Randstad: Um sector à beira da mudança?

A área dos Recursos Humanos atravessa profundas alterações tecnológicas e Gonçalo Vilhena, CIO da Randstad, aponta-as ao Tech & Touch.

A pandemia da COVID-19 acelerou a transformação digital nas empresas. Criaram-se novas formas de trabalho e novos canais digitais, com o intuito de dar resposta às necessidades imediatas das organizações. Segundo Gonçalo Vilhena, Chief Information Officer (CIO) da Randstad, essa transformação não se restringiu só ao aspecto técnico, dado que também teve «implicações na força de trabalho e na gestão de recursos humanos».
O novo coronavírus foi o «impulso necessário» para a adopção de tecnologias digitais e o início de uma «transformação mais profunda». Uma mudança que, na perspectiva de Gonçalo Vilhena, tem o foco «na experiência e na eficácia das operações». Além disso, o responsável destaca o papel das áreas das Tecnologias da Informação para «criar uma base tecnológica sólida, que consiga sustentar as operações digitais a longo prazo». É, neste sentido, que o responsável aborda a necessidade de recorrer, cada vez mais, ao reskilling e upskilling para o desenvolvimento digital.
À medida que as empresas se adaptam às plataformas digitais, é ainda mais importante «oferecer uma experiência excepcional aos clientes», refere o CIO da Randstad. Para Gonçalo Vilhena, a inclusão de chatbots, a abordagem omnichannel e a automação de processos são fundamentais para uma experiência personalizada. O objectivo das empresas passa por criar «interacções mais relevantes» e «fortalecer a conexão com os clientes», realça.

UMA ÁREA TRADICIONALMENTE POUCO TECNOLÓGICA?
A pandemia da COVID-19 provocou alterações em quase todos os departamentos das empresas, mas há quem defenda que os Recursos Humanos atravessam uma transformação digital mais lenta. É o caso de Gonçalo Vilhena, que admite tratar-se de um «sector tradicionalmente pouco tecnológico». Não obstante, o CIO da Randstad vê este dado como uma oportunidade para acelerar a transformação digital.
O responsável de TI defende uma «maior proximidade» das empresas, sob pena de não conseguirem alcançar um maior número de pessoas. O trabalho remoto levou várias organizações a «repensarem os modelos de trabalho». Na opinião de Gonçalo Vilhena, o departamento de Tecnologia de Informação tem um papel crucial ao fornecer «ferramentas e infra-estruturas» aos colaboradores, que permitam uma «transição suave e eficaz» para o meio digital. Nesse contexto, acrescenta, é igualmente fundamental investir na «formação dos colaboradores», de modo a que se consigam adaptar aos «desafios do mundo digital».
A formação dos profissionais permite às empresas «tirarem o melhor dos colaboradores» e, em simultâneo, «aumentarem a produtividade e inovação». Gonçalo Vilhena recorre a um estudo para afirmar que «48% dos profissionais possuem uma baixa qualificação» nas organizações. Uma percentagem que, segundo o próprio, está «três vezes acima da média europeia». Com base na mesma análise, o CIO da Randstad revela ainda que apenas «16% dos empregadores investem em programas de capacitação».
Face aos dados apresentados, Gonçalo Vilhena questiona-se sobre o «investimento que os gestores das grandes empresas devem fazer para melhorar as competências dos colaboradores». O responsável levanta a hipótese de «repensar a distribuição de recursos» e priorizar o «investimento em upskilling e reskilling» no sector. «Se investirmos na educação e formação dos talentos, estamos a investir no futuro das organizações», reforça.

O FIM DO MÉTODO CONVENCIONAL E A TRANSFORMAÇÃO DA INDÚSTRIA
As empresas tiveram de se adaptar à pandemia e criar soluções de videoconferência e outras ferramentas para os recrutamentos. «Esta transformação aumentou a eficiência dos processos e eliminou a necessidade de deslocações físicas», explica Gonçalo Vilhena. Esta nova forma de recrutamento permite às empresas alcançarem um leque de talento mais amplo e de diversas regiões. «Agora, é possível entrevistar candidatos de diferentes partes do mundo sem necessidade de deslocações», acrescenta.
Além disso, o CIO da Randstad refere que as «entrevistas digitais possibilitaram uma maior flexibilidade» tanto para os potenciais colaboradores, como para os recrutadores. Além da facilidade de horários, Gonçalo Vilhena realça que é possível fazer «alguma triagem» através das vídeochamadas. Ainda assim, a transformação digital não trouxe só benefícios e, na opinião do responsável, perdeu-se algum «toque humano no processo de recrutamento».
As entrevistas presenciais permitem não só «avaliar as competências técnicas dos candidatos», mas também «a linguagem corporal e a capacidade de relacionamento». Elementos que, na opinião de Gonçalo Vilhena, ajudam os recrutadores a tomar decisões sobre «a adequação cultural e a capacidade de adaptação» ao ambiente de trabalho. Além disso, o contacto pessoal cria um «ambiente mais empático», o que permite um «melhor entendimento das motivações e expectativas dos candidatos».
A transformação digital das empresas é, por esta altura, um processo irreversível. Levanta-se, por isso, a questão sobre se o avanço tecnológico pode implicar o fim do método convencional no sector. Gonçalo Vilhena responde afirmativamente e acrescenta que será «substituído pelo conceito de Tech & Touch». O CIO da Randstad reconhece a importância da «eliminação de tarefas manuais e repetitivas», que permite aos colaboradores se concentrarem em «actividades estratégicas e de maior valor agregado».
Com a adopção de soluções tecnológicas avançadas, Gonçalo Vilhena acredita que as empresas vão conseguir «simplificar processos, reduzir erros e melhorar a eficiência operacional». Além disso, acrescenta que vai permitir o «acesso a dados em tempo real» e uma «tomada de decisão mais informada». Em síntese, o investimento na automatização de processos é essencial para que as empresas possam ser relevantes e competitivas num mundo cada vez mais digital.
Sobre o tema do outsourcing, Gonçalo Vilhena defende que a transformação digital traz algumas vantagens. Em primeiro lugar, a «possibilidade de trabalhar remotamente», o que elimina a «necessidade de deslocações diárias e o stress do trânsito», começa por explicar. Depois, num segundo plano, acrescenta que o teletrabalho oferece «maior flexibilidade de horário», o que permite conciliar as tarefas laborais com outras responsabilidades pessoais.
Na opinião do responsável, os benefícios do teletrabalho estendem-se também às empresas, já que «podem aumentar o seu âmbito geográfico de recrutamento». Além disso, Gonçalo Vilhena aponta a redução de custos com infra-estruturas e equipamentos como uma vantagem financeira. «O teletrabalho pode aumentar a produtividade e a satisfação dos profissionais, resultando num melhor desempenho e retenção de talentos», sustenta. O CIO da Randstad destaca ainda o desenvolvimento da Mobility – uma ferramenta pioneira que permite «estabelecer metas, canais de suporte e de formação» para manter a produtividade dos colaboradores.

FORMAÇÃO DIGITAL DOS PROFISSIONAIS E RESISTÊNCIA À MUDANÇA
Segundo Gonçalo Vilhena, o principal desafio das organizações passa por dotar os «colaboradores de competências» para enfrentar o ambiente digital. O avanço tecnológico «requer a aquisição constante de novas competências», seja por intermédio de «novos colaboradores» ou pela «formação do talento já existente», acrescenta.
Outro desafio importante, na perspectiva de Gonçalo Vilhena, é a «gestão da mudança» e a garantia de que os «profissionais estão motivados durante a transformação». O responsável fala numa «resistência à mudança» e alerta as empresas para a «necessidade de criarem estratégias para ajudar os colaboradores a ultrapassarem barreiras».
A crescente digitalização das empresas também levanta questões éticas e de privacidade que devem ser alvos de análise. Para o director de TI, «as empresas devem garantir práticas que respeitem a privacidade dos talentos». A Randstad enfrentou um desafio idêntico quando tentou a implementação de um sistema de matching totalmente automático, revelou Gonçalo Vilhena. O objectivo era recorrer à inteligência artificial para realizar o recrutamento, mas, segundo o próprio, a iniciativa esbarrou em «questões éticas relacionadas com a transparência e imparcialidade». De acordo com o responsável, é essencial a «capacidade de entender e justificar as decisões tomadas pelos algoritmos de inteligência artificial».
Para Gonçalo Vilhena, é crucial existir uma comunicação clara e constante em qualquer mudança numa empresa. «Os diferentes stakeholders devem entender os motivos, objectivos e benefícios da transformação digital. É fundamental mostrar-lhes como a mudança contribuirá para a melhoria do seu trabalho, bem como para o sucesso da organização», explica.
Na óptica do responsável, a comunicação das empresas deve ser «transparente e capaz de responder às dúvidas e preocupações dos stakeholders». Outro aspecto fundamental é o «envolvimento activo dos colaboradores», refere. Ou seja, é essencial «oferecer aos colaboradores a oportunidade de participar na tomada de decisão», porque é através da «partilha de opiniões que se sentem valorizados».
Além disso, a liderança também desempenha um papel fundamental na mudança. De acordo com o CIO da Randstad, «os líderes devem demonstrar um forte compromisso e servir como modelos». Nesse sentido, a presença e a disposição para ouvir são elementos essenciais para inspirar e criar entusiasmo entre os colaboradores. Qualquer líder «tem de estar preparado para enfrentar resistência à mudança e ajudar a superar os desafios que vão surgir durante a transição», realça.
A Randstad conduz o estudo independente “Randstad Employer Branding” há mais de duas décadas, no qual identifica os principais factores que tornam as empresas atractivas, segundo a percepção dos profissionais. Essa investigação é realizada em 31 mercados e abrange mais de 70% da economia mundial.
Ao abordar o papel das tecnologias no suporte às Employer Value Proposition (EVP) deste ano, Gonçalo Vilhena detectou duas grandes tendências. A primeira envolve o «equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, bem como a criação de ambientes de trabalho mais inclusivos e diversos». A segunda grande tendência continua a ser o desenvolvimento de soluções para a optimização do recrutamento, que, na perspectiva do responsável, «continuará a ser um tema relevante nos próximos tempos». Em relação aos salários e benefícios, salienta que, embora seja um factor essencial, há outros aspectos que «podem ser explorados para diferenciar as empresas».
Para diferenciar-se na oferta de salários, Gonçalo Vilhena defende que é crucial a «oferta de um pacote de benefícios e regalias». Nessa dimensão, «há uma variedade de opções e tecnologias disponíveis que podem apoiar as empresas na criação de propostas de valor adicionais», adianta. Na Randstad, por exemplo, revela que a empresa aproveita «essas tecnologias em modelo de parceria para criar benefícios adicionais» para os colaboradores.

A ARMADILHA DA TECNOLOGIA E AS TENDÊNCIAS DO SECTOR
Apesar da crescente utilização das tecnologias, Gonçalo Vilhena alerta que a «adopção de ferramentas digitais não garante a produtividade e eficiência» dos profissionais. Segundo o responsável, é preciso «formar e capacitar as pessoas para utilizarem as tecnologias de forma adequada». A estratégia da Randstad, na opinião do CIO da empresa, passa por «trazer a tecnologia ao serviço das pessoas, automatizando o que é relevante e deixando todo o tempo disponível para satisfazer as relações humanas».
Dentro das organizações, é comum os profissionais «passarem uma quantidade significativa de tempo em actividades como e-mails e chats», refere o CIO da Randstad. É, nesse sentido, que Gonçalo Vilhena alerta as organizações para a «falsa sensação de produtividade». Para o responsável, é urgente «promover uma mudança cultural, que coloca a tecnologia como servente e não o inverso».
Os algoritmos de selecção automática são uma tendência para os próximos anos, mas Gonçalo Vilhena alerta para a existência de alguns problemas. O CIO da Randstad explica que não se deve parar a inovação, mas reforça a necessidade de as empresas «interpretarem cada indivíduo como único». O responsável de informação considera que a «tecnologia deve ser uma aliada e não uma substituta das interacções humanas».
É, neste contexto, que Gonçalo Vilhena encara a «regulação da Inteligência Artificial como uma prioridade», de forma a evitar riscos significativos para a humanidade. Considera mesmo que devem ser estabelecidas «directrizes e padrões que protejam os direitos humanos» e que, em simultâneo, «garantam a transparência e a explicação dos algoritmos».
Na opinião do CIO da Randstad, outra tendência em grande destaque é a Web 3.0. Com a crescente preocupação com a privacidade dos dados, Gonçalo Vilhena acredita que «é cada vez mais evidente a necessidade de uma internet mais descentralizada e transparente». O responsável de informação da Randstad considera que «é necessário um esforço conjunto de governos, empresas e sociedade » para que estas tendências se tornem uma realidade.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Transformação Digital” na edição de Julho (n.º 151) da Human Resources, nas bancas.

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