Maquievel ajuda-nos na Gestão de Pessoas?
Os clássicos ensinam-nos tanto, seja qual for a época em que vivemos
Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia
Um clássico incontornável para quem se apaixona por gestão é um dos grandes autores do Renascimento – Maquiavel, sobretudo na sua obra mais icónica “O Príncipe”, onde explora a natureza do poder e as estratégias para construir e assegurar liderança. As suas ideias, embora frequentemente associadas à política e à governação, podem ser “lidas” à luz da Gestão de Pessoas. Neste artigo exploraremos como os princípios de Maquiavel se adaptam à gestão de Recursos Humanos.
Maquiavel enfatiza a compreensão das dinâmicas e influências que moldam o poder. De facto, RH tem poder, mas tanto mais o terá, quanto o fundamentar em dois princípios defendidos pelo autor: 1) conhecer muito bem os cenários onde se move, quer internos quer externos, procurando levar a cabo análises detalhadas que permitam entender a estrutura de poder e influência dentro da organização. 2) ter muito claro um mapeamento dos factores que motivam os colaboradores e usar esse conhecimento para orientar o desenvolvimento de políticas e práticas que maximizem o desempenho e a satisfação no trabalho – naturalmente, tendo como referência o negócio e o contributo de RH para esse negócio.
A virtude (habilidade) e a fortuna (oportunidade) são conceitos centrais em Maquiavel. No desenvolvimento de pessoas, tal poderá significar um forte e consciente projecto desenvolvimento de competências: promover programas de formação e desenvolvimento contínuo para melhorar as habilidades dos colaboradores, associando-as a oportunidades, quer para o indivíduo, para a equipa o mesmo para o negócio. A implementação de planos de carreira e desenvolvimento personalizado são essenciais, pois se as pessoas precisam de acreditar que há oportunidades, e quanto mais o perceberem, mais entregam. Será também necessário que a Gestão de Pessoas aposte na criação, e manutenção, de ambientes que encorajem a inovação, a criatividade, conexão e partilha. Incentivar os colaboradores a assumirem novos desafios e a envolverem-se em projectos que permitam revelar, não só quem são e o que fazem, mas também todo o seu potencial, poderão ser motivos poderosos para aumentar o contributo produtivo de cada um.
Maquiavel sugere a necessidade de existência, em qualquer colectivo, de um equilíbrio entre ser amado e temido (amor e temor). Aplicado a RH, significa que deve haver alguma aposta na promoção do “amor corporativo”, mas também nunca descurar procedimentos, regras e processos, porque os colectivos precisam de se regular. Igualmente nunca esquecer o trabalho que RH tem de fazer, na identificação, capacitação e desenvolvimento, o suporte das lideranças, peça fundamental, e que também tem de atender a este equilíbrio entre amor e temor. Também se insere neste ponto, sistemas de reconhecimento e respeito (respeito, no sentido de acomodar o melhor de cada pessoa), estabelecendo um sistema de reconhecimento que valorize esforço, resultados e mérito, mas promovendo-os e disseminando-os para todo o colectivo. Tudo isto se suporta na implementação de políticas justas e transparentes que garantam disciplina e respeito pelas regras organizacionais, assegurando que todos os colaboradores são tratados de forma equitativa.
Maquiavel advoga uma abordagem das políticas com realismo e com aplicação prática, o que pode passar por, em qualquer que seja a sua aplicação, definir metas claras e alcançáveis, levando em consideração as limitações e os recursos disponíveis. RH pode ter um papel importante nesta matéria, ajudando outros gestores a fazê-lo de forma assertiva. De igual forma, Maquiavel alerta que não há estratégias imutáveis, e que o certo é adaptar de acordo com as circunstâncias reais e desafios enfrentados a cada momento.
Manter a ética e responsabilidade (moralidade) é crucial para Maquiavel, o que pode representar-se na garantia de que todas as práticas e decisões são conduzidas com ética e transparência, temas de que RH deve ser guardião. Códigos de ética, códigos de conduta e normativos comportamentais podem ser ferramentas importantes. Numa perspectiva de “dentro para fora” também RH deve ser um dos promotores de práticas de responsabilidade social e corporativa, assegurando que a organização contribui positivamente para a comunidade e o meio ambiente.
Embora possa ter outras leituras, Maquiavel valoriza o oportunismo e o pragmatismo, que se pode interpretar, aplicado ao(s) papéis de RH, como estar atento a novas oportunidades de desenvolvimento e crescimento para os colaboradores, aproveitar todas as possibilidades de sinergia com parceiros, estar socialmente presente para “benchmark” e/ou estabelecer pontes com os mais diversos players, ou até “aproveitar” algumas linhas de política pública, como por exemplo estágios ou financiamento.
Para Maquiavel, compreender bem o terreno é essencial, significando nesta abordagem, manter-se actualizado sobre as tendências do mercado de trabalho e as melhores práticas de gestão, estar “socialmente visível”, compreender profundamente as necessidades e aspirações dos colaboradores, através de pesquisas de clima organizacional e avaliações de desempenho, explorar, construir e manter alianças, que já anteriormente foi abordado, quer na perspectiva interna quer externa.
Maquiavel aconselha a firmeza e determinação nas decisões, quer a nível estratégico, quer operacional, o que também é importantíssimo para a afirmação de RH na organização, onde, a competência na gestão da informação e análise de dados (analytics) é crucial. Da mesma forma, RH tem a incumbência de também preparar outros gestores com esta competência. Isso permitirá, e voltando a Maquiavel, a capacidade de antecipar e gerir crises, quer com planos de contingência para perdas de talento chave, por exemplo, quer com preparação para gerir conflitos ou lidar com mudanças. Neste capítulo, tantas vezes esquecida, a preparação da sucessão pode ser uma missão importante para a gestão (sustentável) de pessoas.
Para terminar, embora muito mais houvesse a explorar sobre os contributos de Maquiavel para a gestão de pessoas, alerta-nos o autor para a importância de controlar a narrativa. Significa que RH tem a responsabilidade de desenvolver, e implementar, robustas estratégias de comunicação interna que garantam clareza, consistência e transparência, pois a utilização de canais de comunicação eficazes e regulares é essencial. Deverá também assegurar que a organização é percebida de forma positiva no mercado de trabalho, gerindo proactivamente a imagem da marca empregadora e a promoção dos valores e cultura organizacionais.