Pensar e trabalhar fora da caixa

Por Luís Silva, presidente da Porto Tech Hub

Nunca é demais falar sobre saúde mental. Devemos falar, devemos aceitar, devemos compreender porque só assim poderemos ser capazes de apoiar quem precisa, e são cada vez mais pessoas. Aliás, a saúde mental é um direito humano fundamental, embora tão pouco se fale sobre ela. Em Portugal, o cenário é desanimador e um sinal claro de que há ainda tanto por fazer, e não só ao nível da saúde pública. Isto porque cerca de 80% dos profissionais em Portugal apresentam, pelo menos, um sintoma de burnout e metade já têm cumulativamente três sintomas: exaustão, tristeza e irritabilidade.

Estes são números que devem preocupar-nos, especialmente porque retratam um cenário que revela a existência de ambientes de trabalho com uma carga negativa, com elevados níveis de stress, de exigência e de instabilidade, que se reflectem, inevitavelmente, na saúde e bem-estar das pessoas. Este contexto deve fazer-nos reflectir relativamente a nós próprios e ao nosso local de trabalho.

É certo que a saúde mental pode ser afectada em vários contextos, mas se não podemos alterar a vida dos que se cruzam connosco ao nível pessoal, então cabe às empresas criar ambientes de trabalho saudáveis que promovam o bem-estar dos seus colaboradores, o que, a longo prazo, beneficia tanto os indivíduos quanto a organização. O bem-estar e a saúde devem ser preocupações intrínsecas das empresas, desde logo porque um mau ambiente de trabalho torna as pessoas menos produtivas, acabando por ter impacto na dinâmica da empresa, das equipas e, claro, na qualidade de resultados.

A transparência é fundamental para que os colaboradores sintam que podem discutir os seus desafios de saúde mental sem receio de estigmas. Num paralelo do tratamento da saúde física, em que a pessoa não hesita em focar-se na sua recuperação, da mesma forma quem enfrenta os desafios de uma doença mental deve poder fazê-lo sem se sentir envergonhado. A comunicação entre colaboradores, líderes e equipas é essencial para a normalização dessas questões, sem prejudicar a produtividade.

Além disso, esta abertura poderá dar proporcionar diagnósticos diferentes e atempados de pessoas que têm sintomas erradamente categorizados com ansiedade ou depressão e, com o correcto diagnóstico acabam por descobrir que afinal são apenas neurodiversas e que poderão estar no espectro do autismo ou então ter apenas Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PDAH).

O recomendado é que os Recursos Humanos nas empresas funcionem como pedra angular da saúde mental. O seu papel, entre muitos outros, deve sempre ser o de cuidar e garantir o conforto dos colaboradores. Há, também, um caminho que as empresas podem adoptar em articulação com os RH, como os programas de apoio psicológico. Um excelente exemplo é o programa da Natixis, que oferece suporte e incentiva a transparência dentro das empresas, ou o programa de neurodiversidade da Critical Software, que promove a inclusão de indivíduos no espectro do autismo. São iniciativas como estas que elevam a fasquia e, a meu ver, encontram o poder e a mais-valia onde muitos só conseguem ver a dificuldade.

A este ponto, devem estar a perguntar-se o que tenho eu a ver com este tema. A verdade é que também eu fui diagnosticado – tardiamente – com PDAH, uma condição neurodesenvolvimental que afecta a atenção, o controlo dos impulsos e a hiperactividade e que, ao longo do meu caminho profissional, me provocou ansiedade e sensação de frustração por não entender de onde vinham esses desafios. Com base na minha experiência, tenho a certeza que compreender e apoiar os colaboradores é crucial para estimular e potenciar as suas capacidades criativas e espírito inovador, que não só lhes dá espaço para crescer como se torna uma mais-valia nos negócios. Se olharmos para o sector da tecnologia, não há nada que faça mais sentido – não deveria quem está na linha da frente da inovação apostar na diversidade cognitiva?

O mundo tem muitos filtros e se estivermos dispostos a vê-los e a reconhecê-los conseguimos, sem dúvida, contribuir para um ambiente de trabalho mais positivo com um impacto imensurável na vida de quem nos rodeia. Somos movidos pela criatividade, pelo pensamento não convencional e por abordagens inovadoras. Para maximizar este potencial, do ponto de vista organizacional, a solução passa pela flexibilidade, evitando estruturas demasiado rígidas e permitindo explorar novas ideias livremente, a colaboração em projectos criativos e atmosferas onde as ideias possam ser regadas e florescer.

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