No momento de escolher o curso superior, a taxa de empregabilidade não é o factor que mais pesa
O concurso nacional de acesso ao ensino superior está a decorrer e as opções que cada candidato tomar podem ser determinantes para o seu futuro. Mas parece que os jovens não levam em conta os indicadores de desemprego na hora de escolher um curso, revelou o Expresso.
Olhando para o número de diplomados de cada curso inscritos nos centros de emprego, a generalidade das 20 licenciaturas onde esse indicador é mais elevado teve todos ou quase todos os lugares preenchidos no último concurso nacional de acesso, em 13 delas a ocupação de vagas é de 100% e apenas num caso, o curso de Contabilidade do Instituto Politécnico da Guarda (entraram 15 de 32 alunos possíveis na 1.ª fase), é inferior a dois terços.
Dez anos antes, só três destes mesmos cursos preenchiam todas as vagas disponíveis: Design Multimédia, na Universidade da Beira Interior; Comunicação Social, no Instituto Politécnico de Coimbra; e Turismo, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que continua a ter a terceira mais alta taxa de desemprego entre diplomados (12,9%).
O crescimento da procura ao longo da última década foi transversal a todos os 20 cursos que têm, neste momento, mais altos índices de desemprego. Em alguns casos, o número de inscritos foi multiplicado por quatro vezes (Gestão Pública, na Universidade de Aveiro, que tinha cinco colocados) ou cinco vezes (Marketing, no Instituto Politécnico da Guarda, que tinha oito alunos). Em ambos os casos, todas as vagas foram ocupadas logo na 1.ª fase do concurso nacional de acesso no ano passado.
A publicação revela que, no mesmo período, assistiu-se a um crescimento global da procura do ensino superior (mais 11% de inscritos na última década), mas os altos índices de desemprego não impediram estes cursos de seguir a tendência geral.
A empregabilidade «não é o racional determinante» para a escolha de um curso, refere a investigadora da Universidade Lusófona Orlanda Tavares. Este foi precisamente o tema da sua tese de doutoramento – «As escolhas dos estudantes no acesso ao ensino superior português – processos e racionalidades», defendida na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
Os jovens «continuam a usar o argumento da empregabilidade» na altura de escolher se devem ou não ir para o ensino superior, explica, mas o mesmo não acontece no momento de escolher a formação superior a que vão candidatar-se. Nessa altura, «pesam mais outros factores», como a vocação, o interesse pessoal ou a influência da família.
Alguma investigação, nota o sociólogo do Instituto de Ciência Sociais da Universidade de Lisboa Vítor Sérgio Ferreira, aponta a existência de um crescimento do «valor intrínseco da formação», em detrimento do seu «valor instrumental». Ou seja, os jovens cada vez mais valorizam o gosto em estudar a ligação com a profissão que podem vir a desempenhar, mais do que a estabilidade do emprego ou os níveis remuneratórios associados a cada actividade.
Parece haver, prossegue o mesmo especialista, até uma relação entre alguma perda de valor de um diploma do ensino superior,que continua a garantir salários mais elevados e maior protecção face ao desemprego, mas a níveis menos elevados do que em décadas anteriores, e as opções dos jovens.
Ou seja, «os estudantes parecem cada vez mais conscientes de que o valor de empregabilidade do diploma não é o que foi no passado», e isso acaba por lhes dar «maior liberdade em escolher um curso de que gosta». É uma ideia sintetizada numa frase que Vítor Sérgio Ferreira, vice-coordenador do Observatório Permanente da Juventude, ouve frequentemente de estudantes: “Isto está mal em todo o lado, mais vale escolher aquilo de que gosto.”
O mais recente inquérito Estudantes à Saída do Secundário, feito pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, já é de 2018/2019, mas os dados então recolhidos apontam no mesmo sentido. O facto de o curso superior escolhido oferecer “boas oportunidades de emprego” é apenas o terceiro motivo invocado pelos jovens para justificar a opção por determinada formação – o motivo é invocado por 30,8% dos alunos.
Mais importante, na óptica dos estudantes, é que o curso verse sobre “aquilo que gosta de estudar” (42%) ou abra as portas “à profissão desejada” (47%). A pergunta do inquérito é de escolha múltipla, pelo que os alunos podiam seleccionar mais do que uma opção. Foram inquiridos mais de 44 mil alunos do ensino superior.
Mas, ainda que a generalidade dos alunos “não olhe para as taxas de emprego” dos cursos na hora de tomar opções no concurso nacional de acesso, isso não quer dizer que sejam imunes a “percepções sobre empregabilidade”, defende Orlanda Tavares. Os alunos absorvem as informações dos media ou das suas famílias, que os levam a privilegiar áreas emergentes da economia, por exemplo, ou a deixar de lado sectores tradicionais