Que prioridades para a Lei Laboral? Vera Rodrigues, (MC Sonae) responde

Vera Rodrigues, head of People da MC Sonae, identificou quais deviam ser as prioridades do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) e que medidas deveriam ser prioridade em termos de trabalho.

«Um dos grandes desafios que temos no nosso país passa pela total ausência de estabilidade legislativa. Note-se que, ao longo dos últimos 15 anos, só o Código do Trabalho foi objecto de 24 modificações. Neste caso, não é exagero dizer que estas sucessivas alterações nos colocam, pelo menos, cinco grandes problemas em Portugal: insegurança jurídica, falta de previsibilidade, falta de confiança no mercado de trabalho, aumento de conflitualidade e, consequentemente, menor competitividade no panorama internacional, no que à atracção de investimento diz respeito.

Um contexto de maior estabilidade poderia e deveria, do meu ponto de vista, transformar-se numa das armas de combate às tão apregoadas questões de necessidade de fixação de talento, de crescimento da nossa população e de desenvolvimento económico mais robusto e sustentável a médio e longo prazo. Um ambiente regulatório estável e previsível permite aumentar a competitividade de um país no cenário internacional, beneficiando empregadores, população activa, bem como cidadãos em geral.

Apesar desta reflexão inicial, tal não quererá dizer, naturalmente, que não tenhamos de nos adaptar a novos contextos ou novas dinâmicas que a sociedade nos coloca, e que não seja necessário antecipar e desenhar alterações legislativas que se imponham no sentido de calibrar erros do passado, ou de corrigir soluções que não produziram os efeitos desejados aquando da sua implementação. Sobretudo quando possa estar em causa, por exemplo, a tal competitividade face aos países com os quais disputamos investimento estrangeiro ou talento.

Neste âmbito, é por demais evidente que temos um desafio no que respeita, por exemplo, à fiscalidade sobre o trabalho. Esta é, na minha perspectiva, uma dimensão onde perdemos muitíssimo: temos em Portugal uma carga fiscal e contributiva demasiado elevada sobre trabalhadores e empresas. Os dados recentes publicados pela OCDE demostram de forma clara esta realidade, pelo que deveríamos focar-nos em fazer uma inversão desta tendência. Actualmente, o esforço das empresas para aumentar salários é consumido em impostos sobre o trabalho. Cada novo posto de trabalho a ser criado tem uma carga elevadíssima, levando porventura, demasiadas vezes, as nossas PME à decisão de não contratar ou não investir, levando, em outras tantas situações, à decisão de despedir ou mesmo encerrar actividade, por não conseguirem suster os seus negócios com cargas tão pesadas.

Já para não falar nos salários líquidos dos colaboradores que, quando comparados a título de mero exemplo com o país vizinho, são para o mesmo valor bruto, mais baixos em termos líquidos. Para o mesmo salário bruto, um espanhol leva para casa mais dinheiro ao final do mês. É só fazer as contas. E obviamente que a nossa arena competitiva está muito para além da fronteira vizinha.

Mas quando falamos de necessidade de nos adaptarmos aos novos desafios que a sociedade nos coloca, não podemos deixar de reflectir, por exemplo, sobre promoção da flexibilidade no local de trabalho. É importante que se reflicta sobre este tipo de medidas. Todavia, também sabemos que a legislação actual é já bastante complexa e aplicada de forma rigorosa por parte dos nossos tribunais. Uma das peças centrais desta flexibilidade é o regime de horários flexíveis, que, nos termos aplicados judicialmente, já permite esta conciliação de forma quase absoluta.

Por este motivo, é importante garantir uma discriminação positiva dos trabalhadores com responsabilidade parentais, mas com a determinação de um equilíbrio que não poderá, pura e simplesmente, desproteger os trabalhadores que não têm, não podem ou não querem ter filhos. Caso contrário, podemos ficar com um conjunto de pessoas destinadas a ficarem com os piores horários disponíveis de forma indefinida, nos sectores em que esta realidade se aplique. Este equilíbrio apenas é possível através de uma análise entre a protecção da parentalidade e a sua efectiva necessidade, que evolui ao longo do tempo. Ninguém pode ou deve ser deixado para trás na conciliação entre a vida profissional e vida pessoal ou familiar.

Na verdade, na busca da tal competitividade que acima referia e na vontade clara de termos um país com uma legislação laboral que não seja complexa, mas sim virada para as necessidades de uma economia moderna e de futuro, devemos almejar ter um mercado de trabalho onde os contratos de trabalho permitam maleabilidade para diferentes estilos de vida, conciliação de trabalho e lazer, e contínuo desenvolvimento pessoal e profissional. A concretização de intenções desta natureza – já manifestadas da parte dos actuais protagonistas políticos – é crítica para a atracção e fidelização de talento em Portugal, bem como para a necessidade de atrairmos novos e mais fortes investimentos, que sejam capazes de alavancar a nossa dinâmica económica. Porque, sem dúvida alguma, competitividade, precisa-se!»

 

Este artigo foi publicado na edição de Junho (nº. 162) da Human Resources, nas bancas.

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