Obrigado, chefe, mas promoção não, estou bem assim

Por Francisco Cesário, docente do Mestrado de Psicologia Social e das Organizações. Ispa – Instituto Universitário.

Por Flávia Godinho, mestranda em Psicologia Social e das Organizações. Ispa – Instituto Universitário.

Fomos quase sempre educados, em casa e na escola, com a mensagem de que o trabalho confere sentido à vida e representa uma componente crucial da existência de uma pessoa. Embora o factor económico seja relevante na escolha de um emprego, é importante reconhecer que ele pode não ser a única prioridade, muitos procuram no trabalho a oportunidade de alcançar um senso de propósito na vida, elemento essencial para o seu bem-estar geral.

No entanto, quando se começa a sentir que o propósito de vida não está a ser alcançado e que o trabalho não está a dar um nível de satisfação geral que se esperava, podemos começar a questionar o seu valor e, de seguida, formarmos uma visão mais crítica sobre o significado do trabalho na nossa vida e um sentimento de desilusão com o mundo do trabalho. Este olhar crítico está a ganhar de forma exponencial novos adeptos. No final de 2024, a plataforma Reddit, mostrava já uma comunidade designada de”r/antiwork” com mais 2,9 milhões de membros.

Este movimento “Anti-Work” ganhou relevância sobretudo na sequência do recente período pandémico, em que muitos postos de trabalho migraram de regimes presenciais para remotos. A ruptura de hábitos regulares provocada pela pandemia levou muitos trabalhadores a perceber que as condições de trabalho em que se encontravam eram inadequadas e insustentáveis. Esse contexto intensificou questões como o burnout, problemas de saúde mental e insatisfação com o trabalho, encorajando os colaboradores a questionar o papel que o trabalho ocupava nas suas vidas.

A forma como as organizações reagiram a esses desafios resultou numa mudança significativa nas prioridades dos trabalhadores, levando-os a redefinir o que valorizam e o que estão dispostos a tolerar. Esse reajuste de prioridades fortaleceu ainda mais a adesão ao movimento Anti-Work, que questiona a centralidade do trabalho na vida das pessoas e desafia a ideia de que o valor individual está intrinsecamente ligado à produtividade.

A par disso, a crescente desilusão com os sistemas económicos, o cinismo em relação à organização moderna e ao valor geral do trabalho, e a existência de relações de trabalho desrespeitosas ou abusivas, constituem um conjunto de factores interconectados que têm alimentado o crescimento do movimento Anti-Work. Estas dinâmicas trazem à tona práticas como o “Quiet Quitting” e o “Acting Your Wage”, que reflectem o descontentamento generalizado com a exigência de esforços e com uma remuneração insuficientemente adequada e percebida como injusta.

Tais fenómenos forçaram os trabalhadores a confrontar a realidade de que o trabalho não é apenas uma forma de ganhar a vida, mas também uma parte significativa da sua identidade como pessoas, conexões sociais e realização pessoal. Estudos recentes mostraram que aqueles que se sentem desconectados do seu trabalho, ou não têm senso de propósito, podem sofrer esgotamento emocional, stress e motivação reduzida.

Na sua génese, o movimento Anti-Work apresenta duas vertentes distintas: a primeira, de carácter mais radical, defende a eliminação total do trabalho como forma de libertação da dominação, argumentando que, frequentemente, os trabalhadores são levados a priorizar os interesses das organizações em detrimento das suas próprias necessidades e bem-estar. Já a segunda vertente, mais moderada, oferece uma alternativa ao paradigma capitalista, defendendo um trabalho que respeite a dignidade do indivíduo e não reduza a sua autoestima ou valor social a meras funções produtivas.

Esta é também uma questão geracional. Enquanto as gerações mais séniores adoptavam a filosofia “work-to-live“, as novas gerações rejeitam a ideia de avaliar as pessoas exclusivamente pelas suas ocupações, distanciando-se da cultura workaholic. Em vez disso, procuram um equilíbrio saudável entre vida profissional e pessoal, valorizando o reconhecimento e a dignidade no trabalho, e aspirando a ocupações que sejam tanto significativas quanto gratificantes.

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