Obsolescência Programada e a Revolução da IA
Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia
Desde as revoluções industriais do século passado, que vivemos à mercê de economias do consumo, que se retroalimentam e fomentam a necessidade do novo, do melhor e do mais qualquer coisa – a essência da teoria da obsolescência programada. Já neste século, uma sucessão de acontecimentos fez com que cada vez mais pessoas equacionem, ou questionem se preferirmos, prioridades, padrões de vida e o papel de dimensões tradicionais na composição da vida (como o trabalho por exemplo). Tudo se complexifica com a revolução digital que vivemos e o desenvolvimento imparável da Inteligência Artificial, que neste século XXI nos desafia e entusiasma. Partimos do princípio filosófico de que o trabalho – pelo menos como o conhecemos, tende a terminar e perguntamos se quem gere pessoas nas organizações, está preparado (ou está a preparar-se) para lidar com esta complexidade? Os métodos tradicionais de gestão de pessoas, que continuamos a discutir e a tentar melhorar, servem para um futuro que se adivinha significativamente diferente?
A obsolescência programada desafia-nos a refletir sobre a transitoriedade, sobre a finitude, não só dos bens que consumimos, mas também das estratégias de gestão que vemos representarem-se nas organizações. As mudanças ocorrem a uma velocidade vertiginosa, e será que estamos perante a “crónica de uma morte anunciada” da gestão de recursos humanos? Provavelmente sim, até porque se o trabalho está a mudar, as pessoas também, necessariamente a forma como se gerem as pessoas também se alterará.
A digitalização e a IA, também elas estimuladas pela obsolescência programada (vejamos a quantidade de ferramentas de IA que todos os dias surgem, e rapidamente desaparecem), introduzem uma nova dinâmica na forma como lideramos e gerimos pessoas. Mas que dinâmicas novas são essas e estaremos preparados, capacitados e conscientes de que a única constante é a mudança e este atual cenário de mudança que vivemos, tem contornos que nunca imaginámos a esta velocidade? A gestão de pessoas, por vezes, parece estar pressa ao passado, onde os planos a longo prazo ainda faziam sentido, e esquecendo-se muitas vezes que se as pessoas mudam, as políticas, procedimentos e práticas têm de acompanhar – idealmente, antecipar.
A IA desafia-nos as noções convencionais de tomada de decisão na gestão de pessoas, sobretudo porque nos traz a capacidade de analisar dados e antecipar tendências. Mas quantas organizações já sentam a IA na mesa de decisões? E que processo de aprendizagem (reskilling) tem cada um de nós de seguir para continuar a preservar, neste enquadramento, as dimensões humanas da interação?
A gestão de pessoas baseada em avaliações anuais, horários e/ou locais fixos, hierarquias rígidas e formais, identificação de talentos, identificação de necessidades de formação e implementação de estratégias de retenção, ou talvez até todos os processos formais de gestão de pessoas, poderão, muito em breve, ser completamente remodelados pela IA. Passaram cerca de 10 anos desde que tive o primeiro choque sobre este tema: Embora já existissem portais do colaborador e interfaces várias para gestão mais administrativa de pessoas, continuavam a bater-me à porta, ou a enviar emails, ou telefonemas, a perguntar: “Quantos dias de férias tenho? Num side event de uma conferência com o David Ulrich, e de uma software house, alguém se ligou à sua empresa, e perguntou a uma “imagem” no ecrã do computador – ainda tenho dias de férias? Do outro lado, a resposta. “Sim, tens x dias”. O diálogo fechou com “muito bem, marca dois dias, que estou em Lisboa e vou ficar mais dois dias”. Feito. Passaram quase 10 anos (o que no contexto a que nos referimos significa estarmos a falar de um passado longínquo), e embora na altura possa ter parecido ficção científica, a pergunta: quantas folhas de excel andam agora a circular nos emails corporativos, para os trabalhadores marcarem férias? Estaremos prontos para entender, primeiro e depois aceitar, que a IA pode superar as nossas próprias capacidades na gestão de pessoas? A obsolescência programada assenta na necessidade de constante reinvenção, mas estaremos à vontade para deixar cair o “sempre foi assim”?
Num cenário onde as mudanças são a única constante e uma inevitabilidade, a gestão de recursos humanos deve evoluir para além das práticas convencionais, para o que a consciência dos efeitos da obsolescência programada e o acompanhamento da penetração da IA no nosso dia-a-dia, podem ser poderosos catalisadores para lidar com esse contexto de mudança. Inovação, disrupção, resolução de problemas, criatividade, diferenciação, competências digitais e atitude de acomodação da mudança, serão cada vez competências mais críticas. Mas se pensarmos em como as agendas são pressionadas pelos resultados, onde tem, o gestor de pessoas, tempo e disponibilidade para preparar este futuro?