Teletrabalho e desconexão: Um longo caminho ainda a percorrer
Uma coisa parece certa: o teletrabalho é hoje muito mais do que uma simples alteração de local de trabalho.
Por Rita Nogueira Neto, advogada/counsel Garrigues e Ricardo Grilo, advogado/associado senior Garrigues
Mais de um terço dos trabalhadores da União Europeia (UE) começou a trabalhar em casa durante o confinamento, em comparação com os 5% que já anteriormente o faziam, de acordo com a Resolução do Parlamento Europeu de 21 de Janeiro de 2021 (baseada nos dados do Eurofound1). Ainda segundo a mesma fonte, 27% dos inquiridos pelo Eurofound, que desenvolvem as suas funções em teletrabalho, referiram que tiveram de trabalhar nos seus tempos livres para “satisfazer as exigências do trabalho” e que sentiram que o mesmo aumentou durante a pandemia e tenderá a incrementar-se no futuro. Por outro lado, como aponta ainda a mesma Resolução, de acordo com a OMS, “a nível mundial, mais de 300 milhões de pessoas sofrem de depressão e perturbações mentais comuns relacionadas com o trabalho, e 38,2 % da população da UE sofre de um qualquer transtorno mental a cada ano”.
Neste contexto, a referida Resolução aponta a progressiva importância da discussão do tema da desconexão associado à problemática da igualdade de género, já que este equilíbrio entre vida profissional e vida privada (generalizadamente referida como vantagem do teletrabalho) não deve desconsiderar que, ainda hoje, são as mulheres quem assume maioritariamente o papel de cuidadoras no seio das famílias e para quem esta separação se revela essencial.
O dever de abstenção de contacto, mais conhecido por “direito à desconexão” – consagrado pela primeira vez na Lei 2 –, surge eivado de dúvidas. Nos termos legais, o empregador deve abster-se de contactar o trabalhador nos seus períodos de descanso, salvo caso de “força maior”: o que se deve entender por contacto para este efeito? O envio de um email sem pedido de resposta é um contacto? Um telefonema para informar de um aumento salarial está vedado? Um colega sem poder hierárquico sobre o trabalhador pode contactá-lo no período de descanso? Como se delimita o período de descanso nos casos de isenção de horário de trabalho? O que se entende como situações de força maior? Podem empregador e trabalhador acordar no sentido de permitir contactos nos períodos de descanso?
O teletrabalho é hoje muito mais do que uma simples alteração de local de trabalho; é uma verdadeira transformação na forma de trabalhar que, como bem salienta a Resolução do Parlamento Europeu de 2021 (que contém as recomendações à Comissão sobre o direito a desligar), se vai concretizando no confronto de interesses aparentemente antagónicos: de um lado, a maior flexibilidade e autonomia no desenvolvimento do trabalho; do outro, a intensificação e o alargamento dos horários de trabalho que, não raras vezes, dissipam as fronteiras entre a vida privada e a vida pessoal, contrariando assim, um dos principais objectivos a que o regime de teletrabalho se propõe – o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal. Tendo presente a importância de regular o teletrabalho (e o direito à desconexão, consagrado pela primeira vez na Lei n.º 83/2021, de 6 de Dezembro) de forma que esta nova realidade não comprometa os principais objectivos que lhe estão subjacentes, a Comissão Europeia, seguindo a recomendação do Parlamento Europeu, deu início aos trabalhos de preparação de uma Directiva sobre o direito à desconexão e ao teletrabalho justo, a qual se espera vir a concretizar e a impor aos Estados-Membros novo quadro normativo nesta matéria.
Este artigo foi publicado na edição de Julho (n.º 139) da Human Resources.
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