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Um jovem com formação superior leva hoje para casa menos do que um recém-licenciado em 2008, antes dos anos negros da crise financeira mundial. Mas, afinal, o que explica esta depreciação remuneratória junto dos mais qualificados?
Cálculos do “Expresso”, elaborados a partir de dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), revelam que, em há pouco mais de uma década, o rendimento médio mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem (TCO), com ensino superior e até aos 24 anos de idade, era, em média, de 793 euros líquidos mensais. De lá para cá, o salário tem vindo a recuperar, mas continua 8,4% abaixo do período pré-crise: o salário actual é de 726 euros líquidos, ou seja, menos 18,2% do que em 2008.
O economista do trabalho João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, explica ao semanário que, além do agravamento de impostos durante os anos da crise, «assistimos, com o processo de Bolonha, a um aumento significativo do número de licenciados no mercado de trabalho». Isto, frisa, «teve repercussões directas no preço do trabalho qualificado, puxando para baixo os salários». «Muitos licenciados passaram a assegurar funções que antes eram exercidas por profissionais menos qualificados. Para as empresas, com o nível de remunerações praticado, tornou-se mais rentável contratar licenciados», lembra.
Quanto ao futuro, sentencia: «Os estudos mostram que quem entra no mercado de trabalho em períodos de crise viverá os efeitos dessa crise ao longo de pelo menos duas a três décadas, senão mesmo toda a sua carreira».
A desvalorização salarial dos jovens mais qualificados tem também reflexos no prémio remuneratório do ensino superior. Em 2008, um jovem TCO, até aos 24 anos, ganhava, em média, mais de metade (51%) de um trabalhador da mesma faixa etária, mas apenas com o ensino secundário. Pouco mais de uma década depois, esse prémio reduziu-se para 21%.
João Cerejeira disse ao “Expresso” que «aquilo a que temos assistido é a uma crescente desigualdade dentro do ensino superior em matéria de potencial remuneratório. Há uma desvalorização salarial das licenciaturas mas um aumento do valor de mercado associado aos mestrados e pós-graduações. E acrescenta: «A transformação tecnológica também tem beneficiado os profissionais com formação superior em áreas mais científicas e tecnológicas, aumentando o seu diferencial remuneratório não só em relação aos licenciados de outras áreas mas também aos que detêm o ensino secundário».
A única excepção são os trabalhadores a partir dos 45 anos, onde o prémio salarial do ensino superior subiu de 59%, em 2008, para os actuais 68%.
Menos qualificados ganham mais
Já a redução do rendimento médio mensal líquido dos TCO com formação superior teve mexidas em todos os escalões etários, variando entre os 7,9% e os 13,1%, em termos nominais, e os 17,7% e os 22,3%, em termos reais.
No entanto, a remuneração líquida mensal dos trabalhadores menos qualificados aumentou desde 2008: um profissional com o 3.º ciclo aufere, em média, 667 euros, mais 18,1% do que em 2008. Por outro lado, a remuneração média mensal líquida dos trabalhadores com nível do ensino secundário e pós-secundário passou de 777 euros para 816 euros.
No mesmo período, recorde-se, o salário mínimo garantido passou de 426 euros mensais para 600 euros, traduzindo-se num aumento de 40,8% em termos nominais e 25,9% em termos reais.