Rui Lança, Sport Lisboa e Benfica e docente universitário: A importância de um talento ser treinável

Uma característica que diferencia os talentos vencedores dos restantes talentos é ser treinável. E ser treinável é ter uma atitude de querer melhorar e aceitar que há pessoas que podem ajudar nisso.

Por Rui Lança, director Desportivo no Sport Lisboa e Benfica e docente universitário

 

Ao convivermos com as denominadas “estrelas” nas equipas de trabalho, desportivas, o que for, assistimos naturalmente a vários comportamentos distintos. Uns consigo próprio e outros com as pessoas que os rodeiam. Ficaríamos espantados por percebermos que existem hábitos que podem ser por vezes incoerentes e incompatíveis quando comparamos a pessoa A – que tem muito talento – com a pessoa B – que também tem muito talento. Cada um tem a sua identidade, formas diferentes de encarar e potenciar aquilo que é a sua capacidade de gerar acções correctas para alcançar um objectivo, e a sua autodeterminação encaixa-se em vários quadrantes naquilo que pode ser incluído na SDT (self-determination theory).

Encaixo-me naquele cluster que considera que o talento, sendo algo de fantástico e único no que concerne ao sucesso colectivo (e adoro apreciá-lo), é um dos maiores desafios actuais das organizações; colocar todos, sem excepção, a terem uma atitude individual de humildade e melhoria constante, com a consciência de que há sempre algo a melhorar e a procurarem – e aceitarem – o “como”. Steve Kerr, cinco vezes campeão da NBA como atleta e quatro como treinador, abordava esta atitude do seu atleta Steve Curry (quatro vezes campeão da NBA). Após cada treino, e por vezes em alguns exercícios específicos, Steve Curry procurava-o para saber o que poderia melhorar, sentindo que poderia ganhar mais vantagem se fizesse o exercício de forma mais eficiente.

Por vezes, existe este mito de que os talentosos têm muita sorte e por isso terão de se esforçar menos para alcançar o que pretendem. Com o acesso que temos a mais bastidores sobre o dia-a-dia das pessoas que alcançam um sucesso diferenciado, percebemos que essas mesmas pessoas trabalham muito, investem muito tempo – por vezes mais do que os ditos “normais” e que trabalham nos mesmos contextos de alta competitividade – e, por norma, têm uma característica que, na minha opinião, diferencia os talentos vencedores dos restantes talentos: ser treinável.

Quando digo serem treináveis, é terem uma atitude de querer melhorar e aceitar que há pessoas que o podem corrigir. De terem uma humildade digna de quem assume que, por muito que o faça de forma melhor que os restantes, têm uma vontade de aprender e melhorar ainda maior. E isto é difícil de incutir por quem os lidera. Quando encontramos esses talentos, é uma daquelas características quase reptilianas (salvo o exagero) que se torna muito difícil de alterar e que os impede claramente de dar o salto para outros níveis ainda maiores. E isso encontramos na música, no desporto, nas empresas, nas artes, em tudo. Faz recordar uma frase que ouvia em tempos quando se trabalhava com jovens talentos no desporto: o maior talento de todos naquelas idades situava-se do pescoço para cima e não do pescoço para baixo.

Voltando a um termo que toquei no primeiro parágrafo, a SDT, a forma como todos nós – e não apenas os talentos –, intrínseca e extrinsecamente, lidamos com o rendimento, com o nosso propósito, com a tentação de procurarmos pessoas yesman, ou antes aquelas que nos confrontem com o erro ou más decisões, encaixa muito no que é ser treinável. Isto é uma competência que no momento do recrutamento deve ser levado em linha de conta, especialmente porque alguém que é treinável contagia positivamente os que os rodeiam. E isso, nos tempos de hoje, vale ouro!

Este tema também nos levaria para a necessidade de termos líderes que tenham esta missão e vocação, de conseguirem instruir, direccionar, melhorar os outros. E nem todos o são, e não é por isso que são piores, são, sim, para outro tipo de contextos.

Pessoalmente, admiro as pessoas que conseguem, em cada análise, mesmo quando se fazem as coisas de forma eficiente, elogiar e, simultaneamente, deixar uma dica do que poderia fazer melhor, inquietar-me.

Este artigo foi publicado na edição de Outubro (nº. 154) da Human Resources, nas bancas.

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