Quanto vão receber (e quem paga) os trabalhadores mandados para casa com febre?

 

O Governo alterou a lei para permitir às empresas medir a temperatura corporal aos trabalhadores, mas deixou por esclarecer quem paga aos colaboradores, durante a ausência e quanto, avança o Expresso.

 

 

A lei prevê várias possibilidades e os advogados divergem na interpretação. Estão em sintonia num aspecto, o Governo, ao introduzir a medição de temperatura como um mecanismo de prevenção, tem de legislar em concreto as consequências da sua utilização para trabalhadores e empresas.

Com a entrada em vigor do Decreto-Lei 20/2020, as empresas passam a poder a medir a temperatura corporal dos seus colaboradores – apenas  «por motivos de protecção da saúde do próprio (trabalhador) e de terceiros» – e podem também impedir o seu acesso ao local de trabalho, caso seja detectada febre.

Pedro da Quitéria Faria, sócio da Antas da Cunha ECIJA, antecipa que os problemas relacionados com a monitorização de temperatura dos trabalhadores por parte das empresas “não tardarão a surgir”.

«O Governo, ao legislar esta possibilidade, não indicou desde logo o que é que se entende por temperatura normal do corpo e a partir de que valor o trabalhador pode ser impedido de entrar na empresa. E esse é logo o primeiro problema. Depois, há outro maior, quem lhe vai pagar e quanto, se a sua função não for compatível com teletrabalho», explica.

Um trabalhador que tenha 38 º de temperatura corporal não está tecnicamente doente, sobretudo se não registar outros sintomas. Não será, por isso, e à partida, abrangido pela típica incapacidade temporária para o trabalho por motivo de doença (baixa). Mesmo que o fosse, não lhe seriam pagos os três primeiros dias e sofreria redução de salário. Não tem também um diagnóstico formal de contágio por COVID-19. Apresenta um entre vários sintomas e é opção da empresa, por prevenção, impedir o seu acesso ao local de trabalho. Um impedimento que poderá prolongar-se por vários dias, consoante o protocolo da empresa seja realizar de imediato o teste de diagnóstico para a COVID-19 ou manter o trabalhador em casa, num regime de isolamento profiláctico para despistar um eventual contágio.

Nuno Ferreira Morgado, especialista em Direito Laboral da sociedade PLMJ, considera que o facto de ser uma “opção da empresa” manter o trabalhador afastado por precaução, então esta tem o dever e a responsabilidade de «assegurar a sua retribuição por inteiro, mesmo que não possa exercer funções em teletrabalho», durante o tempo que o protocolo de prevenção da empresa determine, e acrescenta «no fundo o que acontecia no início da pandemia, sempre que se verificava uma suspeita de contágio». Porém para Pedro da Quitéria Faria, «esta é apenas uma entre muitas possibilidades».

Na prática, tal como refere Nuno Ferreira Morgado, o trabalhador pode receber ordens para ficar em casa, desde que, o empregador assegure a sua retribuição e justifique as suas faltas. Mas há outros cenários. Segundo o advogado, a empresa tem também a possibilidade de reencaminhar o trabalhador para a linha SNS24 para rastreio da COVID-19 e, «se for referenciado como de risco e com necessidade isolamento profiláctico, clinicamente certificado, receber a sua remuneração a 100% durante 14 dias ou até que seja realizado o teste». Ou tem, ainda, a possibilidade de pagar a realização do teste ao trabalhador.

 

Dúvidas com impacto na retribuição
Sabe-se que um trabalhador que teste positivo para COVID-19 tem direito ao regime normal de baixa por incapacidade temporária para o trabalho em vigor e que prevê o pagamento da remuneração a 55%, para baixas inferiores a 30 dias, pagos a partir do terceiro dia. Mas, na opinião de Nuno Ferreira Morgado, o Executivo deixou desprotegidos os casos suspeitos. «O Governo legislou de forma genérica, ampla e vaga, abrindo caminho a um conjunto vasto de questões, não só jurídicas como constitucionais, com consequências para os trabalhadores», explica o advogado.

E adianta, ainda: «Não é dito de que forma é certificada esta impossibilidade de permanência na empresa, a partir de que temperatura, durante quanto tempo nem qual o protocolo para o regresso destes profissionais às empresas. Ficam também dúvidas sobre se o legislador pretende equiparar esta ausência do trabalhador ao isolamento profiláctico pago a 100% e quais os passos que a empresa deve dar quando identificar um trabalhador com temperatura corporal acima do normal».

Tanto Pedro da Quitéria Faria, como Nuno Ferreira Morgado defendem que o Governo terá de legislar nesta matéria e que deve fazê-lo quanto antes, já que o regresso presencial dos trabalhadores às empresas deverá arrancar em Junho, de acordo com o calendário aprovado pelo Governo. Sem um enquadramento jurídico específico, os advogados prevêem muitos problemas para os trabalhadores.

 

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