O binómio vida-trabalho: Primeiro estranha-se, depois entranha-se
A gestão diária do binómio vida-trabalho, feita no aconchego do lar, parece fluir entre momentos de conciliação e de conflito. O “ou” é substituído pelo “e”. Tudo acontece de forma síncrona, mais ou menos aprazível, muitas das vezes sem a nossa capacidade de influência directa sobre o assunto.
por Rita Oliveira Pelica, chief Energy officer & founder da ONYOU
Muito mudou, mas nem tudo mudou, desde Março de 2020. Hoje, talvez tenhamos uma visão mais nítida de que a vida, pura e simplesmente, (nos) acontece. Ou será antes de forma complexa? Pensar no binómio vida-trabalho é um verdadeiro desafio de complexidade. Há dias felizes e tranquilos, outros mais tristes e inquietantes. Sempre emocionais. Nos dias de hoje é assim, ou melhor dizendo, no último ano tem sido assim: ordem e caos parecem andar de mãos dadas, sem distanciamento social, tal como a vida pessoal e a profissional. Talvez seja até redutor chamar-lhe binómio, se pensarmos na vida como uma equação com tantas variáveis interdependentes, das quais nós somos um produto final.
Foi “estranho”, mas neste momento já está “entranhado”. O trabalho entrou pelas nossas casas sem pedir licença e instalou-se. Nalguns casos, já estava instalada a versão base, mas ainda assim houve a necessidade de se fazer um upgrade. Nesta nova versão, a família vem já incluída, by default. Esperamos que seja compatível… Mas rapidamente percebemos que precisamos de melhores apps de produtividade e de foco – ou talvez de estabelecermos melhor as nossas prioridades –, pois há dias em que parece que o que temos instalado de origem não funciona. Não, eu não estou a ser mais produtiva do que era, eu procrastino, às vezes deliberadamente e noutras tantas devido às vicissitudes das circunstâncias. Aí está o conflito a emergir…
Sobre o tema da inteligência emocional, uma competência que podemos aprimorar e que assenta no nosso autoconhecimento emocional, a nossa responsabilidade é grande. É instrínseca. Não podemos assobiar para o lado. Emoções todos temos, mas como é que as estamos a gerir? Há dois verbos “técnicos” que imediatamente me ocorrem para serem conjugados: relativizar e ruminar. Ambos são opção, embora proporcionem resultados diferentes. Confesso que já ruminei mais do que rumino e que, actualmente, a minha perspectiva é mais de relativização. Mas foi (e vai continuar a ser) uma aprendizagem, ao longo da vida, não só académica, mas também segundo uma lógica de learning by doing.
Sobre as políticas organizacionais de Recursos Humanos, também observamos e constatamos que há diversidade, com bons exemplos e outros mais infelizes. Contudo, utilizar as palavras empatia e resiliência nos discursos internos e nos media não chega. É preciso ir mais além, com a dificuldade acrescida de continuarmos a lidar com a incerteza e o desconhecido, embora já com uma curva de aprendizagem. Ouvindo as pessoas, criando e fornecendo um espaço seguro para que possamos compreender como é que estas verdadeiramente estão – sem a sua “tribo” e com o sentimento de pertença a esmorecer. Sem rodeios, o tempo é de pragmatismo. A saúde mental não pode ser entendida como uma buzzword. É tempo de os Recursos Humanos das organizações assumirem a sua faceta estratégica, ocupando o seu espaço. O tempo é agora.
Nas palavras dos meus filhos: «O lado bom da COVID é estarmos sempre juntos», e isso é indiscutível. E é um desafio diário, na multiplicidade de papéis que temos de assumir. Será que nos facilitava a vida assumirmos que estamos num estado de desequilíbrio constante neste binómio da vida-trabalho, na busca da integração? E que este é um caminho que todos temos de fazer, sem uma rota traçada à partida e para um destino desconhecido?
Este artigo foi publicado na edição de Março (nº.123) da Human Resources, nas bancas.
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