“Soubemos sonhar alto”

Em conversa com a HR Portugal, Luís Paulo Salvado, presidente da Comissão Executiva da Novabase, partilhou o que tornou a empresa líder de mercado na área das Tecnologias de Informação, a sua carreira, os maus momentos, o que o fez chegar ao topo, entre vários outros temas.

Por TitiAna Amorim Barroso

Espalhada em 34 países, a Novabase tem escritórios abertos em Portugal, Espanha, Alemanha, França, Médio Oriente e Angola, e conta com 2 mil colaboradores de cerca de 20 países. Este ano, a empresa prepara-se para reforçar a aposta no negócio internacional e consolidar a posição de liderança em Portugal.

Os resultados acumulados a Setembro de 2011 revelaram que a actividade internacional cresceu 44%, representando já cerca de 19% do negócio total, acima da meta de 18% inicialmente projectada. Já em termos globais, incluindo o negócio realizado em Portugal, estão 4% abaixo do ano anterior. Mesmo assim, os resultados nem sempre foram bons, em 2002 com o crash tecnológico o trabalho ficou reduzido a metade.

HR: A Novabase é líder portuguesa em Tecnologias de Informação e cresce 35%, em média, por ano. O que fazem de diferente?

Luís Paulo Salvado: Acredito que a nossa determinação e convicção de que um dia iríamos liderar o mercado foram fundamentais. Soubemos sonhar alto, mas fizemo-lo acordados e com os pés bem assentes no chão. Para concretizarmos a visão de então, construirmos uma cultura de grande pragmatismo e adaptabilidade, aprendemos que a gestão é sobretudo contingencial, não há receitas milagrosas.

HR: Presente em 34 países, quais os desafios de uma gestão global?

Luís Paulo Salvado: Gerir um negócio como o nosso, em que o principal activo é o know-how dos colaboradores, numa diversidade tão grande de países e continentes, é um desafio permanente. É necessário uma cultura forte e, em cada local, uma percepção clara dos nossos diferenciais. Por isso, em 2010 realizámos um trabalho de consolidação dos nossos valores organizacionais. E, para termos uma referência inspiradora que sirva de diferenciação comum das nossas soluções, definimos uma nova visão para a empresa: tornar a vida dos clientes e das pessoas mais simples e mais feliz.

HR: A felicidade é um dos mantras da Novabase.

Luís Paulo Salvado: A felicidade é um assunto muito pessoal e por isso não acreditamos em receitas empresariais para esta questão. O que é importante aqui é a atitude, é a valorização que as empresas podem atribuir à felicidade dos colaboradores. A nossa nova visão é disso um exemplo. Quando dizemos que queremos tornar a vida mais simples e mais feliz aos nossos clientes, é óbvio que não podemos deixar de fora a felicidade dos nossos colaboradores. Mas achamos que deve ser cada um por si a perseguir esse desígnio, tendo a empresa a responsabilidade de criar as condições para que isso possa acontecer.

Uma dessas condições é expressa num dos nossos valores: o “eu ligo” que revela o nosso compromisso com os outros, o seu talento e a sua felicidade. Queremos um mundo de pessoas inteiras, em que cada dia que vamos trabalhar não deixamos em casa o lado que gosta de cinema, de cozinhar ou de tocar saxofone. Tudo isto contribui para a tal construção da felicidade de cada um.

HR: Em 2010, alcançou um volume de negócios de 236 M€, 15% gerados fora de Portugal. Quais os valores actuais?

Luís Paulo Salvado: Os resultados acumulados a Setembro 2011 revelam que a actividade internacional cresceu 44%, representando já cerca de 19% do negócio total, acima da meta de 18% inicialmente projectada. Contudo e em termos globais, incluindo o negócio realizado em Portugal, estamos 4% abaixo do ano passado.

HR: Tencionam conquistar “mais mundo”?

Luís Paulo Salvado: Neste momento esse é um dos nossos principais objectivos. Mas queremos fazê-lo de forma sustentada e progressiva. Isso significa que esta caminhada tem que ser feita com cuidado e muita preparação. Temos duas estratégias de internacionalização: por foco geográfico e por oferta. Há países, como Espanha e Angola, onde queremos ter uma presença continuada e onde nos focaremos em conquistar quota de mercado. Já na internacionalização por oferta estaremos onde existirem oportunidades.

É o caso das soluções de digital TV, onde trabalhamos em muitas regiões, desde a América Latina, passando pela Europa e Ásia (China e Índia).

HR: No seu percurso profissional já passou por diversas áreas. Qual a área em que tem mais gosto trabalhar?

Luís Paulo Salvado: Todas as áreas são interessantes e aprendemos coisas diferentes e complementares em cada uma delas. Tive a felicidade de ter trabalho em várias áreas, e acredito que isso hoje é uma mais-valia na função em que estou. A área que mais me fascina é a área das pessoas, da gestão de pessoas. Tenho um enorme interesse, quer teórico quer prático, por todos os temas relacionados com o desenvolvimento do talento. É uma área de descoberta permanente, onde quanto mais investimos mais queremos investir.

Acredito que podemos transformar qualquer organização, levá-la a concretizar os objectivos mais ambiciosos. Mas para o conseguirmos temos de saber aproveitar o imenso potencial que está fechado, escondido nas pessoas e sobretudo nas equipas. Esse sim deverá ser o principal papel dos líderes.

HR: Hoje diz fazer o que mais gosta: “gerir a empresa que ajudou a crescer”. Que características o fizeram chegar ao topo?

Luís Paulo Salvado: Na vida as coisas importantes dão-nos sempre muito trabalho a conquistar. No meu caso, adoptei desde muito cedo uma disciplina ética e de trabalho. Sempre acreditei na integridade, na paixão com que nos devemos dedicar ao trabalho, em sermos muito determinados, exigentes e nas virtudes da paciência. Gosto de dizer que integridade é fazermos o que está certo, sobretudo quando ninguém está a ver. Acredito também que quando trabalhamos para concretizar os nossos sonhos conseguimos dar o nosso melhor, e que isso muitas vezes faz a diferença. É claro que aparecem sempre dificuldades imprevistas, muitas vezes nas piores alturas. E, por isso, é importante sermos determinados a lidar com a adversidade, conseguirmos auto-motivar-nos para a ultrapassar.

Como dizia Randy Pausch os “muros da vida” estão lá para isto mesmo: separar os que têm vontade para os saltar de todos os outros. Saber esperar e ser paciente são também qualidades que muito respeito e valorizo. Finalmente, existe algo que é o mais importante: ter uma vontade permanente para aprender e evoluir.

HR: Se pudesse iniciar a vida profissional, escolheria o mesmo caminho?

Luís Paulo Salvado: É fácil olharmos para trás e questionarmos os nossos passos. Com a informação e experiência que tenho hoje poderia ter feito algumas coisas diferentes, mas, no essencial, as opções teriam sido as mesmas. Gostei muito da fase profissional onde fui sobretudo um técnico, mas depois apaixonei-me pelo desafio da gestão. Agora ando a aprender a pensar também como um designer.

HR: Com todas estas evoluções, há dificuldade de olhar para os maus momentos?

Luís Paulo Salvado: Já vivi maus momentos e acredito que aprendi muito com eles. Uma das alturas mais difíceis ocorreu no início de 2002 com o rebentamento da bolha tecnológica. Ficámos, de um momento para o outro, com o trabalho reduzido a quase metade, o que foi dramático. Tivemos que lidar rapidamente com a situação e tomar decisões muito difíceis. Aproveitámos a oportunidade e fizemos uma reestruturação profunda o que se veio a revelar a decisão acertada pois, nos anos seguintes, crescemos bem acima do mercado. Outra fase difícil foi num dos primeiros trabalhos que tive em que andava tão desmotivado que fiquei fisicamente doente. Foi a forma que o meu corpo encontrou de pedir socorro.

Quando me apercebi da situação pedi imediatamente a demissão sem ter alternativa para onde ir. Foi aí que percebi que devemos procurar o nosso destino de acordo com as nossas convicções e não ficarmos a perder tempo só porque precisamos de um emprego.

HR: Disse também numa conferência que é um engenheiro que gosta muito de gestão. Como se caracteriza?

Luís Paulo Salvado: Como uma pessoa muito curiosa por aprender e descobrir coisas novas. Sou também ambicioso, sobretudo pelas causas que me apaixonam. Ser ambicioso para mim é não regatearmos esforços para conquistar aquilo que mais valorizamos. Pode ser um grande amor, o respeito dos outros, a nossa paz interior ou um objectivo profissional.

HR: No 2.º best practices da APG, disse: «Há medida que vou crescendo, acredito menos em super líderes e cada vez mais em super equipas». Como se constroem?

Luís Paulo Salvado: Construir equipas de alto desempenho é uma arte que se vai desenvolvendo ao longo da vida e nunca se pára de aprender. Começa-se por identificar para a missão que temos pela frente, qual o mix de talentos, de capacidades que precisamos. Depois há que temperar os talentos nas doses certas, tendo em atenção a complementaridade em termos de pontos fortes e fracos. Ninguém pode ser excelente em tudo, mas uma equipa pode! É também necessário que os elementos se revejam no sucesso colectivo e na liderança. Os elementos da equipa têm que se apoiar uns aos outros quando for necessário, sobretudo quando o líder estiver ausente. Isto é muito fácil de dizer mas muito difícil de fazer acontecer com sucesso.

HR: De que forma a Novabase desenvolve e motiva os colaboradores?

Luís Paulo Salvado: Foi talento motivado que desenvolveu a Novabase e a transformou na empresa que é hoje. A motivação de cada pessoa depende muito do conteúdo da sua função e dos sistemas de recompensa aplicados.

Para termos pessoas motivadas temos que garantir em primeiro lugar que o conteúdo funcional se adequa às expectativas, capacidades e potencial de cada pessoa. Tendo isto assegurado, é também importante que os sistemas de recompensa sejam justos e promovam a equidade interna e externa. Note-se que os sistemas de recompensa não são apenas financeiros. O acesso a uma formação especial, a um assignment há muito desejado ou até um “simples” agradecimento público podem funcionar como mecanismos de recompensa poderosos.

Sempre procurámos promover uma cultura de mérito. Claro que existem alguns equilíbrios precários que são muito difíceis de gerir. Deve-se premiar mais o mérito individual ou o colectivo? Qual o melhor trade-off? Provavelmente um mix, mas qual a combinação ideal? O envolvimento das pessoas é conseguido através da autonomia que têm, da partilha nos processos de decisão e da identificação com a nova visão da empresa.

HR: Que melhores práticas na Novabase?

Luís Paulo Salvado: Olhamos para as nossas práticas de forma integrada para que a maioria dos nossos colaboradores tenha um trabalho entusiasmante e desafiante, oportunidades de progressão profissional e uma clara diferenciação de tratamento associada ao seu desempenho. Para isso temos um sistema de gestão por objectivos que promove o empowerment e a descentralização das decisões. A responsabilização é feita através da remuneração variável que tem peso na remuneração global. Apostamos também na integração dos colaboradores porque as primeiras impressões são marcantes.

Acolher bem, explicar e acompanhar os primeiros passos, induzi-los na nossa cultura e proporcionar-lhes um primeiro contacto com os líderes da organização é meio-caminho andado para o seu sucesso.

Outra aposta que fazemos é na formação de alta qualidade. Desde o Novabase Academy que é o programa de formação inicial para recém-licenciados, até ao novabasecampus mais focado no desenvolvimento de competências e soft-skills, existem vários programas especializados. Como o protocolo que firmámos com a universidade americana de Carnegie Mellon e algumas universidades portuguesas para formação de 30 mestrados naquele que é considerado o melhor programa em engenharia de software do mundo.

Outro exemplo é o Leading by Example, dedicado aos líderes, envolvendo diversas actividades, desde coaching e até um curso de teatro para melhorar competências de comunicação e expressão emocional.

HR: Quais as novas tendências na gestão de RH?

Luís Paulo Salvado: Não sei se lhes chamaria novas tendências, pois alguns destes temas já estão connosco há muitos anos. Alguns deles irão assumir maior importância e protagonismo no futuro pois ainda não atingiram o nível de maturidade que deveriam nas organizações. É o caso, por exemplo, da inteligência emocional. Não estou a falar de explicar a teoria às pessoas, isso já foi feito. Estou a falar de uma mudança efectiva neste domínio, de uma mudança transformacional.

Sendo tão importante para o trabalho de equipa, não percebo porque é que isto ainda está tão pouco disseminado. A capacidade de construirmos equipas de alto desempenho é outro assunto crítico de que já falamos. Sabe-se muita teoria, mas está desgarrada e mal implementada na maioria das situações. Outra tendência é a crescente valorização que as pessoas estão a dar às missões das empresas onde trabalham. As novas gerações estão mais exigentes em relação a esta questão e querem trabalhar em empresas com causas que as apaixonem. Finalmente, há que ter em atenção como o fenómeno das redes sociais vai evoluir dentro das empresas e também impactar as marcas e a relação que estas têm com os seus clientes. É um tema para acompanhar com muito interesse.

HR: Que conselhos gostaria de deixar?

Luís Paulo Salvado: Acredito que é fundamental termos paixão pelo que fazemos para conseguirmos dar o nosso melhor. Devemos dedicar-nos de corpo e alma à concretização dos nossos sonhos. Ser exigente com os outros e ainda mais connosco. Confiarmos na sorte mas trabalharmos para a ter. Escolhermos bem o nosso chefe e ainda melhor a nossa equipa.

HR: Dentro de alguns anos imagina-se a fazer o quê?

Luís Paulo Salvado: Tenho aquela ilusão de que vou transformar em trabalho alguns dos meus actuais hobbies e em hobby o meu actual trabalho…

HR: E como ocupa os tempos-livres?

Luís Paulo Salvado: Tenho um prazer enorme em viajar, em ver um bom filme ou ler um bom livro. Estar com a família e os amigos são momentos de felicidade. Quando preciso de carregar baterias, vem-me à memória um Puligny Montrachet do Etienne Sauzet, bebido na esplanada do Le Chalet de Pierres em Courchevel, em dia de muito sol e esqui. Mais recentemente os meus tempos-livres têm sido absorvidos pelo meu filho, recém-nascido, o que me tem permitido descobrir as alegrias da paternidade.

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