OE 2023. Especialistas identificaram os principais impactos das alterações fiscais nas empresas

O Iscte Executive Education promoveu, no passado dia 5 de Dezembro, um debate sobre as principais “Alterações fiscais no Orçamento do Estado e o impacto na vida dos portugueses». Os três oradores especialistas em Finanças, Paulo Dias (coordenador da Pós-Graduação em Gestão Fiscal, Iscte Executive Education), Margarida Pereira (partner na Deloitte) e Catarina Ferra Gomes (Senior manager – Global Employer Services, Deloitte), apresentam os resultados do impacto quase imediato na vida económica das famílias, das empresas e do país.

 

Numa análise rápida e sem grande profundidade, o OE para 2023, em matéria fiscal, segue a tendência dos últimos anos, ou seja, não consagra grandes reformas. Nessa medida não é inovador, se bem que apresenta algumas novidades em matéria tributária, nomeadamente a criação de incentivos a aumentos salariais e a tributação de criptoativos. Cabe referir que esta análise tem em consideração a informação conhecida à data, sendo necessário aguardar pelo texto final a publicar em Diário da República.

Em termos genéricos, se bem que sejam apresentadas medidas que têm uma tendência de favorecer, ou dito de outra forma, a desonerar fiscalmente as micro, pequenas e médias empresas ou famílias de baixos rendimentos anuais, é parco em medidas de apoio efectivo ou que visem o reforço da competitividade fiscal e melhoria de condições, nomeadamente financeiras, das empresas. Tome-se a título de exemplo a introdução dos regimes extraordinários de apoio a encargos suportados com electricidade e gás ou de apoio a encargos suportados na produção agrícola, os quais permitem a possibilidade de majoração em 20% dos determinados gastos e perdas. Contudo, para que este apoio seja efectivo, será necessário que a empresa apure lucro tributável no ano. Caso contrário, representará apenas um aumento do prejuízo fiscal. E, por outro, o impacto efectivo desta medida, aplicando a taxa de IRC mais elevada e a Derrama Municipal, é equivalente a apenas 4,5% do valor suportado com tais encargos.

Também continua a não ser visível um esforço de simplificação das obrigações fiscais (com algumas excepções) que recaem sobre as empresas e, em especial, sobre as micro, pequenas e médias empresas, as quais representam cerca de 95% do tecido empresarial português. Por outro lado, em particular em sede da tributação dos rendimentos das pessoas colectivas, prevêem-se várias medidas aparentemente positivas, mas de aplicação complexa e de alcance ainda não claros e/ou quantificados.

Genericamente, em sede de IRC, não se assiste à aprovação de medidas fiscais distintas em função de o sujeito passivo qualificar como grande empresa ou como pequena ou média empresa. Como primeira excepção temos o aumento do limite da matéria colectável até ao qual se aplica a taxa reduzida de IRC de 17% para as pequenas e médias empresas ou empresas de pequena-média capitalização, que passa de €25.000 para €50.000.

Outro aspceto relevante é a possibilidade de aplicação deste regime nos dois exercícios posteriores a operações de fusões, cisões, entrada de activos e permutas de partes sociais, realizadas entre 1 de Janeiro de 2023 e 31 de Dezembro de 2026, em que a totalidade dos sujeitos passivos seja qualificada como tal. Outra excepção passa pelo alargamento da taxa reduzida de 12,5% aplicável a micro, pequenas e médias empresas a empresas de pequena-média capitalização que exerçam também actividade nos territórios do interior, passando a referida taxa a ser aplicável nos primeiros €50.000 de matéria colectável.

Como medidas fiscais transversais, ou seja, de aplicação a todas as empresas, a destacar a eliminação do limite de reporte de dedução dos prejuízos fiscais – deixa de existir a diferença criada em 2017 entre as grandes e as pequenas/médias empresas e temporal de 5 e 12 anos, respectivamente. Contudo, é reduzido o limite anual de utilização dos mesmos – que passa de 70% para 65% do lucro tributável apurado no ano.

Uma segunda medida a assinalar passa pela fusão de dois regimes fiscais de incentivo à capitalização das empresas, nomeadamente o DLRR e a Remuneração Convencional do Capital Social (RCCS). Estes regimes permitem uma dedução à colecta ou ao lucro tributável, respectivamente, em função das aplicações relevantes actualmente em vigor. Contudo, este novo regime revela-se, aparentemente, de aplicação mais complexa, de aferição anual e de aplicação temporal mais extensa. De realçar que passam a ser relevantes os aumentos líquidos dos capitais próprios (e não a aquisição de activos não correntes – DLRR – ou aumentos do capital social – RCCS), a aferir por comparação à média dos últimos 9 exercícios, sendo relevante para este cálculo (pela negativa e em particular) distribuições de dividendos aos sócios.

Como regime inovador destaque-se a criação do Incentivo Fiscal à Valorização Salarial, que permite a majoração em 50% dos aumentos salariais de trabalhadores. Mas de aplicação limitada, na medida em que tais aumentos têm de estar relacionados com contratos de trabalho por tempo indeterminado e estabelecidos por instrumento de regulamentação colectiva dinâmica. Em matéria de incentivo ao emprego de assinalar também a (re)introdução de um regime de incentivo à criação líquida de postos de trabalho, mas apenas em territórios do interior.  Assim, passam a ser majorados em 120% os encargos suportados com contratações de residentes em territórios do interior, a título de remuneração fixa e contribuições para a Segurança Social.

Outras medidas positivas, a analisar caso a caso e tendo em consideração as condições a prever na lei, há a assinalar:

  • A introdução de um regime extraordinário de apoio a encargos suportados com electricidade e gás – possibilidade de majoração em 20% dos gastos e perdas incorridos ou suportados referentes a consumos de electricidade e gás natural na parte que exceda os do período anterior de tributação, deduzido de eventuais apoios recebidos (com algumas excepções).
  • A introdução de um regime extraordinário de apoio a encargos suportados na produção agrícola, que passa pela majoração em 20% dos gastos e perdas incorridos ou suportados na aquisição de determinados bens, quando utilizados no âmbito de actividades de produção agrícola.
  • O alargamento da possibilidade de grupos de empresas residentes (todas) nas regiões autónomas poderem passar a optar pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, sem ter de renunciar à taxa de IRC aplicável em tais regiões.
  • O aumento da majoração de gastos com passes sociais suportados pelas empresas a favor dos seus trabalhadores – que passa de 40% para 50%.
  • A eliminação da necessidade de apresentação de requerimento à manutenção de reporte de prejuízos fiscais ou de folgas associadas ao regime de Gastos de Financiamento Líquidos em caso de alteração da titularidade de mais de 50% do capital social das empresas ou quando esteja em causa a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de empresas, mantendo-se os demais requisitos, sempre que aplicável.

Como medidas menos positivas, também a analisar caso a caso e tendo em consideração as condições a prever na lei, assiste-se:

  • Ao alargamento das tributações autónomas aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros movidas exclusivamente a energia eléctrica quando o seu custo de aquisição seja superior a €62.500 (à taxa de 10%). Contudo, reduzem-se as taxas de tributação autónoma sobre os encargos incorridos com viaturas híbridas plug-in e viaturas de passageiros movidas a GNV.
  • À manutenção das (excepcionais e temporárias) contribuições extraordinárias sectoriais e a criação de duas novas – a Contribuição de Solidariedade Temporária sobre o sector da Distribuição Alimentar (teoricamente para fazer face ao fenómeno inflacionista) e a contribuição de solidariedade temporária sobre o sector da energia (teoricamente para fazer face aos elevados preços da energia).
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