Neuralink: a empresa desconhecida e verdadeiramente perigosa de Elon Musk

Por Ricardo Zozimo, Professor Universitário na Nova SBE

Desde a eleição de Donald Trump para um segundo mandato no governo dos Estados Unidos que temos assistido a um conjunto de decisões verdadeiramente extraordinárias. O filho do (novo/velho) presidente viaja para um território depois de ter o visto negado; o presidente fala de voltar a ter soberania física sobre o canal do Panamá e, por exemplo, atribui erradamente as culpas dos fogos florestais na Califórnia a canais fluviais que existem para proteger o meio ambiente. No meio de tantas decisões e intervenções, ficará para a história do governo norte-americano a nomeação de Elon Musk como responsável pela eficiência do governo (o título oficial em inglês é na realidade bastante abstracto e porventura confuso).

Penso que ter alguém como Elon Musk a tomar conta da eficiência governativa é uma provocação enorme à forma como os governos trabalham. Todos nos lembramos da forma agressiva e pouco profissional como Musk entrou pela primeira vez no Twitter (entretanto renomeado X) carregando um lavatório num gesto claramente provocatório para a equipa de gestão anterior que negociou duramente a entrada do milionário na empresa. Essas provocações e as ideias pouco consensuais de Musk que o fazem ser louvado por muitos na comunidade empreendedora e empresarial penso que são destrutivas – e não disruptivas – nas equipas de governo cuja principal função é criar pontes e procurar consensos alargados.

Serve esta introdução para estabelecer o espírito com que Elon Musk vê a sua vida. A biografia de Musk, escrita por Walter Isaacsson – um dos melhores e mais prolíficos biógrafos americanos – mostra o lado verdadeiramente dominador e imperial desta figura incontornável do nosso tempo e é nesse contexto que gostava de me focar na Neuralink, provavelmente a empresa de Musk menos conhecida mas, como verão, a empresa socialmente mais perigosa da esfera de Musk – especialmente no capítulo dos recursos humanos.

A Neuralink é uma empresa cuja missão passa por implantar chips dentro de cérebros humanos. Dirão vocês: “Como?”. Chips em cérebros humanos é uma história de ficção científica, mas na verdade não é. É uma historia actual que foi aprovada pela FDA (agência de medicamentos norte-americana) em Janeiro de 2024. Os mais curiosos podem seguir os pacientes desta empresa ao vivo no Youtube da Neuralink. O objectivo destes chips é regular as funções principais do cérebro e devolver capacidades perdidas. Por exemplo, um indivíduo que perdeu a capacidade de andar pode, através destes chips, ganhar movimento no(s) membro(s) afectados. Mas, na realidade, o que o chip pode trazer é uma capacidade de autorregulação e de acesso a conhecimento absolutamente espantosa. Juntem um super atleta corporativo com o ChatGPT. É isso é que o chip pode criar.

Claro que, na nossa área, as consequências são substanciais. Considerem o exemplo do recrutamento: se o nosso recrutamento se foca em competências ganhas por estudo e experiência passaremos apenas a recrutar por esta última dimensão. E que tipo de experiências vamos valorizar se os Chiphumanos conseguem descrever e falar de tudo? Mais ainda: se cada ser humano e o seu cérebro são sistemas complexos e dinâmicos alterado pelas experiências, análise de dados e reflexão, como vamos recrutar para a novidade se todos podem viver com os seus chips as mesmas experiência? Parece-me que a criatividade será uma das áreas mais afectadas.

Para além das questões do recrutamento, as questões éticas são substanciais. Deixem-me dar um exemplo: os chips permitirão controlar as emoções dos trabalhadores – por exemplo, garantir que uma força de vendas está sempre alegre e disponível ou uma equipa de contabilidade e auditoria está sempre focada – mas será tal controlo desejável? E que consequências poderá ter este controlo emocional dos nossos colaboradores na sua motivação e alinhamento de propósito? O que estaremos a perder dentro da organização se impusermos uma padronização das emoções que os colaboradores sentem?

Num último exemplo quero focar-me na avaliação de desempenho. Como vamos avaliar indivíduos com chips e compará-los com aqueles que não têm chips? A avaliação assenta neste momento em sistemas de meritocracia que assumem acesso de oportunidades para todos, valorizando aqueles que se entregam mais aos objectivos pessoais e coletivos. Mas, se tivermos várias categorias de ser humanos, como vamos criar sistemas de avaliação justos?

Estamos ainda no princípio desta jornada de transhumanismo – o termo científico para designar o melhor das máquinas com o melhor dos humanos – e claramente deixei-vos muitas perguntas, mas seguramente as consequências para o mundo do trabalho corporativo são enormes e as empresas que melhor se prepararem para ter nas suas forças de trabalho seres humanos com e sem chips serão aquelas que melhor conseguirão trazer para a realidade concreta das empresas este poder inimaginável.

PS – Este trabalho tem sido desenvolvido com o Dr. Vasco Fonseca e, se quiserem continuar a discutir os temas das pessoas, aprendizagem, tecnologia e ética, escrevam-nos.

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