Tendências de Talento. «Quem está hoje a recrutar já são as pessoas e não só as empresas», destaca Marlene Gaspar (LLYC)
A LLYC identificou 9 tendências para a gestão de talento. Se umas já são realidade, outras representam uma revolução sem precedentes no mundo do trabalho. Marlene Gaspar, directora sénior de Engagement e Deep Digital Business da LLYC, analisa estas tendências à luz da realidade do mercado nacional.
Por Ana Leonor Martins
Este ano, as nove tendências identificadas pela LLYC foram: do (formato) híbrido à autonomia; desconectar para conectar; o terceiro espaço; workcation (work + vacation); rituais de “destribalização”; da grande fuga à reforma cultural; mentalidade pull; recrutamento por aquilo que saberás (no futuro); total experience.
Marlene Gaspar compara estes tendências com as dos dois anos anteriores – se umas se confirmaram, outras nem tanto -, destaca as tendências que maior impacto deverão ter em Portugal a curto prazo e os desafios que vão trazer. Num mundo em cada vez mais acelerada mudança, uma certeza e uma convicção: «Estamos perante uma revolução sem precedentes no mundo do trabalho» e, hoje, «o verdadeiro poder está na escuta activa permanente, uma forma de conectar com os outros através da empatia».
O mundo do trabalho há já alguns anos que vinha a passar por mudanças, mas a pandemia veio acentuá-las e acelerá-las. Quais destacaria?
De facto, estamos perante uma revolução sem precedentes no mundo do trabalho. A adopção em massa do teletrabalho e a transformação das prioridades dos profissionais já não são apenas “tendências”, são realidades que fazem parte do dia-a-dia de todas as organizações!
Se 2021 foi um ano de transição, acreditamos que 2022 será o momento em que se irão acentuar algumas destas “intuições” ou, por outro lado, em que veremos organizações a voltar às regras de jogo pré-pandemia, com todas as consequências que isso poderá ter.
Na LLYC acreditamos que as empresas têm uma enorme oportunidade para avançar e evoluir a sua forma de gestão de talento. Não mudou apenas o quando e onde se trabalha, mas também o como e porque se trabalha para uma organização, que depende cada vez menos da própria empresa e mais das pessoas que formam parte dela. São desafios enormes!
Anualmente, a LLYC identifica as Tendência de Talento. Tendo em conta os resultados obtidos este ano, que tendências identificadas para 2020 se comprovaram ou acentuaram e quais perderam relevância?
Em 2021 tínhamos identificado a tendência “Do trabalho remoto ao trabalho híbrido” sustentada por dados do Instituto de Investigação Capgemini, que assumia que 75% das organizações previam que pelo menos 30% dos colaboradores passassem a trabalhar também remotamente, enquanto mais de 30% esperam que 70% da sua força laboral se torne totalmente remota.
Vendo de forma cronológica esta tendência: 2020 foi o ano em que a generalidade das empresas conheceram o teletrabalho; 2021 o ano em que o trabalho remote se misturou com o presencial, num formato híbrido; em 2022, o conceito-chave será a flexibilidade e a autonomia – o espaço físico “onde” o trabalho acontece deixa de ter destaque, importa mais o “quando”.
Holger Reisinger e Dane Fetterer num artigo recente da Harvard Business Review argumentam que a flexibilidade dá lugar a diferentes interpretações, razão pela qual designamos autonomia. O novo modelo de trabalho irá exigir às empresas formas mais assíncronas de comunicar e trabalhar com as equipas. Assim, o “real time” perde relevância e cai a ditadura da reunião presencial ou online porque o foco está na conveniência.
Mantém-se a necessidade de reforçar a cultura num contexto marcado pela dessincronização e deslocalização da empresa, a necessidade de apostar na formação contínua dos colaboradores e de criar laços de comunicação interpessoal mais sólidos: é fundamental criar mais estratégias de engagement interno!
Em 2021 falávamos bastante na saúde mental e na valorização do talento sénior – hoje estes elementos já fazem parte de qualquer empresa devido a uma enorme capacidade de adaptação.
O que parece ter deixado de ser tendência é a ideia do “colaborador eterno” (uma das tendências que avançámos em 2021). Isto porque, segundo um relatório recente publicado pela McKinsey, 53% das empresas estão a sofrer uma rotatividade indesejada, e 40 % dos profissionais estão a considerar mudar de emprego no curto prazo.
No estudo deste ano, o que destacaria como principais conclusões/ tendências?
Na actual economia do conhecimento o principal activo continua a ser o capital humano, isto é, o talento, as competências, a experiência tácita, a empatia e a criatividade. Estas características têm sido subvalorizadas nas empresas e é preciso desbloquear isso para avançar.
Também percebemos que o vínculo laboral está a passar por uma transformação, onde nunca foi tão desafiante reter os talentos e as empresas devem investir no estreitar desse laço. É preferível apostar no engagement e no compromisso dos profissionais do que canalizar esforços para evitar uma saída; é uma mudança de paradigma entre ser proactivo ou meramente reactivo na gestão das nossas pessoas.
Concluímos também que as relações já bem estabelecidas pré-pandemia se fortaleceram apesar do contexto mas, por um lado, há outras relações casuais que praticamente desapareceram – porque não nos encontramos no elevador, nos corredores ou nas pausas para o café. Em 2022 é preciso recuperar estes laços também para fomentar a cultura organizacional como um todo.
Destaco ainda a ideia de “workcation = work + vacation”, que me parece verdadeiramente revolucionária e que põe em causa uma linha que tínhamos como vermelha até aqui. Trabalhar e estar de férias é cada vez mais possível para quem quer conciliar o trabalho à distância, fora da sua residência habitual, ao mesmo tempo que desfruta de horas de lazer nas pausas e horas livres.
Acredita que, em Portugal, vamos evoluir de um modelo 100% presencial (com raras excepções) para um modelo flexível (não só híbrido, mas tendo que ser igual para todos) na maioria das empresas? Ou vai ser realidade apenas para uma minoria?
Sem dúvida que o modelo flexível será cada vez mais uma realidade e as empresas que não souberem adaptar-se perderão capacidade de retenção e atracção de talento. Estamos a evoluir num sentido em que estes benefícios vão deixar de ser apenas um nice-to-have para serem um must-have nas organizações.
E outros temas que destacou, como workcation ou férias ilimitadas (praticada na Netflix), ou a tão falado actualmente semana de 4 dias, são viáveis/ realistas numa realidade como a portuguesa, com uma esmagadora maioria de PME, com o salário mínimo com uma forte preponderância… Não se corre o risco se se acentuar cada vez mais as diferenças entre os profissionais?
Confiança, autonomia e empatia nunca foram aspectos tão críticos para as empresas. E os gestores que não tiverem esta capacidade de adaptação e compreensão das necessidades das suas pessoas, não irão conseguir criar uma proposta de valor apelativa. E, neste ponto, destaco a importância da empatia: compreender as necessidades das nossas pessoas é um exercício individualizado, porque cada pessoa valoriza ou ambiciona à sua medida e a empresa deve responder de forma também individualizada.
Num mundo de trabalho reconfigurado de acordo com estas tendências, qual a relevância – e como podem ser trabalhados – temas como cultura organizacional, propósito, engagement ou employee experience?
A cultura organizacional é uma medida terapêutica de prevenção! E é na prevenção que acreditamos estar o segredo para gerir mais eficazmente os nossos talentos. Cabe às empresas não só rever o modo como se comportam neste novo contexto, mas também reformular o posicionamento que têm. Apenas assim conseguirão criar uma experiência verdadeiramente enriquecedora, com profissionais motivados e comprometidos com a missão da empresa.
Seguir estas tendências é a única forma de as empresas darem resposta à escassez de talento e de não serem “vítimas” do fenómeno “great resignation”?
As tendências que apontamos no nosso estudo são, apenas, algumas pistas! Claro que há outros factores que entram a jogo nesta luta contra a “alienação” do talento nas empresas.
De facto, a actual taxa de rotatividade aumentou no último ano, como se costuma dizer na gíria, “o mercado está a mexer”. A Europa ainda não tem os indicadores a que assistimos nos EUA, mas este fenómeno, aliado às flutuações do mercado, dificulta a retenção do talento. Hoje, reforçar a ligação com o talento significa não só abranger os benefícios básicos (política de incentivos, remuneração, etc.), mas também ter em conta os “benefícios emocionais”, o “salário emocional”.
Como sempre defendemos, o engagement está directamente relacionado com a cultura da empresa, mas não há fórmulas únicas. A escuta activa permanente para medir o modo como os profissionais percepcionam a cultura da empresa, para saber se se sentem identificados e se a vivem no dia a dia é fundamental.
Além disso, do ponto de vista da organização, é necessário analisar como está a transmitir esta cultura pelas diferentes comunicações – seja pela via mais formal ou informal. Esta análise de como querem as empresas ser percepcionadas e como os funcionários as veem é imprescindível para lançar as bases de uma cultura com a qual os profissionais se sintam identificados e comprometidos.
Nesta linha, ter uma boa cultura organizacional ajuda a transmitir aos profissionais um sentido de identidade que facilita a união entre todos os elementos da empresa, combatendo a «desilusão» causada pela COVID-19. A cultura empresarial é o ADN de cada empresa, e, portanto, essa sim deve ser única.
O “poder” está definitivamente do lado dos profissionais? São eles que estão a “forçar” as mudanças ou as empresas concordam que este é o melhor caminho?
Acho que o poder não está agora do lado dos profissionais, como também nunca achei que estivesse antes do lado das empresas. O empoderamento do lado humano – de qualquer um dos lados da barricada -, esse sim, veio abanar algumas crenças instituídas nas relações laborais!
Temos vindo a assistir e a fomentar a criação do propósito das marcas no empoderamento da pessoa, aquilo a que chamamos uma visão “people-centric”. Mas as empresas são, também elas, geridas por pessoas, por isso há uma causa-efeito no qual todos têm a responsabilidade de forçar essa mudança – e todos têm, também, a sua forma de exercer poder.
Acredito e defendo que o verdadeiro poder está na escuta activa permanente, uma forma de conectar com os outros através da empatia. E este papel de escuta tanto faz parte da empresa como do colaborador. Saber escutar é meio caminho andado para poder influenciar, poder agir, poder decidir.
Das 9 tendências identificadas pela LLYC, quais considera que vai ser mais evidente a curto prazo?
Provavelmente a da “mentalidade pull”, porque implica uma forma completamente diferente de percepcionar o recrutamento nas empresas. Vimos isso nas tendências do ano passado, onde falávamos nisso de forma tímida, pois parecia uma coisa de um futuro longínquo e, de repente, bate-nos à porta! Hoje em dia começamos a realizar que não são as empresas que escolhem os profissionais, mas os profissionais que escolhem as empresas para as quais querem trabalhar. Além disso, estamos numa fase em que se mudou drasticamente a forma de pesquisar e se candidatar a ofertas.
Os candidatos de hoje já não «procuram» uma vaga de emprego – são consumidores de conteúdos das diferentes ofertas publicadas pelas marcas. Estão a agir como o comprador de automóveis, aquele que chega ao stand e já pesquisou tudo sobre o carro, já leu, pediu referências e viu reviews do último modelo que deseja adquirir! Neste caso, o potencial colaborador investiga a cultura da organização, os valores, os benefícios, o que pensam outros colaboradores… A verdade é que, de acordo com os últimos dados recolhidos pela UNIR e compilados num estudo do LinkedIn, 66% dos candidatos informam-se sobre a cultura e os valores, e 55% valorizam as opiniões dos colaboradores da empresa.
Neste enquadramento, quais são os principais desafios para as empresas e, em particular, para os gestores de pessoas/ talento?
Ao nível externo, uma das respostas a este novo contexto de recrutamento está no inbound recruiting, que põe o potencial candidato no centro de toda a estratégia de atracção de talento, e não o empregador como antigamente.
Passamos de uma lógica «tenho uma vaga, publico uma oferta, recebo currículos ou procuro candidatos» para «tenho uma estratégia de conteúdos permanente sobre a minha empresa, aumento a minha base de dados, tenho uma vaga, envio a oferta para a minha base de dados e recolho frutos». Graças ao inbound recruiting, as empresas podem ter uma pull de candidatos qualificados sem a necessidade de procurar preencher uma vaga específica, proporcionando aos profissionais de RH uma maior eficiência em termos de timings e custos para o preenchimento de posições.
Ao nível interno, no que diz respeito à gestão de pessoas e do talento, o principal desafio é conhecer as necessidades e motivações das nossas pessoas através de uma escuta activa permanente para que as suas decisões sejam tomadas com a informação necessária. Como disseram Peter Drucker e Warren Bennis: “Gerir é fazer as coisas da maneira certa; liderar é fazer as coisas certas.” Precisamos, efetivamente, de mais liderança – e mais comunicação… – na gestão das nossas pessoas!
O que será fundamental para as empresas serem bem sucedidas?
Uma das coisas que é cada vez mais evidente – e identificámos isso neste estudo – é a mudança de paradigma: quem está hoje a recrutar já são as pessoas e não só as empresas. Quero com isto dizer que assistimos a uma transformação completa na forma de atrair mas também de reter pessoas porque hoje são as pessoas que entrevistam, que questionam, que investigam as empresas para as quais querem ir ou continuar a trabalhar. Não significa que as empresas perdem poder negocial, mas têm de se adaptar e compreender esta nova dinâmica, criando relações transparentes, genuínas e fomentar um diálogo bidirecional com as suas pessoas.
Não é propriamente uma “tendência para 2022” mas as empresas serão bem sucedidas apenas e só se tiverem consigo colaboradores bem sucedidos também. E acredito que a aposta na reformulação da cultura organizacional e na comunicação interna serão boas vacinas para prevenir e corrigir alguns sintomas que a pandemia trouxe a muitas empresas!
E para os profissionais, quais as competências essenciais?
Além das competências técnicas, é preciso que qualquer profissional compreenda que somos “eternos aprendizes” e que tem de investir – leia dedicar-se, estar disponível para isso. Necessitamos de estar a formarmo-nos constantemente e não é só a nível digital. Serem voluntários em reskilling e upskilling para terem a right skilling.
As empresas para serem resilientes contam com talento resiliente, capaz de se adaptar às circunstâncias e de transformar também as competências. Segundo a EY e o Future for Work Institute, 91 % das empresas prevêem que a criatividade seja a competência mais procurada nos próximos tempos. A empatia foi destacada num estudo da Google. Estas prioridades não podem ser apenas impulsionadas ou exigidas pela empresa. Os profissionais também devem persegui-la.
Por outro lado, o colaborador também deve ser um actor activo e não passivo na empresa. A capacidade de compreender deve estar de mãos dadas com a exigência de ser compreendido para que o vínculo seja de crescimento recíproco. Deve dar e exigir feedback construtivo. Um colaborador feliz contagia e gera mais colaboradores felizes. O que torna uma empresa mais feliz.
Acredita que as empresas e os líderes estão preparados para enfrentar esses desafios?
Acredito que as empresas e os líderes estão muito melhor preparados para responder aos desafios, do que estavam há dois anos atrás. O contexto obrigou a estarmos todos no mesmo patamar, líderes e não líderes, e expôs fragilidades, por um lado, e potenciou a humanização por outro.
Uma liderança proactiva forte tem de monitorar constantemente a mudança do meio social, particularmente ao que acontece com os seus stakeholders externos, focando a energia necessária na organização dos recursos na direção certa.
É mandatório uma liderança criativa para seguir no rumo certo para garantir uma gestão eficaz. Como defende Stephen R. Covey, “Nenhum êxito de gestão consegue compensar um fracasso de liderança”. Contudo, liderar é difícil, porque caímos frequentemente no paradigma da gestão.