O mundo do trabalho mudou. Estarão as empresas e a sociedade civil preparadas para enfrentar os novos desafios?
Numa parceria entre a Abreu Advogados e Human Resources, decorreu no passado dia 16 de Setembro, no auditório da sociedade de advogados em Lisboa, uma conferência dedicada a analisar os novos modelos de trabalho e paradigmas do sector, como os nómadas digitais e as semanas de trabalho flexíveis.
Por Sandra M. Pinto
Abreu Advogados e Human Resources debatem o futuro do trabalho. Com público presencial e transmitido em directo via zoom, o debate foi composto por dois painéis: o primeiro focado nos novos modelos de trabalho, com a participação de Rodrigo Simões de Almeida, CEO da Mercer, Mariana do Canto e Castro, directora de Recursos Humanos e de Legal da Randstad, Luísa Fernandes, People Director da Farfetch e Carmo Sousa Machado, sócia da Abreu Advogados e co-coordenadora da área de Direito do Trabalho; e o segundo painel dedicado aos novos paradigmas do sector, como os nómadas digitais e as semanas de trabalho flexíveis, no qual participaram Mariana do Canto e Castro, Rebeca Venâncio, Head of PR and Communication na Revolut Portugal, António Maia, Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta e, da parte da Abreu Advogados, Carmo Sousa Machado e Cláudia Ribeiro da Silva.
A abertura da conferência esteve a cargo de Inês Sequeira Mendes, Managing Partner da Abreu Advogados, e a moderação dos painéis coube a Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources.
«Consideramos este um tema essencial e que deve ser debatido por todos, acima de tudo porque é um tema transversal a todos os sectores», começou por referir Inês Sequeira Mendes, Managing Partner da Abreu Advogados na abertura da conferência. A pandemia deixou-nos como “herança” estes novos paradigmas no universo do trabalho. «O último ano mudou profundamente a forma como trabalhamos e como nos relacionamos no nosso ambiente de trabalho, sendo que agora nos deparamos com novos modelos de trabalho, novas realidades e, sobretudo, inúmeros novos desafios». Como tal, importa avaliar as novas mudanças no universo do trabalho que estamos a viver, e perceber até que ponto «estamos todos nós, empresas e sociedade civil, preparados ou não para enfrentar estes novos desafios», sublinha Inês Sequeira Mendes.
No enquadramento do primeiro debate, Rodrigo Simões de Almeida, CEO da Mercer, começou por referir que «são enormes os desafios que se colocam, e para os ultrapassar todos são importantes, sendo essencial a existência de um alinhamento entre todos». A pandemia veio acelerar o trabalho flexível, mas esta era uma tendência que já se vinha a verificar. «A implementação do trabalho flexível está no top 3 das preocupações dos gestores que percebem que têm de implementar este novo modelo de trabalho de uma forma que seja satisfatória tanto para empresas quanto para colaboradores», afirma. «33% das empresas ponderam manter o trabalho remoto, 75% optam por um modelo hibrido», é uma das conclusões do estudo da Mercer que será revelado no final de Setembro. Um dos factores que leva à não adopção do remoto na totalidade está relacionado com a capacidade de manter a cultura da empresa.
No debate do primeiro painel, Mariana do Canto e Castro, directora de Recursos Humanos e Legal da Randstad, começa por sublinhar que é impossível fazer futurismo e que a tendência do estudo da Mercer mostra algo que já tem vindo a ser feito na Randstad. «A verdade é que muitas das intenções que as empresas agora mostram ter, podem não se vir a verificar de forma efectiva», refere, acrescentando que muitas outras empresas que não equacionavam estes novos modelos «acabaram por ir atrás das tendências». Hoje, os candidatos num processo de recrutamento questionam logo se vão ter a possibilidade de trabalhar remotamente. «Isto significa que o modelo de trabalho híbrido começa a estar muito presente, vai ser uma tendência com forte probabilidade de se tornar numa realidade rapidamente, sobretudo com as novas gerações que estão a chegar ao mercado de trabalho».
Questionada sobre se sente diferença ao nível da cultura corporativa da empresa, Luísa Fernandes, People Director da Farfetch, refere que a cultura se manteve. «Acreditamos piamente que a empresa se manteve unida ao longo destes quase dois anos, tendo em conta que já nos conhecíamos todos e sabemos bem como todos funcionamos, o que nos ajuda a manter a cultura da organização». A dificuldade é sentida quando temos novos colaboradores a entrar, «aqui corremos o risco de alguma dessa cultura se perder, pois tendo nós valores muito intrínsecos, é difícil trabalhar a cultura de uma forma puramente digital». A responsável defende que há uma componente humana que só se consegue através do contacto presencial entre todos os colaboradores. «Acreditamos que isso só se consegue num mesmo espaço, pelo que mantemos a flexibilidade, mas a presença é também ela muito valorizada».
Carmo Sousa Machado, sócia da Abreu Advogados e co-coordenadora da área de Direito do Trabalho, assinala como um dos grandes desafios a questão do recrutamento. «Cada vez mais, as empresas são escolhidas pelos trabalhadores, sendo a questão do onboarding uma das mais cruciais actualmente». Na Abreu Advogados pretende-se trabalhar a realidade da empresa de forma «a termos pessoas felizes e que gostem de estar na empresa». O teletrabalho já está previsto na lei há muitos anos, mas agora foi massivamente implementado. «Um dos apectos positivos da pandemia foi obrigar-nos à força a experimentar algo que já estava disponível, mas relativamente à qual quase todo éramos céticos», sublinha, «a pandemia teve alguns aspectos positivos e temos de saber aproveitá-los». Os trabalhadores devem perceber que «flexibilidade implica produtividade e que liberdade implica responsabilidade». Para a responsável, se estes conceitos estiverem interiorizados «a nova realidade vai correr bem, com bons resultados».
Cláudia Ribeiro da Silva, advogada da Abreu Advogados procedeu ao enquadramento do segundo painel, focado nos novos paradigmas do sector, como os nómadas digitais e as plataformas digitais. «As plataformas digitais têm vindo a crescer e a marcar o seu lugar e importância nas economias mundiais», começa por analisar a especialista. Mas a verdade é que estas novas formas de trabalhar trazem novos desafios para os trabalhadores, nomeadamente “a regularidade de rendimentos, as condições de trabalho, a protecção social e a liberdade de associação e negociação colectiva». Do lado das empresas, a advogada aponta «a concorrência desleal, a necessidade de financiamento e a formação digital». No que diz respeito aos nómadas digitais, Cláudia Ribeiro da Silva refere que estes têm como principais características «a flexibilidade, o individualismo, a auto-realização pessoal e o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional». Perante estes “novos trabalhadores”, surgem desafios acrescidos às organizações, «como a criação de soluções flexíveis que permitam o desenvolvimento pessoal do trabalhador, a inovação no modelo de avaliação de desempenho e a cultura de empresa».
A Revolut já tinha uma política relativamente flexível no que diz respeito ao trabalho remoto, revela Rebeca Venâncio, Head of PR and Communication na Revolut Portugal. Na opinião da responsável, a pandemia trouxe uma definição de novas regras. «Agora estamos a ponderar aquilo que vai ser a nossa política de trabalho no futuro, e que tem passado por ouvir em primeiro lugar os trabalhadores.» Globalmente, os trabalhadores revelaram à empresa que «mais de 56% queriam trabalhar desde casa entre quatro e duas vezes por semana, 36% queriam uma politica 100% remota e só 2% preferem o trabalho presencial no escritório». Na organização, o trabalho a partir de casa e remotamente não teve influência na produtividade das equipas «97% afirmaram que não tinha havido alteração ou que tinha sido mesmo positivo». A partir do momento em que todos os colaboradores têm clarificados os seus objectivos, «cada um sabe perfeitamente como gerir o seu horário de trabalho».
«Ao nível da saúde, temos encontrado um impacto devastador por parte do contexto laboral», confessa António Maia, Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta. Na opinião do especialista, estamos a assistir a mudanças que têm um impacto grande na vida de todos. «As pessoas estão cada vez mais conectadas, mas cada vez menos ligadas», refere, «o que promove a saúde mental são as experiências sensoriais gratificantes que nos dão sentimentos de segurança, de pertença, pelo que quando são reequacionadas as questões laborais, estas vertentes devem ser tidas em linha de conta». Para o psicólogo, «o modelo misto será aquele que, à partida, permite a tal dimensão de flexibilidade para nos podermos ajustar, e este será certamente um desafio para todos». Há um primeiro momento de grande resistência à mudança, «com fortes reações emocionais, só muito tempo depois passamos para a fase da adaptação e da aceitação. Mas este é todo um processo que tem de ser feito».