Médis: Riscos psicossociais – um tema que tem de estar no plano estratégico das empresas
A capacidade das empresas adoptarem práticas de avaliação de riscos psicossociais e planos de intervenção relacionados é fundamental. Para além de ser a saúde e o bem-estar dos seus colaboradores que está em causa, os custos para as empresas também são enormes.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) já alertou para a necessidade de avaliar os riscos psicossociais como medida preventiva, devendo esta avaliação ser uma prioridade nas organizações. Sendo «notória a evolução que ocorreu nos últimos anos na área dos Recursos Humanos no que respeita à valorização da saúde e bem-estar dos colaboradores», e uma maior consciência das empresas para os riscos psicossociais, ainda «há muito trabalho pela frente». Quem o afirma é Raquel Coelho, assistente social do Grupo Ageas Portugal, que nos ajuda a perceber melhor esta realidade: os sinais aos quais estar alerta e como os prevenir.
Antes de mais, e para que fique claro para todos do que estamos a falar, o que são riscos psicossociais?
Para melhor se entender, identifiquemos alguns exemplos práticos de condições de trabalho que são considerados riscos psicossociais:
- Elevada carga de trabalho/taxa de esforço;
- Trabalhar muitas horas;
- Demasiada responsabilidade;
- Exigências contraditórias e falta de clareza na definição das funções;
- Não ter oportunidade de participar nas tomadas de decisão que afectam o colaborador;
- Má gestão de mudanças organizacionais;
- Comunicação ineficaz;
- Enfrentar situações de discriminação;
- Falta de apoio da parte de chefias e colegas;
- Precaridade laboral,
- Isolamento social, falta de apoio social, exposição à violência (aspectos relacionados com as relações interpessoais no trabalho, incluindo assédio psicológico ou sexual);
- Dificuldade em compatibilizar o trabalho com a vida pessoal, reduzido apoio em casa, solicitação de realização de trabalho fora do horário (por exemplo, responder a e-mails ou telefonemas) e aspectos relacionados com a conciliação casa-trabalho).
Estes são apenas alguns exemplos que podem originar efeitos negativos a nível psicológico, físico e social, que acabam por gerar também efeitos negativos para a empresa.
São uma tendência/problema crescente nas empresas?
Sabemos que o cansaço físico e mental e a crescente sensação de incapacidade para lidar com o mundo laboral em constante mutação têm gerado uma interacção negativa com a entidade empregadora. Cada vez mais é pedido aos trabalhadores para assumirem diversas funções, as relações de trabalho tornam-se mais precárias, a organização do tempo de trabalho sofre alterações, entre muitas outras situações.
É certo que a pandemia veio fazer com que as empresas começassem a olhar mais para as suas pessoas e para o seu ecossistema, e espero que tenhamos todos aprendido com a situação pandémica.
Até porque a pandemia também contribuiu para o exacerbar dos riscos psicossociais…
Se por um lado as empresas tiveram de alocar esforços a comunicar com as suas equipas, trabalhando constantemente para manter os níveis de motivação positivos, garantindo um bom ambiente laboral, ao mesmo tempo, podemos identificar empresas que não se adaptaram, com a mesma velocidade, à nova realidade, transmitindo essa instabilidade às pessoas. Em todo o caso, temos também casos em que as empresas se viram obrigadas a encerrar, situação que veio prejudicar a estabilidade emocional dos respectivos colaboradores.
A pandemia veio trazer à superfície alguns efeitos de mudanças societais já existentes. Por exemplo, o volume elevado de famílias monoparentais – e com consequência reduzido apoio nas tarefas familiares – e que, com a redução/ encerramento das respostas sociais – como creches ou centros de dia para idosos –, veio trazer grandes dificuldades, nomeadamente a conciliação do trabalho/ vida pessoal, que constituem um risco à saúde e bem-estar mental.
Além da pandemia, que outras causas contribuem para os riscos psicossociais nas empresas?
Para além da pandemia, existem factores ligados à organização do trabalho que diz respeito ao expediente, às horas extras e aos trabalhos durante os fins-de-semana, à própria estrutura organizacional da empresa. Competitividade exagerada, falta de recompensas, conflitos interpessoais fazem parte dessa cultura organizacional fragilizada e que são agentes responsáveis por criar climas desagradáveis, prejudicando todo o ecossistema laboral.
Como se distinguem os riscos psicossociais de situações não patológicas de carga excessiva de trabalho ou mera desmotivação?
É curioso que, em 1998, o sociólogo Robert Karasek traçou precisamente um modelo que analisa essas situações de trabalho e que podemos citar para melhor entender que, no fundo, trata-se de uma questão de bom senso. Existe um nível de Alta Exigência que se compreende por uma solicitação alta e baixo controlo, situação mais nociva à saúde do colaborador. Depois, o nível de Trabalho Activo, com uma solicitação e controlo altos, seguido de nível de Baixa Exigência, onde é o próprio colaborador que define o seu ritmo. Já o Trabalho Passivo compreende baixa solicitação e controlo, resultando em falta de motivação, com pouca aprendizagem e possível perda de habilidades.
Exigir dos trabalhadores resposta em horários de descanso, volume de trabalho acima do número de horas do trabalhador é um risco, e não algo relacionado com factores individuais.
De acordo com a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, cerca de metade dos trabalhadores europeus considera o stress uma situação comum no local de trabalho, no entanto contribui para cerca de 50% dos dias de trabalho perdidos. Considera que a generalidade das empresas está alerta para este problema?
Acredito que as empresas estão cada vez mais conscientes desta realidade e já podemos ver bons exemplos, apesar de ainda termos muito trabalho pela frente. A título de exemplo, e ao dia de hoje, a presença dos colaboradores do Grupo Ageas Portugal no escritório é voluntária e para essa logística contamos com uma aplicação interna, “Estou aqui”, que permite que façam a marcação de lugares para a data pretendida, garantindo sempre todas as medidas de segurança e de higiene.
No futuro, pretendemos oferecer espaços de trabalho dinâmicos e flexíveis com o conceito de free sitting e opção de trabalho híbrido – ficando dois dias a trabalhar de casa –, disponibilizar ferramentas colaborativas e focar no conceito de sustentabilidade, promovendo sempre um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.
Qual o impacto/custo que tem para as empresas ignorar os riscos psicossociais?
Aqui entramos nas consequências que esses riscos podem causar à própria empresa, onde está presente a desmotivação, aumento de absentismo, aumento de rotatividade, redução de produtividade, aumento de acidentes, aumento de reclamações, mau ambiente no local de trabalho, deterioração da imagem da empresa, e, claro, aumentos dos respectivos custos, sejam directos ou indirectos.
Quais os sinais a que devem estar atentas?
É possível fazer uma avaliação que passa por diferentes passos. Em primeiro lugar, a identificação desses riscos, que requer, para além da observação, a descrição e a interpretação do contexto do trabalho que poderá ocasionar efeitos negativos na saúde do colaborador. Em segundo lugar, a identificação dos colaboradores expostos aos factores de risco, de que forma a exposição ocorre e respectiva quantificação dos efeitos na saúde. Após a recolha da informação referida, dever-se-á estimar a gravidade do dano e proceder em conformidade.
Nos colaboradores também é possível identificar sinais de alerta, tais como: mudanças no comportamento – mais intolerantes, agressividade, sintomas depressivos, etc; dificuldade em fazer tarefas diárias ou fazer o trabalho correctamente; queixas de dificuldade em dormir; nervosismo, agitação ou tensão; sensação de perigo iminente e/ou pânico; dificuldade de concentração ou interesse por outros assuntos; dificuldade em controlar a preocupação; entre outros.
E o que pode ser feito no sentido da prevenção destes riscos psicossociais?
É fundamental estar atento ao clima organizacional e potenciar a comunicação interna com os colaboradores, sem esquecer que o défice de comunicação e as respectivas políticas de Recursos Humanos da empresa estão directamente relacionadas com o bem-estar no trabalho. Desenvolver condutas que eliminem as fontes de stress ou neutralizem as consequências do mesmo; activar formações em resolução de problemas; desenvolver estratégias de assertividade; fazer um controlo eficaz dos tempos; “desligar” do trabalho fora do horário laboral; praticar técnicas de relaxamento; fortalecer os vínculos sociais entre o grupo de trabalhos; são algumas das acções que poderão prevenir estes riscos.
De que forma se pode promover a sensibilização das empresas, no sentido de combater não apenas os riscos psicossociais, mas também a estigmatização dos colaboradores que estão a passar por esta situação?
É fundamental formar as chefias intermédias e de topo, consciencializá-las para esta situação e dar a importância devida ao tema. O papel destas chefias deve passar por desenvolver programas de prevenção de riscos psicossociais; potenciar a comunicação; reestruturar e redesenhar os postos de trabalho; definir de forma precisa as funções de cada um; instaurar um sistema de recompensas justo, ou mesmo delimitar os estilos de direcção e de liderança.
A prevenção dos riscos psicossociais no trabalho desempenha um papel importante, permitindo a promoção da saúde física e mental e o bem-estar do colaborador. A própria OIT releva a necessidade de avaliar os riscos psicossociais como medida preventiva, devendo esta avaliação ser uma prioridade nas organizações.
No Grupo Ageas Portugal, tivemos vários momentos de sensibilização das chefias para este problema, conversando sobre sinais de alerta e sensibilização para a importância do encaminhamento dos colaboradores para as consultas de apoio psicológico e consultas de apoio social disponibilizadas para todos os colaboradores.
E os colaboradores, também não têm aqui um papel importante? Continua a haver “vergonha” de pedir ajuda?
Ainda vivemos essa realidade. Para além do medo de represálias dos superiores e das mudanças laborais que daí podem advir, os colaboradores ainda demonstram vergonha e receio da discriminação que podem sofrer. E aqui as chefias têm um papel fundamental de desmistificar e alterar este pensamento.
Culturalmente, ainda existe preconceito, o que dificulta a procura de ajuda na área da saúde mental. Há todo o um trabalho a fazer na desmistificação do apoio psicológico e a necessidade de sensibilização para sinais de alerta.
Quais são as soluções da Médis para conseguir dar resposta aos riscos psicossociais nas empresas?
A avaliação dos riscos psicossociais está alinhada com a metodologia de sistematização do programa Empresa Saudável da Médis: Avaliação – definição de plano de intervenção – avaliação de resultados. Esta metodologia é fundamental para permitir uma actuação eficaz, quer na prevendos riscos quer na mitigação dos mesmos. Neste contexto, ambos os programas deverão fazer parte de uma abordagem global da saúde dos colaboradores, com a programação integrada das intervenções para a melhoria dos indicadores de saúde e bem-estar. Aqui destacamos, no programa Empresa Saudável, não só as acções de sensibilização, as sessões práticas, mas também os planos de literacia de saúde que poderão ser ajustados às necessidades de cada empresa. Ao mesmo tempo, criou parcerias na área de avaliação dos riscos psicossociais de forma a facilitar o acesso das empresas a estas intervenções.
A procura das empresas tem aumentado e alargado o âmbito de actuação?
É notória a evolução que ocorreu nos últimos anos na área dos Recursos Humanos no que respeita à valorização da saúde e bem-estar dos colaboradores e que contribuiu para o aumento da procura nesta área. Além disso, a pandemia veio criar uma aceleração na evolução da relação da empresa com os seus colaboradores, com novos desafios para ambos.
Como seguradora de saúde, temos observado esta mudança e a procura de soluções mais abrangentes, quer em termos de protecção de saúde, quer nas áreas da prevenção/promoção de saúde.
Que tendências perspectiva neste âmbito? Uma melhoria ou agravamento da preponderância dos riscos psicossociais nas empresas?
Relativamente aos riscos psicossociais a melhoria ou agravamento vai depender da capacidade das empresas adoptarem práticas de avaliação destes riscos e planos de intervenção relacionados. É urgente colocar esta abordagem na estratégia das empresas no que respeita à relação com os seus colaboradores. Não se trata de agravamento, mas sim uma necessidade de estarmos sensíveis às mudanças constantes que ocorrem, que nos permita colocar esta temática no olhar da acção estratégica das empresas.
Este artigo faz parte do Especial “Saúde no Trabalho” na edição de Janeiro (n.º 133) da Human Resources nas bancas.
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