Que prioridades para a Lei Laboral? Gonçalo Delicado e Catarina de Almeida Gonçalves (Abreu Advogados) respondem

Gonçalo Delicado, sócio contratado, e Catarina de Almeida Gonçalves, advogada estagiária da Abreu Advogados identificaram quais deviam ser as prioridades do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) e que medidas deveriam ser prioridade em termos de trabalho.

 

«As mudanças de Governo proporcionam, para quem governa, uma oportunidade de implementar medidas legislativas que respondam à sua visão para o País e para o crescimento económico. Implicando essa mudança alterações no ciclo político, não raras vezes existe uma tendência dos novos Governos em reverter medidas anteriormente implementadas.

Como primeira nota, uma das prioridades do Governo deverá ser assegurar a estabilidade da legislação laboral, permitindo que as empresas mantenham as suas políticas de contratação e de gestão de Recursos Humanos, sem uma preocupação permanente de ajuste a novas medidas, de novos executivos, com o inerente prejuízo em termos de expectativas e gestão.

Não obstante, isto não significa que, em termos de legislação laboral, tudo deve ficar na mesma! Pelo contrário, existem medidas implementadas no âmbito da Agenda de Trabalho Digno que entendemos que devem ser revogadas, regressando ao anterior regime, com especial enfoque na remissão abdicativa e na proibição do recurso à terceirização de serviços em caso de despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho.

O facto de se passar a prever que os créditos dos trabalhadores só se extinguem se a remissão for efectuada através de transacção judicial é um desincentivo às cessações de contrato de trabalho negociadas as quais, por regra, tendem a beneficiar os trabalhadores em termos de cálculo do valor da compensação, permitindo aos mesmos receber valores superiores àqueles previstos na lei para outras formas de cessação. Vedar a possibilidade de os trabalhadores perdoarem eventuais créditos por acordo celebrado com os empregadores após a cessação do contrato de trabalho implica uma incerteza quanto a reclamações futuras e um retraimento por parte das empresas na celebração desses acordos de cessação.

Quanto à segunda medida, entendemos ser inconstitucional a proibição do recurso à terceirização de serviços em caso de despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, por vedar ao empregador durante 12 meses a possibilidade de adequar a sua gestão empresarial se esta coincidir com a externalização de serviços. Esta opção legislativa contraria possíveis fundamentos da cessação dos contratos, comportando uma ingerência na gestão das empresas.

Por outro lado, estabilidade legislativa não significa apatia governativa. Um dos pontos que consta do programa de Governo, e que deve merecer especial atenção, é o tema da promoção da igualdade de género. Portugal ainda tem um substancial desnível salarial entre homens e mulheres, sobretudo nas funções mais qualificadas, contribuindo a partilha desigual de responsabilidades familiares para este desequilíbrio.

A Agenda do Trabalho Digno procurou atenuar esta desigualdade, mas os dias de licença continuam a ser diferentes entre o pai e a mãe e, em caso de inexistência de partilha da licença, o seu gozo cabe à mãe. Pequenos ajustes legislativos podem levar à mudança de mentalidades (de empregadores e trabalhadores), como aconteceu com a implementação da licença partilhada.

Ainda, a inteligência artificial é uma realidade com necessário impacto nas relações laborais. A legislação laboral ainda se baseia fortemente em modelos tradicionais, o que pode dificultar a adaptação a desafios que surjam por decorrência da crescente digitalização. Assim, sugerimos a criação de um grupo de trabalho dedicado à análise do tema, em coordenação com outras áreas do governo, antecipando problemas futuros ao invés de legislar para remediar situações passadas.»

 

Este artigo foi publicado na edição de Junho (nº. 162) da Human Resources, nas bancas.

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