MC: «A DE&I é um propósito e uma missão»

A estratégia da MC endereça cinco dimensões de diversidade: Género; Incapacidades; Gerações; LGBTQIA+ e Nacionalidades e etnias.

Esta é uma estratégia suportada numa forte convicção da responsabilidade da organização na promoção de práticas inclusivas e equitativas. Em entrevista à Human Resources Portugal, Catarina Oliveira Fernandes, Area leader of Learning, Development and Inclusion da MC, explica como a empresa tem vindo a endereçar este tema junto dos seus colaboradores.

 

Como se caracteriza a estratégia da MC no âmbito da diversidade?
Somos uma empresa de pessoas e para pessoas, e valorizamos a singularidade como elemento diferenciador, procurando todos os dias contribuir com as nossas iniciativas para garantir um ambiente seguro, justo e inclusivo, em que todos sintam que podem expressar livremente quem e como são. Esta estratégia consubstancia- se no claim #PoderSer, que mostra de forma clara a nossa ambição de criar uma empresa onde todas as pessoas se sentem integradas e podem desenvolver o seu máximo potencial.

Cada dimensão de diversidade exige uma abordagem única e sistémica, sendo que, a título de exemplo, no Género estamos a endereçar quatro áreas de actuação:

Emprego e educação, com o projecto Women in Leadership, que pretende monitorizar e intervir nos eixos de recrutamento e promoção, garantindo que os processos decorrem sem enviesamentos e que contribuímos para uma empresa cada vez mais inclusiva.

Equilíbrio entre vida pessoal e profissional, com o programa Flexitup que disponibiliza diferentes medidas de flexibilidade para os modelos de trabalho, que, não obstante estarem acessíveis a todas as pessoas, são solicitadas maioritariamente por mulheres.

Protecção social, no âmbito do programa Somos Sonae; este é um programa de apoio (social, económico, jurídico e psicológico) a colaboradores em situação de vulnerabilidade, que existe desde 2013. Em 2019 incluímos um eixo específico para acompanhamento a situações de violência doméstica, em parceria com a Cruz Vermelha Portuguesa sob o mote Tu não és só uma, és uma de nós.

Visibilidade e role models, com diversas iniciativas de sensibilização, como, por exemplo, campanhas de promoção da igualdade de género protagonizadas por colaboradoras e colaboradores da MC com claims fortes e apelativos: #ÉDEMULHER em 2020 ou #PODERSER em 2023, focadas na quebra de preconceitos de género que, na verdade, afectam tanto homens como mulheres. Temos também mecanismos regulares de partilha de informação sobre esta temática, incluída nas nossas newsletters internas: todas as semanas, na rubrica “Info Snacks”, publicamos conteúdos curtos e apelativos, que vão já em mais de 200 edições e que apresentam exemplos internos e externos de DE&I para leitura e reflexão.

 

Como tem vindo a evoluir esta estratégia nos últimos anos de acordo com as conquistas que vão ocorrendo?
Desde o início da implementação que sabíamos que seria importante o lançamento de cada dimensão ser feito de forma muito focada: por isso, optámos por lançar uma dimensão por ano. Em 2020, o Género, em 2021, Incapacidades, em 2022 LGBTQIA+ e em 2023 Nacionalidades e Etnias. Para cada dimensão são definidos objectivos e planos de acção muito concretos, que acompanhamos em proximidade e nos permitem, de acordo com os resultados que obtemos, fazer os ajustes necessários para assegurar que cumprimos o propósito de cada dimensão.

No ano passado desenvolvemos um inclusion index no âmbito do nosso processo de auscultação interna (Tu Contas), para que sejamos capazes de recolher eficaz e regularmente o feedback das nossas pessoas, sendo que este tem sido muito positivo. Temos também evidências mais qualitativas, como por exemplo, a crescente adesão e interesse das nossas pessoas pelas campanhas e iniciativas que lançamos, sendo o mais recente exemplo o employee resource group dedicado à comunidade LGBTQIA+, que constituímos este ano.

 

Quais os maiores desafios que persistem e como trabalham para os ultrapassar?
Acreditamos que o maior desafio em questões de DE&I é o desconforto face a algo que não nos é familiar, que não conhecemos na totalidade. E esse desconforto só pode ser combatido com compreensão, respeito e empatia. É, sem dúvida, um trabalho individual, que exige intencionalidade e foco. Enquanto organização, é nossa responsabilidade definir o propósito subjacente à abordagem destas questões, disponibilizarmos as ferramentas essenciais para aprender mais sobre o tema, reforçar a necessidade de empatia e sensibilizar para a sua aplicação no dia-a-dia. Percebendo o porquê desta estratégia, e sabendo como agir nas diferentes dimensões, o dar passos individuais para fazer diferente torna- -se muito mais fluído, quase como uma consequência natural das duas etapas iniciais: percebo, conheço, ajo.

 

No último ano, quais os programas e iniciativas desenvolvidos pela MC neste âmbito com e para os seus colaboradores?
Nenhuma mudança se faz sem conhecimento e um dos eixos mais importantes da estratégia de DE&I é, obviamente, a formação. O primeiro conceito que abordámos, em 2021, foi o dos preconceitos inconscientes, através de um webinar disponibilizado a toda a organização. Este primeiro passo permitiu promover uma forte consciencialização sobre o tema e estabelecer uma linguagem comum que nos unisse neste movimento de mudança. No ano passado, desenvolvemos uma formação específica para equipas de recrutamento, e este ano avançamos com workshops presenciais e online para lideranças, com especial foco em estratégias de mitigação aplicáveis nas suas equipas.

Na dimensão das incapacidades, fechámos o primeiro piloto para integração de pessoas com incapacidade cognitiva ou intelectual em lojas da zona de Lisboa, desenvolvido em conjunto com a associação Vila Com Vida. Este projecto foi um sucesso e trouxe-nos uma enorme aprendizagem, o que levou a que, este ano, estejamos a lançar a segunda edição desta feita nas lojas do norte do País. Ainda nesta dimensão, desenvolvemos uma campanha sobre capacitismo e como combatê-lo, recorrendo a exemplos do dia-a-dia experienciados por uma pessoa com mobilidade reduzida, que divulgamos em formato de “capítulos”.

O ano passado começámos a trabalhar a dimensão LGBTQIA+ com acções de cariz mais pedagógico, reforçada este ano com o lançamento do nosso manifesto e de uma campanha protagonizada por colaboradores sob o mote “As nossas pessoas, o nosso orgulho”, que desafiou toda a organização a fazer parte do movimento de apoio.

Lançámos a segunda edição do podcast interno “Poder Falar É Poder Ser” com a presença de Jens Schadendorf, autor do livro “GaymeChanger”, no qual se falou da importância de abordar a dimensão LGBTQIA+ a nível corporativo, nomeadamente associada à estratégia, marketing e gestão de talento. Na sequência desta iniciativa, fomos convidados este ano a participar na edição portuguesa do livro com o case study da MC.

Desenvolvemos, em conjunto com a DKV-Fundação Integralia, um projecto de adequação dos nossos processos e procedimentos administrativos de recursos humanos, com vista a torná-los cada vez mais inclusivos.

No âmbito do Género, e a par do projecto Women in Leadership, continuámos a promover formação específica para acelerar as carreiras das mulheres. Somos parceiros desde o início do programa PROMOVA, uma iniciativa pioneira em Portugal, e continuámos a apostar nos nossos programas de mentoria internos e internacionais, em parceria com a LEAD Network.

 

Sentem que os colaboradores se envolvem com estas temáticas?
Numa organização com mais de 38 mil colaboradores, o potencial da diversidade é enorme. Cada vez mais sentimos que a forma transparente, objectiva e genuína com que desenvolvemos e implementamos campanhas nestas temáticas tem um verdadeiro impacto junto das nossas pessoas, que se sentem parte integrante de um todo e reforçam a sua confiança de poderem ser quem são. Além dos mecanismos mais regulares de auscultação interna, onde passamos a incluir a dimensão de DE&I, e que nos devolvem dados francamente animadores, temos o feedback mais próximo e pessoal que vamos recebendo através dos múltiplos canais de comunicação que disponibilizamos. Sente-se um maior envolvimento, um aumento da satisfação com a organização por abordar de forma tão transparente os temas e uma proactividade na partilha de ideias e sugestões. E vemos repetidas vezes as nossas pessoas comunicarem não apenas para dentro (junto dos seus pares) mas também para fora (família, amigos e comunidade) o orgulho de participarem nas iniciativas e a vontade de contarem as suas próprias histórias.

 

Existe hoje um maior awareness na sociedade em torno destes temas. De que forma isso tem impacto nos colaboradores da MC?
Somos uma empresa feita de pessoas únicas e singulares. Pessoas que têm sonhos, expectativas, ambições, histórias. Que se informam e interessam pelo mundo que as rodeia. São pessoas que querem perceber quais os valores pelos quais a organização onde trabalham se rege, as suas atitudes face às mudanças do mundo e dos paradigmas culturais, a sua estratégia para criar um mundo mais justo para todos. Isso torna a nossa responsabilidade ainda maior, porque somos um dos pilares da vida das nossas pessoas e temos a obrigação de lhes dar acesso a informação atempada, correcta e adequada, para que possam crescer enquanto indivíduos e profissionais. A nossa população está cada vez mais informada, atenta e interessada: o seu grau de exigência para com as estratégias da MC e para com o compromisso de que terão verdadeiro impacto na comunidade aumentou. E nós temos de acompanhar essa evolução e disponibilizar todos os meios ao nosso alcance para que possamos crescer em conjunto: afinal, não é por acaso que o nosso lema é Together in Business. Together in Life. Better Together! Temos uma convicção segura e confiante de que é esta a força que nos une!

 

Quais os pontos onde ainda é possível fazer mais?
Somos conhecidos como “eternos insatisfeitos”, e na DE&I não seria obviamente diferente. A nossa dimensão e capilaridade, além do enorme potencial que representa, coloca-nos também desafios para conseguir chegar a todos. E há caminhos que ainda não explorámos tanto quanto gostaríamos; por exemplo, o alargamento das acções de sensibilização para famílias, por exemplo (filhos de colaboradores, ou mesmo pais e avós) ou iniciativas na componente de Gerações. Temos muitas ideias em carteira, que, à medida que vamos consolidando os passos, serão desenvolvidas e implementadas, sempre com foco e abordagens sistematizadas para que sejam efectivas na sua aplicação.

 

Qual o impacto destes temas na área de negócio da MC?
Na MC temos negócios muito diversificados e chegamos a milhares de pessoas com os nossos produtos e serviços. É para essas pessoas que trabalhamos todos os dias, procurando, obviamente, ir de encontro às suas expectativas, anseios e exigências: e não é novidade que os consumidores estão cada vez mais informados e atentos, e valorizam empresas que estejam alinhadas com os seus próprios valores e princípios, preferindo-as face às demais.

Mas a nossa estratégia e abordagem a estes temas vai muito além da relação com os clientes, ou da pressão para acompanhar os temas mais em voga no momento. Para nós, a DE&I é um propósito e uma missão, que contribui para um bem substancialmente maior do que o nosso “pequeno mundo”, e que pode ter um impacto significativo na comunidade e no país, legando às gerações vindouras uma sociedade melhor e mais equitativa.

 

No que diz respeito à igualdade de género, como está distribuída a população da MC?
No final de 2022, a MC empregava cerca de 38 000 colaboradores, dos quais 68% eram mulheres.

 

Qual a percentagem de mulheres em cargos de gestão na MC?
Neste momento ultrapassámos o target que tínhamos definido para 2023, de 40% de mulheres em cargos de liderança, e continuamos a trabalhar em prol de uma cada vez maior equidade em toda a organização, especificamente nestas posições.

Para além disso, estamos a olhar para todos os cargos de gestão e liderança que temos ao nível das operações de loja. Sabemos que empresas mais equitativas, não só em género, mas em todas as dimensões da diversidade têm um maior potencial para gerar mais inovação e melhores resultados. Mas também sabemos que não basta termos diversidade, sendo absolutamente essencial implementar mecanismos de inclusão que activem todo o potencial que lhe está subjacente.

 

Em termos gerais, o que considera importante mudar nas empresas para uma maior inclusão de todos?
Atrever-me-ia a dizer que a inclusão é o “novo verde”, no sentido em que cada vez mais a sociedade estará atenta às políticas e estratégias das empresas com quem estabelece relações de consumo ou de empregabilidade, optando pelas que mais se identifiquem com os seus valores e princípios.

Dito isto, considero essencial que cada empresa esteja consciente da importância da equidade e inclusão para a sustentabilidade do seu negócio; e não falamos apenas de produtividade ou melhoria no processo de tomada de decisão, comprovadas por vários estudos já publicados, mas da sua inegável resposabilidade na construção de um futuro mais justo e sustentável para todos. Cada empresa tem a sua própria identidade e cultura, e a DE&I deve ser integrada na estratégia global de desenvolvimento e crescimento, com planos de acção específicos e mensuráveis e recursos alocados. Acredito que o sucesso residirá sempre no envolvimento e participação activa de todas pessoas da organização, sendo que devemos resistir à tentação de implementar as estratégias mais conservadoras, em formato top down, sem representatividade das diferentes dimensões. Mais do que nunca, liderar pelo exemplo é o verdadeiro caminho para o sucesso. E, por fim, aceitar que qualquer mudança cultural precisa de tempo, dedicação e acompanhamento, de empatia, de conhecimento e de uma abordagem focada e diferenciada de acordo com o estádio em que se encontra cada dimensão da DE&I na organização.

 

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Igualdade, diversidade e inclusão” na edição de Julho (n.º 151) da Human Resources, nas bancas.

Caso prefira comprar online, tem disponível a versão em papel e a versão digital.

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