O bode expiatório para os fracassos ao nível do talento
Cada vez mais, as empresas têm de se fazer valer não só das suas áreas de negócio, mas também caminhar para uma ascensão das áreas de suporte, que devem ser encaradas de forma estratégica e não meramente operacional.
Por André Machado Gonçalves, head of Talent Acquisition & Employer Branding da Winning Scientific Management.
Num estudo recente de uma empresa de plataformas de recrutamento, cerca de 48% dos empregadores globais reportaram a falta de talento como uma das maiores dificuldades que sentem nas organizações. Acompanhando esta tendência, percebe-se também que o mercado internacional caminha para um investimento cada vez maior nas áreas de suporte – nos últimos 50 anos, o custo com áreas de suporte (SG&A – Selling, General & Administrative) aumentou mais de 20 vezes, para cerca de 20 mil milhões de euros, considerando as empresas cotadas no Dow Jones – não tendo certamente sido acompanhado numa melhoria operacional na atracção e retenção de talento, como se pode constactar pela primeira estatística apresentada.
É necessário perceber que cada vez mais as empresas têm de se fazer valer não só das suas áreas de negócio, mas também caminhar para uma ascensão das áreas de suporte, em particular das áreas de Recrutamento, para assegurarem um combate efectivo às necessidades do mercado laboral. Sem dúvida, a arena de combate saiu da relação com clientes e da venda comercial, para uma arena com candidatos e colaboradores e a respectiva venda emocional. A própria consideração de que estamos numa “arena” é enganadora e leva-nos à actual criação de silos que impede as áreas de Recrutamento de definir uma estratégia global para a organização, para ser antes o bode expiatório de todos os fracassos ao nível do talento.
As áreas corporativas devem não só promover e potenciar o seu plano estratégico na organização, mas também funcionar com um mindset de parceiros do negócio, sendo essa das maiores fraquezas que estas áreas actualmente sentem, estando imersas no seu dia-a-dia operacional e impedidas de vir à superfície, respirar, olhar em redor e definir qual o melhor caminho para o sucesso.
Deste modo, quando tudo é prioritário nada é estratégico. E definir prioridades é fazer escolhas: escolhas sobre o que é mais relevante para suportar o negócio, mas também sobre o que é necessário para envolver candidatos, colaboradores e clientes num caminho consertado. Assim, é absolutamente necessário que as organizações apliquem duas questões clássicas de estratégica corporativa, mas desta vez às áreas de suporte: em que terreno queremos jogar e como vamos ganhar.
Em que terreno queremos jogar?
Bem, olhando para um contexto de talento e uma necessidade premente de atracção e retenção, cada vez mais as áreas de Recrutamento devem posicionar-se junto à gestão de topo para que a identificação de prioridades e a visibilidade sobre a resposta dada seja ágil e orientada à organização. A área de Recrutamento deve claramente servir de veículo de informação entre empresas, candidatos e colaboradores, para que a informação possa circular nas duas vias, ou seja, para que os estes segundos tenham acesso rápido àquilo que é a organização (definição estratégica, objetivos táticos e operacionais) mas também para que a organização tenha contacto com o mercado, com todos os processos de inovação internos que daí possam surgir, e como a própria estratégia corporativa deve ouvir o mercado.
Como vamos ganhar?
Como referido, é fundamental haver uma definição de prioridades e de como uma área de Recrutamento deve actuar para servir o seu cliente interno e, em concreto, definir claramente quais são as suas actividades core. As áreas de Recrutamento, sendo uma das principais fontes de contacto com o exterior, devem servir como motor para gerar uma cultura que se aproxime do meio tecnológico e que relembre constantemente as empresas de que a transformação digital está à porta.
Num estudo de 2019 do Project Management Institute, cerca de 80% das empresas inovadoras colocaram a afirmação “we create a culture that values the technological shift toward a digital environment” como a mais relevante para fomentar cultura nas suas organizações – e o caminho a traçar deve assentar em vários eixos, mas certamente terá que passar pelo empowerment das áreas de talento.
Assim sendo, proura-se cada vez mais a visão holística estruturada como um factor diferenciador, olhando para um panorama onde temos por um lado startups com um grau de inovação elevada, mas uma maturidade de processos baixa e, por outro lado, empresas consolidadas, mas onde há pouco espaço para as áreas de suporte serem vistas como parceiros do negócio e, como tal, impedirem que as mesmas possam igualmente servir como embaixadores corporativos.
O Human Capital Institute afirma que 90% dos líderes de Recursos Humanos precisam de ser mais estratégicos – e de facto não poderia ser mais verdade. A fórmula para o sucesso é desconhecida, mas alguns princípios são chave para chegar aos resultados e fortalecimento das relações entre negócio e áreas de Recrutamento: (i) estas áreas devem ter uma proximidade e visibilidade junto do top management, com uma preocupação constante com o valor acrescentado que é gerado, (ii) a ideia de “equipa que ganha não se mexe” deve ser abolida e substituída por uma permanente inovação com uma ligação forte ao talento para que se possa ouvir e tirar ideias sobre o caminho a traçar, reforçando o estatuto de business partner do negócio, e (iii) instaurar processos ágeis e com uma lógica de plug & play para que estas áreas se possam reinventar continuamente de modo a adaptarem-se a este mercado em constante mudança.
Alcançado estes objectivos, chegamos a um plano organizacional para captar e reter talento, que vai certamente além do salário financeiro, emocional e quaisquer outros benefícios que cada vez menos são um factor diferenciador na indústria, mas sim uma coesão e colaboração corporativa, que presta um melhor serviço ao cliente final: as pessoas.