O director de recursos humanos do futuro (que já não será RH)
Numa realidade em que a única constante é a mudança, está a emergir a necessidade de um gestor RH 4.0, com diferentes responsabilidades e, por consequência, novas competências.
Por Carlos Sezões, partner da Stanton Chase Portugal e EMEA HR Practice Leader
Há umas boas décadas, quando a Gestão de Pessoas começou a merecer o estatuto de área funcional, à semelhança da Produção ou das Vendas, tínhamos a figura do responsável de um denomina- do departamento “de Pessoal”. A agenda era claramente administrativa, focada no planeamento e controlo, numa lógica de “fordismo” vindo das linhas de produção industrial. Assiduidade, férias, gestão contratual e salarial e temas afins eram o foco deste gestor e sua equipa. Podemos designá-lo como um gestor RH 1.0.
Mais tarde, com o advento das preocupações com a formação profissional e a estruturação de carreiras (lineares, ascensionais e para toda a vida), tivemos novos líderes de Recursos Humanos, mais atentos ao indivíduo-profissional, l, que poderemos classificar como gestor RH 2.0.
No final do século XX/ início do século XXI, emerge a preocupação de focar a função de Recursos Humanos numa óptica mais estratégica, dita de business partner, com preocupação mais analítica de conhecimento do negócio, focada nas relações causa-efeito entre investimento nas pessoas e resultados. Métricas, planos estratégicos e gestão da performance são parte essencial do léxico deste gestor RH 3.0 que, de certa forma, prevalece hoje na maioria das grandes organizações empresariais, sejam nacionais ou globais.
Mas, aqui como noutras realidades, a única constante é a mudança. Este patamar não é o fim da história. A transformação digital em curso, os novos modelos de negócio e de trabalho e o advento da inteligência artificial (IA) e do machine learning, com a massificação da digitalização e robotização, trarão a necessidade de um gestor RH 4.0. Que, acredito, será muito mais do que RH.
Os drivers da mudança
Comecemos pelos drivers da mudança deste mundo complexo e cada vez mais imprevisível:
As tecnologias de informação e comunicação, que têm sido os catalisadores da inovação “transsectorial”, estarão cada vez mais omnipresentes, muito visíveis em robôs, mais discreta nos algoritmos que decidem boa parte dos processos.
O elemento humano, sempre fundamental, afastar-se-á da componente rotineira e transaccional e focar-se-á no pensamento estratégico, análise, “julgamento” e tomada de decisão.
A mudança sociocultural trazida aos locais de trabalho pelas gerações Y e Z requer também novas formas de gestão mais focadas no propósito, nos valores, na employer brand, na cultura e na employee experience. Estas duas forças conjugadas incrementam a complexidade e diversidade da função de director de RH.
Como tal, o âmbito deste futuro gestor estará bem para além da gestão de Pessoas, cujos processos-chave (acolher, integrar, desenvolver, recompensar), em boa parte, serão automatizados.
Portanto, acredito que as seguintes sete dimensões estratégicas sejam o foco das responsabilidades e decisões do director de Recursos Humanos do futuro:
1. Garantir o capital humano e tecnológico da empresa
A função de adquirir talento, numa óptica de resourcing de competências humanas e digitais/ robotizadas, será um mix de marketing e de supply chain – posicionar, comunicar e atrair da forma mais eficiente possível. Primeiro, estudar e analisar cenários, efectuar o planeamento estratégico e prospectivo, mapear o mercado de talento existente, planear a aquisição das competências-chave e definir os canais pelos quais esse talento será atraído pela organização.
Plataformas agregadoras (necessidades corporativas vs. talento individual) serão os parceiros-chave desta tarefa. Intermediários tecnológicos farão, do mesmo modo, o suprimento das máquinas necessárias ao negócio. Este ‘workflow’, na perspectiva humana, assentará num ‘matching’ que usa IA e ferramentas predictivas para perspectivar a probabilidade de sucesso da relação a ser estabelecida e auscultam as necessidades/ expectativas de quem oferece as suas competências.
A segmentação das tarefas organizacionais que requerem máquinas (determinísticas e rotineiras, como processos standardizados), das que requerem humanos (pensamento estratégico, criativi- dade, resolução de problemas complexos) e das que beneficiarão da colaboração de ambos (tarefas probabilísticas, como decisões de gestão, de treino e formação) será igualmente um subprocesso estratégico para quem hoje gere apenas Pessoas. O Gestor RH 4.0 será, essencialmente, o planificador supervisor da eficiência e eficácia desta dimensão.
2. Assegurar uma cultura empresarial coerente e eficaz
A cultura é (e será cada vez mais) o factor de coesão, o cimento das organizações no que concerne à atracção, motivação e retenção de talento. Deve estar assente em valores e um propósito forte, que seja diferenciador. Estará patente, no dia-a-dia, em dimensões como a liderança, a tomada de decisão, modo de enfrentar a incerteza, o risco e a mudança ou como lidar com os conflitos. Como inovar e como lidar com o mundo exterior. E claro, como se valorizam as pessoas. Tudo isto condicionará o alinhamento (fit) organização – indivíduo.
A cultura organizacional, sendo mais perene que as estruturas ou as estratégias, é dinâmica e pode moldar-se com o tempo, sofrendo influência do ambiente externo e das respectivas transformações socioculturais.
O director de Recursos Humanos do futuro será guardião de uma cultura saudável, que reflicta o ADN de uma organização – assegurará, pois, o compliance dos comportamentos e processos da empresa com a sua matriz cultural. E, simultaneamente, terá de ser o champion e coach da evolução cultural que, com o tempo, se torne imperativa – de uma cultura actual (as is) para uma cultura desejada (to be).
Leia o artigo na íntegra, na edição de Abril da Human Resources, nas bancas.