Líderes pessimistas, precisam-se!

«É o optimismo que nos conduz à crise e à catástrofe, e  só o pessimismo nos poderá tirar dela. Não um pessimismo derrotista e imobilizador, mas antes um pessimismo mobilizador.»

 

Por Miguel Pereira Lopes, presidente do CAPP – Centro de Administração e Políticas Públicas do ISCSP/Universidade de Lisboa

 

Quando em 1999 a investigadora Lisa Aspinwall, da Universidade de Utah, nos Estados Unidos da América, e a sua equipa decidiram analisar o que estavam a fazer as pessoas optimistas e as pessimistas face ao previsível cenário catastrófico do chamado “bug do ano 2000”, talvez não estivessem a pensar encontrar o que vieram a concluir. Os pessimistas estavam proactivamente a preparar-se para o pior, apetrechando os seus bunkers de água e enlatados e a guardar os discos rígidos dos seus computadores em locais seguros, enquanto os optimistas desvalorizavam a possibilidade de vir a acontecer um crash informático global, ou que tal crash fosse muito catastrófico.

Dito de outro modo, os pessimistas estavam a preparar-se proactivamente para o pior, enquanto os optimistas agiam como se nada se fosse passar. Os resultados desse estudo desafiaram o senso comum, segundo o qual se acredita normalmente que os optimistas são mais proactivos, enquanto os pessimistas tendem a desistir passivamente e a aceitar o que o “destino” lhes traçou.

Num estudo que publiquei mais tarde, em colaboração com outros investigadores portugueses no “Journal of Positive Psychology”, tentámos compreender melhor como se podem explicar comportamentos aparentemente tão contraditórios. As conclusões deste estudo mostraram que, tanto optimistas como pessimistas, podem tornar-se proactivos ou passivos, mas fazem-no em contextos diferentes. Os resultados desse estudo sugerem que, enquanto os optimistas agem como se nada se fosse passar (passivamente) quando acham que nada se pode fazer, comportam-se proactivamente quando acham que controlam a situação. Os pessimistas, mostraram o comportamento oposto, ou seja, disseram agir de forma passiva quando percebiam um controlo sobre a situação, tornando-se proactivos apenas quando sentiam que não a controlavam.

Num outro estudo publicado no “Journal of Socio-Economics”, em que apliquei este modelo comportamental à explicação dos ciclos económicos, no rescaldo da crise financeira de 2011, as conclusões pareceram ir no mesmo sentido quanto à forma como as reações psicológicas de optimismo/pessimismo ajudam a explicar a própria existência desses ciclos de subida e descida, bem como a forma como reagimos a crises.

Com efeito, é o excesso de optimismo sentido no início das crises e a sensação de que se controlam as coisas, que nos torna passivos perante a crise. É só quando começamos a perceber que os acontecimentos estão a fugir do nosso controlo e os problemas a acontecer que nos tornamos mais pessimistas. O problema é que, nesse momento, já a crise está a rolar de forma incontrolável. É só quando o pessimismo acentuado emerge, face à evidência do descontrolo da situação, é que começamos a fazer alguma coisa, tal como o estavam a fazer os americanos pessimistas que participaram no estudo da equipa de Lisa Aspinwall perante o bug do ano 2000!

Não admira, portanto, que um pouco por todo o mundo, a reacção ao aparecimento do novo coronavirus tenha resultado invariavelmente num comportamento semelhante ao que se previa, por parte de líderes mundiais. O mesmo se passou em Portugal, com o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em casa durante duas semanas a ver se a COVID19 chegava mesmo a sério ao nosso país, e o primeiro-ministro, António Costa, a resistir ao máximo em adoptar qualquer medida, desde logo o encerramento das escolas, apenas o fazendo após grande pressão da opinião pública em geral. Até mesmo os líderes científicos e especialistas, como os que compõem o Conselho Nacional de Saúde Pública afirmaram de forma muito optimista que a COVID19 era uma doença pouco relevante e perigosa, quando comparada com outras como a gripe.

Podemos concluir, portanto, que é o optimismo que nos conduz à crise e à catástrofe, e que só o pessimismo nos poderá tirar dela. Não um pessimismo derrotista e imobilizador, mas antes um pessimismo mobilizador, que volte a repor a sensação de controlo e previsibilidade, mesmo num contexto de grande adversidade.

É certo que a situação a que muitos dos países chegaram na gestão da crise do COVID19 se deve a factores muito diferenciados, como a qualidade dos serviços de saúde, os aspectos culturais e comportamentais de cada povo, ou mesmo a sua realidade económica. Mas o optimismo/pessimismo que, em média, caracteriza cada um desses povos, teve e terá uma influência decisiva.

Os asiáticos são por excelência os reis do pessimismo a nível global. Talvez por isso, o impacto destes fenómenos seja mais rapidamente contido nesses países. No final se constatará, mas uma hipótese que podemos desde já aventar e que é sugerida por uma leitura ainda na diagonal e provisória dos resultados desta pandemia, à escala global, é a de que será nos países mais “optimistas” que haverá mais casos de infectados e de mortalidade.

Esta realidade tem fortes implicações para quem exerce papéis de liderança. Os líderes devem ser os primeiros a exagerar no pessimismo das situações que podem ser negativas. Ainda que depois não venha a ser tão mal como se pensasse, é melhor ser pessimista, para acelerar o ciclo da crise e levar as pessoas à acção. Numa primeira fase, a resposta passiva do “fique em casa” pode ser a única viável, mas é preciso mais nas políticas públicas que se seguem. É preciso acentuar o pessimismo e, ao mesmo tempo, dar mecanismos de controlo para que as pessoas possam navegar no novo contexto. Este é o tempo para os líderes pessimistas – pessimistas “proactivos”, ou seja, que geram esperança, mas com verdade e sem irrealismos.

Como já se percebeu, este vírus não vai desaparecer tão depressa. Ele está a espalhar-se a grande velocidade por países onde é agora Verão e as temperaturas são elevadas, ao mesmo tempo que se espalha em países onde é Inverno. Não vai desaparecer depois da Primavera, como se poderia supor por analogia com o vírus da gripe. É possível até que tenha vindo para durar muito, e isso vai exigir de nós bem mais do que “ficar em casa”. Vai exigir criatividade individual e inovação social, para eventualmente nos adaptarmos a viver com ele por um longo período de tempo. Há, por exemplo, de estimular e apoiar a criação de negócios novos que nos ajudem a viver em confinamento. Oxalá isto não se concretize… mas é melhor prepararmo-nos para isso.

Para quem, como eu, tem investigado os aspectos positivos e optimistas da liderança ao longo de mais de 15 anos, esta é uma constatação à qual se reconhece agora que não podemos fugir. É o pessimismo proactivo que nos vai tirar da crise, e não vale a pena ficarmos muito optimistas com pequenas vitórias efémeras. É fundamental começar a pensar em como podemos viver nesta nova realidade, e é preciso líderes que nos digam isso e apontem desde já o caminho para essa dura realidade, para que possamos iniciar com a maior rapidez a procura de caminhos que tragam esperança no longo prazo.

Cá estaremos para reconhecer, de forma optimista, que novos tempos chegaram, quando este desafio estiver vencido, e entrarmos num novo ciclo de positividade e prosperidade.

 

Referências
Aspinwall, L.G., Sechrist, G.B., & Jones, P.R. (2005). Expect the best and prepare for the worst: Anticipatory coping and preparations for Y2K. Motivation and Emotion, 29, 357–388.
Lopes, M.P. (2011). A psychosocial explanation of economic cycles. Journal of Socio-Economics, 40(5), 652-659.
Lopes, M.P. & Cunha, M.P. (2008). Who is more proactive, the optimist or the pessimist? Exploring the role of hope as a moderator. Journal of Positive Psychology, 3(2), 100-109.
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