a verdade. Ao serem revelados factos concretos, que podem ser confirmados, eles próprios irão dando origem a novas pistas. Pouco a pouco, por muito duro que seja, a descrição das situações e a escuta dos vários intervenientes vão revelando o que está por detrás das atitudes e do significado das palavras ditas em diferentes contextos.

A solução do problema ilustra como tem impacto o saber escutar, o querer ouvir com atenção o que vai sendo apresentado. Há pormenores que vão fazendo sentido e podem ser relacionados com algo que passara despercebido. É essencial não rotular de imediato uma percepção, nem levar uma ideia pré-concebida sobre determinado assunto que se quer confirmar à viva força.

É bom reflectir com calma e valorizar o que parece pequeno, irrelevante, mas que pode ser mesmo decisivo. Neste caso, é!

 

Este artigo foi publicado na edição de Março (nº. 159) da Human Resources.

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