José Bancaleiro: «Não há nada que prejudique mais a liderança do que a quebra de confiança provocada por se fazerem promessas que não se podem cumprir»

Em termos sintéticos, a expressão idiomática da língua inglesa “walk the talk” significa praticar aquilo que apregoamos ou, dito de outra forma, alinhar as nossas acções com as nossas palavras. Costuma, aliás, dizer-se que as acções falam mais alto que palavras. Mas podem fazer-se combinações diferentes destas duas palavras, que retratam situações interessantes.

 

Por José Bancaleiro, managing partner da Stanton Chase Portugal – Your Leadership Partner

 

Percebi ao longo dos anos que o “walk the talk” se foi democratizando e fazendo parte do léxico de muitas áreas. A este crescimento e disseminação não será, seguramente, estranho o evoluir duma sociedade em que a comunicação é cada vez mais (omni) presente, mais rápida e mais importante, e na qual se criou, especialmente nos campos político, social e económico, uma enorme falta de sintonia entre o que se “promete” e o que se executa.

No campo da gestão, o “walk the talk” tornou-se num dos aspectos basilares da liderança. Chamemos-lhe liderar pelo exemplo, credibilidade ou autenticidade, o que está em causa é o alinhamento entre aquilo que o líder defende e aquilo que ele pratica, porque, em última instância, o carácter de um líder depende da forma como ele transforma o seu propósito em valores, e estes em comportamentos consistentes. Não há nada que prejudique mais a liderança do que a quebra da confiança provocada por o líder fazer promessas que não pode cumprir.

Quando, pelo contrário, um líder é consistente nas suas palavras e actos, especialmente em tempos turbulentos, isso transmite à sua equipa orientação, confiança e, principalmente, modelos de comportamento que, quando seguidos colectivamente e de forma continuada, se transformam em hábitos e originam aquilo que chamamos cultura organizacional. A cultura é muito mais influenciada por comportamentos dos líderes do que por discursos inflamados.

À medida que a expressão se foi afirmando no “gestionês” (linguagem da gestão), foi também ganhando uma riqueza extraordinária. Cada uma das duas palavras que a compõem tem um significado distinto e bem marcado. “Talk” significa, neste contexto, o falar, discursar, apregoar, teorizar, fazer planos, decidir e anunciar entre outros verbos. “Walk” transmite a ideia de agir, fazer, alinhar, cumprir, praticar, executar, entre outros. A combinação entre elas pode retratar situações muito diversas e muito interessantes.

A primeira combinação é “talk the talk”
É usada para retratar as situações em que pessoas e organizações analisam, debatem, planeiam, anunciam decisões e, depois, nada do que foi decidido e anunciado acontece. Todos conhecemos organizações em que se fazem grandes planos que nunca são executados e depois se voltam a fazer mais planos, os quais também nunca se concretizam. O pior é que, em muitos casos, toda a gente se habitua a esta forma de (não) funcionar e acaba por achar normal.

O mesmo acontece com muitas pessoas. Estudam, planeiam, decidem, por exemplo, programas de treino físico detalhados, mas depois vão adiando o momento de saltar para cima da passadeira, até que voltam a fazer um novo excelente plano, cujo início também vão protelando. Não é por acaso que se diz que delinear boas estratégias é fácil, executá-las é que é difícil!

A segunda é “walk the walk”. Retrata os casos, que também todos conhecemos, de pessoas e empresas que, por muito que mudem as circunstâncias, fazem sempre as mesmas coisas. Como alguém disse, (não foi Einstein) “insanidade é continuar a fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes”. A força das rotinas individuais (hábitos) e colectivos (cultura) é absolutamente terrível. É o caso da pessoa que sabe que (mero exemplo) a sua saúde está em risco e que fumar o prejudica e, apesar disso, continua a fazê-lo repetidamente. É igualmente o caso da organização que tem uma noção clara que um determinado produto está a ser substituído por outro e a perder mercado, mas mesmo assim continua a insistir na mesma estratégia e diariamente a fazer as mesmas acções comerciais.

As (más) rotinas (walk the walk) são muito difíceis de mudar e podem levar à morte de uma pessoa ou ao desaparecimento de uma empresa.

Por último, o “talk the walk”. Retrata, segundo alguns autores, a importância de explicar o caminho que se vai percorrer. Todos reconhecemos a relevância da comunicação para motivar e alinha esforços, e estes autores usam esta frase para realçar este aspecto.

Uma outra análise usa esta fórmula para descrever as situações individuais e colectivas em que é assumida como estratégia aquilo que são as práticas do passado, recusando assim a inovação. Também todos conhecemos casos de organizações que possuem competências muito distintivas numa determinada área (por exemplo, revelação de fotos) e que, por muito que mude o mercado (fotografia digital), elas vão sempre desenhar estratégias (talk) assentes naquilo que sabem fazer bem (walk). São organizações (e pessoas) que se viram para dentro e se fecham à evolução da sociedade e do mercado. Mais tarde ou mais cedo, acaba por dar mau resultado. Pense nisto!

 

Este artigo foi publicado na edição de Agosto (nº. 116) da Human Resources.

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