Reportagem: O “lado negro” do teletrabalho
Ao fim de um ano de pandemia de COVID-19, urge perguntar às organizações como é estar há 12 meses com os escritórios vazios e com as equipas sem se ver sem ser através de um ecrã. Muito de tem falado das vantagens do teletrabalho, mas também há desvantagens. Qual é este “lado negro” e como empresas e os colaboradores aprenderam a pintá-lo de outros tons? Foi o que fomos tentar saber junto de empresas de diferentes sectores: Microsoft, Neotalent (Grupo Novabase), MSC Cruzeiros, LLYC Portugal, everis e Axians.
Por Sandra M. Pinto
Março de 2020, o mês em que vida mudou, a das organizações e dos seus colaboradores. Nesse mês, surgiam em Portugal os primeiros casos de COVID-19, no seguimento dos quais foi decretado o primeiro Estado de Emergência. Com o confinamento que se seguiu, as empresas viram-se forçadas a colocar em teletrabalho obrigatório os seus colaboradores, ou grande parte deles.
Março de 2021, a vida não voltou, de todo, ao normal. Estando Portugal a enfrentar o décimo primeiro Estado de Emergência, decretado no seguimento do aumento exponencial do número de infectados e de mortos com COVID-19, vimo-nos de novo confinados.
Para as empresas pouca coisa mudou neste ano atípico e extremamente complicado. As dificuldades acentuam-se, assim como as incertezas relativamente ao futuro. Os colaboradores permanecem em casa, num modelo de teletrabalho a cada dia mais exigente. Com os escritórios vazios e com as equipas sem se verem sem ser através de um ecrã, será que empresas e colaboradores detectam neste, agora normal, modelo de trabalho um lado “negro”?
«Gosto sempre de ter uma visão positiva sobre os desafios, e este desafio que a pandemia nos coloca é enorme», afirma Tiago Vidal, sócio e director-geral da LLYC em Portugal, concretizando: «Enorme para cada um de nós a título pessoal, para as nossas empresas e para as nossas equipas. Costumo dizer que isto não é uma experiência de teletrabalho, mas sim uma experiência social, e para dar resposta ao mesmo, tornamo-nos mais flexíveis e ágeis, com maior capacidade de avaliar o que realmente tem impacto e focarmo-nos em atingir esse objectivo. A comunicação e os fluxos de trabalho tornaram-se mais fluidos. Em resumo, a produtividade de uma parte relevante das nossas tarefas aumentou – o que se revelou uma oportunidade na gestão do nosso trabalho e das nossas pessoas.»
No entanto, Tiago Vidal reconhece que não deixaram «de sentir um vazio pela falta do contacto humano entre as equipas e com os clientes, um vazio causado pela ausência daqueles “pequenos-grandes” momentos espontâneos de cocriação, de partilha, de colaboração e de celebração». E admite: «Queremos recuperar esses momentos assim que possível, pois como diz o provérbio “sozinhos vamos mais rápido mas juntos vamos mais longe”».
A Microsoft tem a totalidade dos seus colaboradores em Portugal, 1200, a trabalhar remotamente desde Março do ano passado e adaptados a este formato, garante
Clara Celestino, Human Resources lead da Microsoft Portugal. «A tecnologia permite que os nossos colaboradores tenham acesso às ferramentas tecnológicas de forma a garantir a comunicação entre as nossas equipas e que as reuniões aconteçam com a mesma frequência que tínhamos anteriormente. O Microsoft Teams é a ferramenta de colaboração utilizada por todos os nossos colaboradores, em conjunto com clientes e parceiros.»
Já Fernando Rodrigues, managing director na Axians Portugal, partilha que a organização tem cerca de 97% dos colaboradores a trabalhar em regime de trabalho remoto desde o dia 12 de Março de 2020, mantendo-se até à data, em linha com as orientações das autoridades de saúde. «A todos os colaboradores foram disponibilizadas comunicações móveis, com voz e dados, ferramentas de colaboração que permitem a fácil comunicação, ainda que digital, e também de materiais que possam tornar o “escritório em casa” mais adequado. Desde Março de 2020 que a empresa está a tentar descobrir novas formas de trabalhar e de nos relacionarmos no contexto laboral porque acreditamos que o contacto humano é essencial, pois é desse encontro que surgem ideias inovadoras, novas soluções, novos modelos de negócio.»
O responsável faz notar que «temos hoje a consciência que é possível ter maior equilíbrio entre a presença física e o trabalho remoto», dando como exemplo a realização «de sessões virtuais de equipas, com a duração de cerca de 10 minutos, apenas para sabermos como estamos e partilharmos ideias, enquanto bebemos o café, isto tudo para dinamizarmos mais a presença humana, ainda que actualmente seja digital».
«O modelo de trabalho híbrido é algo que defendemos, tanto que investimos na alteração das nossas instalações, para que logo em Maio de 2020, estivessem implementadas um conjunto de medidas para tornar os nossos escritório seguros (e certificados) em contexto de pandemia», refere fonte oficial da everis Portugal, revelando que «desde aí que, sempre que as circunstâncias o permitiam (o que não é o caso actualmente), que promovemos momentos ocasionais de trabalho no escritório, que, acima de tudo procuram promover momentos de maior convívio e colaboração».
A everis sabe a importância deste contacto pessoal em termos de cultura empresarial, desenvolvimento profissional e de construção de ideias e de inovação. «Acreditamos inclusivamente que os modelos de trabalho hibrido serão o futuro, na medida em que as pessoas e as organizações podem beneficiar do melhor dos dois mundos». Mas reconhece-se que o trabalho remoto impõe desafios do ponto de vista da conciliação da vida pessoal, familiar e profissional. Por isso, facilitam o trabalho assíncrono e incentivam os colaboradores «a partilharem com as equipas as suas dificuldades, de forma a se encontrarem soluções em grupo».
A somar a isso, têm «várias actividades de suporte disponíveis para os colaboradores, nomeadamente, treinos de grupo, sessões de meditação e serviços de apoio variado, extensíveis ao agregado familiar, para que desta forma possamos aliviar um pouco a pressão que o contexto impõe».
Na Neotalent, sempre lidaram com o trabalho remoto, realça Paulo Almeida, Senior Manager da empresa do grupo Novabase que se dedica ao recrutamento de talento em TI. «A maior parte dos nossos consultores trabalhavam nas instalações dos clientes, e as equipas de nearshore faziam-no do escritório para o mercado internacional. Um ano depois, os hábitos que todos tivemos que adquirir facilitaram a rotina do trabalho à distância, no entanto, e pelo feedback que recebemos da equipa, há vontade de regressar ao ambiente de escritório – mesmo que num regime híbrido, que combine trabalho presencial e teletrabalho. Afinal, há dimensões da comunicação que enriquecem a relação entre as pessoas e que não passam para o outro lado do ecrã».
Num sector bastante diferente, Eduardo Cabrita, director-geral da MSC Cruzeiros em Portugal, assegura: «A resiliência e a visão positiva que tivemos, mostrou que uma nova forma de trabalhar é possível, com a mesma produtividade e desempenho, e quem se adaptar terá um sucesso ainda maior quando tudo isto passar. Sinceramente, na MSC Cruzeiros, notámos uma grande capacidade de mobilização de todos em torno de causas e iniciativas internas positivas, o que mostra a força do nosso grupo de trabalho para enfrentar uma ameaça em comum. Obviamente que o mundo vai ser diferente, mesmo havendo uma adaptação em relação ao futuro das empresas para uma nova normalidade, agora que já existe uma luz ao fundo do túnel.»
A nova dimensão do estar próximo
Os ecrãs passaram a estar ainda mais presentes na vida diária de muitos profissionais, pois, além do trabalho, é através deles que mantêm contacto com os colegas em momentos que se pretendem de descontração. Pelo seu lado, as empresas têm feito de tudo para manter a motivação das equipas e o engagement dos colaboradores em torno do seu propósito. Se tem siso fácil? Todas concordam que não. Se tem sido uma aprendizagem? Todas afirmam que sim.
«Acredito que aprendemos muito neste contexto e que vamos ter a oportunidade de criar um novo modelo de trabalho onde a produtividade e a flexibilidade estará presente, mas onde, seguramente, a proximidade terá de fazer parte da equação», afirma o director-geral da LLYC em Portugal, para quem «essa proximidade emocional pode ser trabalhada na esfera digital, mas terá sempre de ter uma componente forte na esfera física». Numa empresa de comunicação, o desafio que têm «pela frente é, claramente, o de criar dinâmicas de trabalho e relacionamento verdadeiramente “phygitais”». Tiago Vidal sublinha que o ser humano é um ser social «e o nosso trabalho é um dos locais onde a socialização deve acontecer de uma forma dinâmica e positiva – e sabemos bem do impacto que isso tem na nossa performance, por isso acredito que o equilíbrio entre o trabalho através das ferramentas digitais e o trabalho no mesmo espaço físico irá permitir a todos nós retirar o melhor da experiência humana que é trabalhar em equipa para um objectivo comum.»
O responsável da Neotalent acredita que a «proximidade não tem de ser necessariamente física, ainda que a relação entre colegas beneficie do encontro presencial». A empresa tem promovido encontros virtuais mais informais, nas várias unidades do negócio, para manter a interação regular entre os diferentes elementos da equipa.
«Sendo a comunicação feita através de meios digitais, há uma dimensão de previsibilidade que substitui a casualidade das conversas, outrora fortuitas», diz Paulo Almeida. «Afinal, já não nos cruzamos no corredor do escritório, não nos encontramos na máquina do café, não almoçamos juntos na copa – perdeu-se uma certa naturalidade na interacção. Por outro lado, e muito graças ao confinamento, valorizamos mais as oportunidades de nos reunirmos – ainda que virtualmente –, e acabamos por estar mais disponíveis para conciliar agendas e também mais tolerantes para com o outro.»
Antes da pandemia obrigar ao trabalho remoto, na Microsoft já existia a política de trabalhar fora do escritório. «A tecnologia é um facilitador que nos permite chegar aos nossos colaboradores independentemente do sítio onde estão a trabalhar, assim como realizarmos iniciativas que envolvam as equipas internamente», conta Clara Celestino. «Acreditamos que o bem-estar pessoal é crítico para o futuro das empresas e que devemos investir na experiência dos colaboradores pode aumentar a sua felicidade no trabalho, impulsionar o volume de negócios e o sucesso global da empresa», defende a responsável. Além do lançamento do Microsoft Viva, nos últimos meses a organização tem vindo a promover junto dos seus colaboradores diversas iniciativas em temáticas como a saúde mental, combater o stress e equilibrar a produtividade. «A nível global dispomos de programas como o Microsoft Cares Employee Assistance e localmente proporcionámos o programa We Care Wellness no qual transmitimos, via Teams, dicas para tratar do corpo e da mente. Para mantermos a ligação entre as pessoas, temos organizados coffee breaks e sessões virtuais para debate e partilha de ideias, incluindo os “tea time’s” liderados pela nossa directora-geral.»
Também na everis, a proximidade é algo muito valorizado, independentemente do registo de trabalho que temos. «Mas o contacto pessoal é hoje mais valorizado do que nunca, porque o trabalho remoto deixou de ser pontuado por ocasionais momentos de trabalho presencial, como acontecia antes da pandemia.»
Sobre se existe agora uma nova dimensão do estar próximo, o managing director na Axians Portugal, não hesita e responde: «Aem dúvida nenhuma, porque é através do contacto humano que por vezes surgem ideias para o desenvolvimento do nosso negócio». Mas Fernando Rodrigues revela que, quase um ano após estarem a trabalhar remotamente, «os colaboradores arranjaram mecanismos de se aproximarem uns dos outros digitalmente quer seja com a chefia, outros colegas, parceiros ou clientes. Usamos muito a assinatura “with a human touch” e é precisamente o contacto humano que nos permite descobrir novas formas de trabalhar e de nos relacionarmos no contexto laboral, embora actualmente o façamos digitalmente.»