Pedro Amorim, Experis: «Transparência e comunicação são peças-chave para as empresas cuidarem das suas pessoas»

A evolução do mundo do trabalho traz novas tendências. Se, até há uns anos, poucos tinham ouvido falar em burnout, desde então deparámo-nos com fenómenos como “great resignation” e “quiet quitting”. Hoje o “rust out” ganha predominância nas empresas. Conversámos com Pedro Amorim, Corporate Clients director do ManpowerGroup e Managing director da Experis, sobre o tema.

Por Tânia Reis

 

O rust out pode ser entendido como um estágio anterior ao burnout, e prende-se mais com a desmotivação e desinteresse do colaborador. Neste caso, ainda há a possibilidade de reagir e recuperar, defende Pedro Amorim. E isso passa, primeiro, por uma aposta das empresas na transparência e comunicação, para que todos possam exprimir o que estão a sentir e, claro, entregar aquilo que se promete.

Ultimamente tendências como a great resignation, quiet e loud quitting, têm merecido atenção. Mas algumas, como o burnout, sempre existiram. Por que somente agora ganharam mais destaque?

As tendências relacionadas com o bem-estar dos trabalhadores ou a sua motivação e ligação aos empregadores são temas para o qual, agora, olhamos de uma forma mais activa. Embora estes problemas sempre tenham existido, numa altura de escassez de talento as empresas começaram a perceber que este é cada vez mais valioso. O colaborador tem poder de decisão sobre onde e como quer trabalhar e, por isso, os líderes estão mais atentos às suas necessidades e dificuldades, nomeadamente no que diz respeito a questões de saúde mental e de bem-estar.

Estes são temas que têm vindo a ser mais partilhados e desmistificados e, por isso, falamos mais sobre eles. E as empresas que não mostrarem estas preocupações, não conseguirão reter os seus colaboradores ou atrair novos.

 

Uma das mais recentes chama-se Rust Out. Em que consiste?

O rust out acaba por estar muito ligado à great resignation, traduzindo um contexto no qual o colaborador procura desligar-se da empresa e de todas as situações que lhe provocam stress ou desconforto no âmbito profissional. Acaba por ser também semelhante ao quiet quitting, que se relaciona com os casos em que o colaborador está desmotivado, mas opta por permanecer na empresa.

Enquanto o burnout se traduz no esgotamento físico e emocional por um estado limite de stress, no qual o processo de recuperação é difícil, o rust out é um estágio anterior e prende-se mais com a desmotivação e desinteresse da pessoa, por forma a isolar esses elementos que lhe provocam stress. Neste caso, ainda há a possibilidade de reagir e recuperar. A pessoa vai-se desligando e começa a lidar com essas causas e a recuperar.

 

A seu ver, qual é mais preocupante – o burnout ou o rust out?

Em ambos os casos, o stress e a incapacidade de encontrar um equilíbrio entre trabalho e vida pessoal estão a afectar o bem-estar do trabalhador.  No entanto, o burnout é mais preocupante, uma vez que se traduz na incapacidade total do colaborador para gerir o stress, acabando por chegar ao seu limite. No caso do rust out, a pessoa está psicologicamente activa, ou seja, tem consciência dos motivos do seu desgaste; sabe que há stress e vai recusando ser sujeito a ele.

 

A que sinais de rust out devemos estar atentos?

Devemos estar atentos à desmotivação e à falta de foco na realização das tarefas, à diminuição do ritmo de actuação, ao atraso no cumprimento dos prazos, ao desinteresse por actividades organizadas pela empresa. No caso de vigorar um modelo de trabalho remoto, as organizações podem não se aperceber destes sinais de imediato e é algo a que devem estar atentas, incentivando os colaboradores a irem ao escritório e a envolverem-se nos projectos e com as pessoas. Deve igualmente haver uma preocupação por cuidar a qualidade das relações entre colaboradores, a comunicação e o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.

 

Que consequências traz para a vida profissional do colaborador?

A principal consequência é o esforço a que a pessoa se vê sujeita. O colaborador está a realizar algo de que não gosta ou que se sente forçado a fazer e, consequentemente, fica infeliz e até revoltado com a organização. A nível físico, sente-se exausto, o que acaba por resultar num desgaste psicológico também. A nível profissional, irá apresentar uma menor produtividade e também uma menor satisfação com o trabalho realizado.

 

E para a sua vida pessoal e familiar?

Estabelecer uma conexão saudável entre a vertente pessoal e a vertente profissional é muito importante. Esta é uma relação inevitável, uma vez que acabamos por transferir para a nossa vida pessoal aquilo que retiramos do nosso ‘eu’ profissional. São dois canais comunicantes que precisam de estar limpos e a funcionar eficazmente, em harmonia, para que se estabeleça um fluxo saudável.

Neste sentido, se um colaborador estiver insatisfeito ou infeliz no seu local de trabalho, inevitavelmente irá transportar essas emoções para a sua vida pessoal. Tornar-se-á mais sensível e instável, desencadeando reacções mais impulsivas e nervosas, algo que pode despertar maiores perturbações a nível familiar. As pessoas tendem a reagir em tensão como um reflexo da sua infelicidade, muitas vezes devido ao trabalho, e isso pode ter reflexos muito negativos a nível pessoal e familiar. É, por isso, essencial garantir que ambas as vertentes – profissional e pessoal – se encontram em harmonia e não comprometem o bem-estar dos profissionais, tanto em casa como no local de trabalho.

 

E do lado das empresas, como afecta o local de trabalho, a produtividade e o negócio?

A infelicidade e o mal-estar geral dos colaboradores afecta, naturalmente, a produtividade e os próprios negócios. Qualquer empresa, independentemente do sector de actividade, acaba por ser menos produtiva se os seus trabalhadores estiverem desmotivados e incapazes de realizar as suas funções com a energia necessária.

Por outro lado, as empresas devem estar atentas a estas situações sob pena de sofrerem, não só uma redução na sua produtividade, mas também níveis de rotação de trabalhadores elevados e incapacidade de atrair novo talento. Porque os trabalhadores já não ficam nas empresas onde não se sentem a prosperar e vão procurar organizações que oferecem maiores possibilidade de realização e de equilíbrio.

 

Idealmente, se um profissional não se sente feliz e realizado no seu local de trabalho, a solução lógica é procurar outro emprego. Mas esse, nem sempre, é o caminho mais fácil. Como pode o profissional “sair” de uma situação de rust out?

No mercado de trabalho, os colaboradores devem desempenhar as suas funções em empresas onde se sentem verdadeiramente bem e quando começam a sentir desconforto e desmotivação, procurarem antecipadamente novos desafios noutros locais. Contudo, muitos acabam por adiar esta deslocação, permanecendo nas mesmas funções durante mais tempo.

Independentemente da escolha de cada profissional, há algo de muito importante que deve ser implementado pelas organizações: a transparência. Para que as empresas consigam ser bem-sucedidas têm de ser abertas e transparentes com as suas equipas. A comunicação é, hoje, um dos activos mais importantes, a todos os níveis, sendo essencial criar um ecossistema no qual os colaboradores tenham a abertura de comunicar qualquer falta de motivação que estejam a sentir. Se os profissionais se sentirem confortáveis para abordar a empresa para os ajudar a encontrar outro caminho, que lhes dê mais motivação, o risco de infelicidade no trabalho será muito menor. Assim, a solução passa sempre por estabelecer canais de comunicação abertos, para que todos possam exprimir o que estão a sentir.

 

E do lado das empresas, o que podem fazer?

Como referi anteriormente, a transparência e a comunicação são, sem dúvida, as palavras-chave para que as empresas consigam promover o bem-estar dos seus colaboradores no trabalho. Ao abrir e facilitar o fluxo de comunicação, as empresas poderão estar mais atentas aos seus colaboradores, para que estes se sintam à vontade para comunicar qualquer questão relacionada com o seu desempenho e bem-estar.

Mais do que comunicar intenções, é preciso assegurar a coerência na actuação da empresa – devem questionar-se: “o que estou a comunicar para fora é o que eu aplico internamente?”.

É importante comunicar com claridade e transparência, abrir canais, estabelecendo um clima de confiança que permita aos trabalhadores revelar situações de mal-estar e desgaste psicológico, e investir no apoio psicológico dos colaboradores – através de especialistas que possam dar o suporte necessário às equipas. Incentivar o diálogo e ajudar os profissionais a priorizar a sua saúde mental é absolutamente fundamental para um bom desempenho profissional.

 

Estratégias de employee engagement e uma boa Employer Value Proposition (EVP) são suficientes?

Ainda que as empresas tenham uma excelente EVP, com propostas bem construídas na teoria, aquilo que é absolutamente fundamental é passá-las à prática e concretizar as propostas para que os colaboradores se sintam verdadeiramente apoiados e integrados.

Num mercado tão mutável como o actual, é essencial que, além das grandes buzzwords, as organizações consigam criar as suas propostas e executá-las com coerência, investindo e protegendo o seu activo mais valioso: as pessoas.

 

Num momento em que tanto se fala em saúde e bem-estar, as empresas estão realmente empenhadas no cuidar das suas pessoas?

Neste momento, a preocupação das empresas para com as suas equipas está a melhorar, uma vez que o talento é hoje o seu activo mais raro e valioso. Se há uns anos poderíamos pensar que a prioridade se centrava no capital ou nas matérias-primas, hoje o factor diferenciador são, sem dúvida, as pessoas. Ao mesmo tempo, tem-se perdido o estigma no que toca às questões da saúde mental e há uma maior abertura para abordar os assuntos quando algo corre menos bem.

Porque estão a perceber que têm de cuidar das suas pessoas, algumas organizações têm vindo a implementar programas e estratégias de retenção de talento que priorizam o seu bem-estar. Exemplos disto incluem a possibilidade de trabalho híbrido, uma maior flexibilidade de horários, o acesso a programas de saúde mental, nutricional e a ginásios, mas também iniciativas como a criação de espaços de trabalho mais colaborativos e acolhedores, onde os profissionais possam sentir um maior conforto.

 

É possível/necessário ir mais longe? Quais as soluções?

Não é preciso ir longe, basta entregar aquilo que se promete. Os colaboradores têm de se sentir bem e conseguir equilibrar a vida profissional com a pessoal, enquanto desenvolvem percursos profissionais gratificantes assentes em planos de carreira e salariais motivadores. As empresas devem criar as condições para que exista uma comunicação fluida e transparente e um clima de confiança que permita aos trabalhadores manifestarem os seus problemas e sentimentos. O investimento em acções de promoção da saúde mental é também uma parte importante da solução, tal como pode ser, por exemplo, o acesso a um psicólogo na empresa.

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