O absentismo nas organizações: um desafio silencioso

O absentismo é um problema crescente nas empresas e impacta directamente a produtividade e o ambiente de trabalho. Como lidar eficazmente com o tema, à luz dos múltiplos factores que para ele contribuem, foi o caminho apontado pelo Grupo Nabeiro e a Randstad Portugal numa das Talks da XXVIII Conferência Human Resources.

Marlene Fernandes, Sales & Operations director da Randstad, e Ana Rita Lopes, directora de Recursos Humanos do Grupo Nabeiro, debateram o tema “Quando a cultura e o apoio organizacional não chegam. Como gerir o absentismo?”, numa Talk moderada por Tiago Brandão, director-geral da The Browsers Company (Super Bock Group).

A complexidade do absentismo

Marlene Fernandes começou por abordar a complexidade do absentismo, sublinhando que este problema não pode ser simplesmente atribuído à falta de vontade dos colaboradores. Para a responsável, existem vários factores subjacentes que, muitas vezes, não são devidamente considerados pelas organizações.

«Temos de olhar para o absentismo de uma forma mais holística. As empresas investem em programas de bem-estar e em iniciativas de motivação, mas o absentismo persiste. Isso indica que há algo mais a acontecer», explicou. De acordo com Marlene Fernandes, é fundamental que as empresas compreendam que o absentismo pode ser causado por uma combinação de factores, incluindo sobrecarga de trabalho, problemas de saúde mental, questões familiares e até mesmo a cultura organizacional.

Um dos pontos levantados pela representante da Randstad foi o impacto da sobrecarga de trabalho. «Quando os colaboradores são constantemente pressionados a entregar mais, muitas vezes sem o reconhecimento adequado, isso pode levar ao esgotamento. E o esgotamento é uma das principais causas do absentismo crónico», afirmou. Destacou ainda que, mesmo quando os colaboradores se mostram inicialmente motivados e produtivos, a falta de equilíbrio entre vida pessoal e profissional pode rapidamente transformar essa motivação em cansaço e, eventualmente, em absentismo.

Marlene Fernandes também referiu a importância de as empresas estarem atentas aos sinais de alerta, como a falta frequente de colaboradores. «O absentismo crónico não afecta apenas o colaborador que está ausente; afecta toda a equipa. Quando alguém falta repetidamente, os colegas têm de compensar essa ausência, o que aumenta a carga de trabalho e gera um ciclo vicioso de desmotivação e mais absentismo.»

 

Uma cultura da transparência e confiança

Ana Rita Lopes, por sua vez, trouxe para a discussão a importância da cultura organizacional e de se criar um ambiente onde os colaboradores se sintam confortáveis em partilhar as suas dificuldades. Do seu ponto de vista, o absentismo não pode ser combatido apenas com medidas disciplinadoras ou programas de incentivos; é necessário criar uma cultura de confiança e transparência onde os colaboradores se sintam apoiados.

«Há muitos factores pessoais que contribuem para o absentismo e que, muitas vezes, os gestores não vêem ou não compreendem. Questões familiares, como a necessidade de cuidar de filhos pequenos ou de pais idosos, são uma realidade para muitos colaboradores. Se as empresas não forem sensíveis a estas questões, o absentismo vai continuar a ser um problema», explicou.

Ana Rita Lopes destacou que, no Grupo Nabeiro, a flexibilidade tem sido uma das chaves para combater o absentismo. «Nós percebemos que, se dermos aos colaboradores a flexibilidade de que precisam para gerirem as suas responsabilidades pessoais, eles sentem-se mais tranquilos e, consequentemente, mais produtivos e menos propensos a faltar.» Contudo, a responsável alerta também para o perigo de se cair numa flexibilidade excessiva, que pode comprometer a disciplina e a responsabilidade dos colaboradores.

«Há um equilíbrio a ser encontrado. Se formos demasiado permissivos, podemos acabar por incentivar uma cultura onde a responsabilidade individual se dilui. É importante que os colaboradores saibam que têm de cumprir as suas responsabilidades, mas que a empresa está lá para os apoiar quando necessário», acrescentou.

 

O papel das chefias intermédias

Um dos pontos que ambas as oradoras enfatizam é o papel das chefias intermédias no combate ao absentismo. Para Marlene Fernandes, as chefias têm um papel crucial, pois são elas que têm o contacto mais próximo com os colaboradores e que conseguem identificar os primeiros sinais de esgotamento ou desmotivação.

«É fundamental que as chefias estejam atentas aos sinais de alerta. Um colaborador que começa a faltar com frequência, que se mostra desmotivado ou que tem um desempenho abaixo do habitual pode estar a atravessar uma fase difícil. E é o papel da chefia perceber isso e abordar a questão de forma construtiva», explicou. É igualmente importante que exista um diálogo aberto entre chefias e colaboradores. «Não podemos tratar o absentismo como um tabu. É preciso ter conversas francas e honestas sobre o que está a acontecer e sobre o que pode ser feito para ajudar o colaborador a superar essa fase.»

Ana Rita Lopes concordou, acrescentando que as chefias intermédias devem ser vistas como uma linha de frente no combate ao absentismo. «As chefias têm um papel muito importante, não só em identificar os sinais de absentismo, mas também em criar um ambiente onde os colaboradores se sintam à vontade para falar sobre os seus problemas. Quando as pessoas se sentem ouvidas e compreendidas, estão mais propensas a procurar ajuda antes que o absentismo se torne um problema crónico», afirmou.

Por outro lado, a directora de Recursos Humanos do Grupo Nabeiro alertou para o impacto que a falta de acção por parte das chefias pode ter na motivação dos restantes colaboradores. «Quando o absentismo é ignorado ou tratado de forma negligente, os colaboradores que cumprem as suas responsabilidades acabam por desmotivar-se. Percebem que nada é feito para corrigir a situação e, eventualmente, essa desmotivação espalha-se por toda a equipa», notou.

 

Trabalho presencial vs. trabalho remoto

Outro ponto discutido foi a questão da presença física no local de trabalho. Com o aumento do trabalho remoto e dos regimes híbridos, muitas empresas têm enfrentado desafios adicionais no que diz respeito ao absentismo. Ana Rita Lopes explicou que, na sua organização, optaram por manter um regime de trabalho presencial, mas com flexibilidade nas margens de horário.

«Decidimos manter o trabalho presencial porque acreditamos que a proximidade física é fundamental para a nossa cultura organizacional. No entanto, oferecemos flexibilidade nas margens de horário para que os colaboradores possam gerir melhor o seu tempo», explicou. Para Ana Rita Lopes, a presença no local de trabalho é importante para garantir a colaboração e a confiança entre os membros da equipa. «A proximidade ajuda a criar laços mais fortes e a construir um ambiente de confiança, onde as pessoas se sentem à vontade para falar sobre as suas dificuldades».

 

Enfrentar o absentismo de frente

O absentismo é um desafio para as organizações, mas pode ser mitigado com as estratégias correctas. Como Marlene Fernandes e Ana Rita Lopes salientaram ao longo do seu debate, este tema não pode ser visto meramente como uma falha dos colaboradores; é um reflexo de vários factores, sendo muitos deles controlados pelas próprias empresas.

A solução passa por uma abordagem integrada que envolva a criação de um ambiente de confiança, o reconhecimento das necessidades pessoais dos colaboradores e uma gestão eficaz por parte das chefias intermédias. Além disso, a flexibilidade e a transparência são fundamentais para construir uma cultura organizacional que valorize o bem-estar dos colaboradores sem perder de vista a responsabilidade e a produtividade.

Tal como Marlene Fernandes referiu, «o absentismo é um sintoma de algo mais profundo. Se quisermos resolvê-lo, temos de ir à raiz do problema e criar soluções que beneficiem tanto a empresa como os colaboradores».

 

Foto: NC Produções

 

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