Reskilling 4 Employment: Público e privados têm de dar as mãos para a requalificação

O Terminal de Leixões, em Matosinhos, foi o local escolhido para atracar o Fórum Reskilling 4 Employment (R4E), um evento que reuniu especialistas internacionais, líderes empresariais e representantes de organizações internacionais para discutir o futuro do trabalho em Portugal e na Europa. No centro do debate esteve a requalificação profissional como solução essencial para as transformações provocadas pelas transições digital e verde.

 

Por André Manuel Mendes | Fotos NCN

 

À medida que a Europa avança nesta transição verde e digital, a escassez de competências tende a aumentar. Preencher essa lacuna é essencial para impulsionar o crescimento económico, viabilizar a dupla transição e assegurar uma Europa inclusiva, competitiva a nível global e próspera. Para isso, torna-se indispensável transformar as abordagens actuais de requalificação, ajustando-as a este cenário novo e desafiador.

Actualmente, faltam preencher quatro milhões de empregos, num mercado com 11 milhões de desempregados. «Isto significa que há um gap entre as competências que as empresas procuram e as que estão disponíveis no mercado», explica Marta Cunha, directora executiva da R4E Portugal e head of Tranformation na Sonae. A responsável acrescentou ainda que, nos próximos anos, 20 milhões de pessoas vão precisar de requalificação, sendo que considera necessário um alinhamento entre todos os actores e que os stakeholders se juntem para fazer esta transformação.

 

Inovação
Este poderá ser um dos principais problemas sociais do mundo, como considera Pedro Santa Clara, responsável pelo Campus de Carcavelos da Nova SBE, Escola 42 e TUMO, apontando para um estudo recente que mostra que 50% dos trabalhadores na UE necessitarão de requalificação até 2030.

Durante a sua apresentação como keynote speaker, o especialista debruçou- -se sobre um exemplo muito concreto e uma proposta diferenciadora no que respeita à formação e requalificação, a Escola 42.

Esta é uma das escolas de engenharia mais inovadoras do mundo. Abriu as portas em 2020, em Lisboa, neste curto espaço de tempo, tornou-se a maior escola de engenharia de software do País. É também uma escola totalmente gratuita para os alunos, financiada pela filantropia, com parceiros como a Sonae, Santander, Fidelidade, BI4ALL, Mercedes-Benz.io, Fundação José Neves, entre outros, que garantem que os alunos não têm de pagar pela sua formação.

«Ao invés de ensinar aulas, aqui temos pessoas que pensam na melhor forma de desafiar os alunos a resolver problemas, em vez apenas de aplicar ensinamentos. Nós não desenvolvemos conteúdos, porque quase toda a informação está disponível», explica. Para além disso, sublinha que as avaliações são feitas pelos pares. «Estas experiências são fundamentais, porque quando avaliamos temos a capacidade de também aprender.»

E os resultados são animadores. Para além da empregabilidade a 100%, o custo desta escola por aluno é de cerca de 1/5 das escolas tradicionais. «É uma escola verdadeiramente eficiente.»

No entanto, Pedro Santa Clara aponta um dos principais problemas do País: «Não temos a infra-estrutura, pelo que temos de inovar, criar novas formas de aprendizagem e escalabilidade. As salas de aula tradicionais não escalam, isso é dispendioso.»

 

Formar pelo trabalho
Domingos Lopes, presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), sublinhou também a necessidade de requalificação dos profissionais portugueses e destacou a importância de juntar o sector público ao sector privado neste desafio.

Neste âmbito, sublinhou a importância do PRO_MOV, um programa que se insere na iniciativa europeia “Reskilling 4 Employment (R4E)”, cujo propósito visa requalificar cinco milhões de pessoas em situação de desemprego até 2030. Com o lema “Formar pelo trabalho”, Domingos Lopes explica que o objectivo é que sejam as empresas, juntamente com o IEFP, a definirem o percurso formativo, que compõe uma formação teórica pelo IEFP e uma prática pelas empresas. «Esta parceria traz um conhecimento para a opinião pública de que mesmo as grandes empresas se associam ao IEFP para requalificar os seus trabalhadores.»

Domingos Lopes mencionou ainda o projecto NCN, revelando que uma das preocupações do IEFP passa pela adaptação às novas tecnologias, com recursos que sejam utilizados de forma mais eficiente, para que as pessoas e as empresas tenham uma resposta eficaz às suas necessidades.

 

New Career Network
Um dos momentos altos do encontro foi a apresentação da plataforma digital New Career Network (NCN), que utiliza inteligência artificial (IA) para conectar candidatos, empregadores e entidades formadoras. A ferramenta, já em funcionamento, promete facilitar a reintegração no mercado de trabalho, alinhando as competências dos candidatos às necessidades do mercado.

Portugal, através da Sonae, e Espanha, pela Fundación Telefónica em colaboração com SAP, Iberdrola e CEOE, são os primeiros países a acolher a NCN. A plataforma concebe percursos personalizados de formação, validados pela indústria, e está aberta a empresas e entidades formadoras interessadas em aderir à iniciativa.

Além da apresentação da NCN, o evento contou com uma demonstração prática conduzida pela equipa da FutureFit AI, representada por Hamoon Ekhtiari, CEO, e Aly Slater, Head of Go-to-Market. Os participantes acompanharam o processo de “match” entre empresas e candidatos, explorando como a tecnologia pode tornar o recrutamento mais ágil e eficiente.

«Vivemos numa era em que não há empregos para a vida. Nos próximos anos, muitos de nós devem trocar de carreira, pelo que não nos podemos esquecer que ninguém deve ficar para trás», sublinhou a directora da R4E Portugal.

 

Parceiros
O Fórum também promoveu duas mesas-redondas. A primeira focou-se em histórias de sucesso, com intervenções de Nuno Rosado, CEO da TechOf, Francisco Mendonça, da Le Wagon, e profissionais requalificados por programas como o PRO_MOV e a Code for All.

Nuno Rosado sublinhou que «há uma sintonia muito grande» entre aquilo que fazem e as necessidades do mercado, explicando que o foco passa por «tentar perceber quais as skills das pessoas, os seus objectivos de vida, para ajudar a alcançar esse objectivo».

Por sua vez, Francisco Mendonça alertou que «os reskills não são necessariamente uma resposta perfeita, mas têm o propósito de focar na parte mais prática, de que os trabalhadores necessitarão no futuro do mercado de trabalho», ajudando a que os alunos continuem a aprender ao longo da sua vida.

Um dos casos práticos apresentados foi o de Moisés Gonçalves, graduado pela Code for All, que contou que, durante a COVID-19, ficou desempregado da padaria onde trabalhava, o que o levou a pensar na requalificação. Com um irmão software developer, decidiu aprender e inscreveu-se na Code for All, onde realizou um bootcamp intensivo. Após o bootcamp de sete meses, foi contratado pela Critical Techworks. «Foi um sonho que se tornou realidade», admitiu.

Também Jorge Ungaro, graduado pelo PRO_MOV, admitiu que «a exigência também está associada ao sucesso» que se espera que tenham, revelando que, através do programa do IEFP, conseguiu adquirir novas competências.

 

As empresas
A segunda mesa trouxe empresas parceiras da NCN, como a Randstad, a Worten e a Syensqo, que partilharam as suas estratégias para enfrentar a escassez de talento qualificado.

André Rocha, Expert manager da Randstad, começou por sublinhar que «existe uma escassez de talento em Portugal. Sentimos também que os nossos parceiros partilham da ideia e recorrem a nós.» O especialista destacou ainda que esta crise de talento se verifica principalmente na área das TIC, mas, para além desta, a engenharia, a saúde, a energia e a sustentabilidade são também afectadas.

Nesta encruzilhada da escassez de talento, Catarina Moreira, People Attraction coordinator na Worten, sublinhou que «as soft skills são uma componente muito importante a considerar nos candidatos. As hard skills são extremamente importantes, no entanto, naturalmente, na Worten e na grande parte das empresas as soft skills fazem a diferença no contacto com as equipas.» Deu o exemplo de dois profissionais que se qualificaram pelo PRO_MOV e que se destacaram na componente das soft skills, e que foi o principal critério para a sua selecção. «As soft skills fazem com que estejam muito dedicadas e seja mais fácil a sua integração no mercado de trabalho.»

Por outro lado, Joana Adriano, Global Talent Acquisition Service Unit manager da Syensqo, destacou um fator extremamente importante: as empresas precisam de «pessoas com experiência previa que possam trazer maturidade para criar equipas heterogéneas», e que são organizações como a Randstad, Syensqo ou Worten que podem «acrescentar esse valor, definindo roadmaps de talento». A especialista acredita ainda que «a NCN é uma plataforma que ajuda a promover a diversidade».

Perante um mundo em constante mudança, os exemplos apresentados mostram que investir na requalificação de pessoas não é apenas uma questão de competitividade, mas também um compromisso social que assegura que ninguém fica para trás.

O caminho para o futuro passa por parcerias sólidas, programas flexíveis e soluções tecnológicas que tornem o mercado de trabalho mais acessível, diverso e adaptado às necessidades emergentes.

 

Este artigo foi publicado na edição de Dezembro (nº. 168) da Human Resources.

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