Uma transformação digital “forçada”, mas que veio para ficar

RE(TALK)

A tecnologia, em si, e por si só, não é boa nem má. Vem potenciar a transformação. E a actual pandemia veio promover uma aceleração nesta transformação. É nisso que acreditam Hernâni Andrés, corporate business manager na PRIMAVERA business software solutions, e Gonçalo Vilhena, chief Information officer (CIO) na Randstad Portugal, que explicam se de facto estamos a assistir a um salta tecnológico definitivo nas empresas.

 

Hernâni Andrés e Gonçalo Vilhena foram os protagonistas de mais uma re(talk), iniciativa da Randstad em parceria com a Human Resources, numa conversa moderada por Ana Leonor Martins, directora de redação da única publicação mensal sobre Gestão de Pessoas existente em Portugal.

O tema de não é de hoje mas a transformação digital vinha a ser adiada por muitas empresas. Com a pandemia, algumas ferramentas e formas de trabalho passaram de “recomendáveis” a essenciais, pois só assim foi possível a grande parte das empresas manter a sua actividade. Fala-se de um “salto tecnológico” de dez anos. No entanto, transformação digital não se resume à possibilidade de trabalhar a partir de casa. Como explica Hernâni Andrés, «implica ter ferramentas que permitam que as pessoas, de acordo com as diferentes responsabilidades, continuem a desempenhar o seu papel na organização». Para o especialista, deve-se entender a transformação digital a dois niveis: a digitalização/processo que se apresenta como uma primeira etapa e a na perspectiva de a transformação digital transformar o próprio modelo de negócio.

O corporate business manager faz notar que o actual contexto veio de facto evidenciar que existiam algumas fragilidades no processo de transformação digital das empresas em Portugal. «A nossa experiência do contacto com um grande número de empresas revela que muitas delas já deram inicio a esse processo, encontrando-se num estado muito mais avançado em termos tecnológicos. Mas havia muitas empresas que ainda apresentavam uma forte resistência à transformação digital e ao trabalho remoto

A crise veio fazer cair alguns mitos – como o de que estar a trabalhar em casa significava que as pessoas trabalham menos -, bem como apressar a tomadas de algumas decisões e opções que até já poderiam estar na estratégia, mas que ainda não tinham saído do papel para a implementação. «Ao mesmo tempo, a crise veio clarificar às áreas onde as empresas deviam começar por investir ao nível da sua transformação digital. Há agora uma evidência no que diz respeito às áreas prioritárias», acrescenta Hernâni Andrés, dando como exemplo a disponibilização das ferramentas de que os colaboradores precisam para continuar a desenvolver a sua actividade e também as que promovem o engagement com a organização.

 

Gonçalo Vilhena concorda, salientando que «todos entendiam a necessidade da transformação digital, mas faltava o porquê, e foi exactamente isto que a realidade trazida pela Covid-19 veio intensificar». E defende que essa transformação deve ser feita em três vertentes: «a primeira é a tecnologia, onde se incluem as ferramentas, o segundo é o ambiente, pois o ambiente proporcionado às pessoas também influencia a mudança de processos, e por fim as pessoas, um aspecto muito relacionado com as lideranças e com o propósito que nos faz mover e transformar. De facto, o que mais drasticamente mudou foi o ambiente e isso levou a que as pessoas mudassem e se adaptassem de uma forma bastante rápida, com a existência de determinadas ferramentas a ajudar muito em todo este processo, facilitando a vida das organizações e das suas pessoas.»

 

Regresso à normalidade

Se as ferramentas vão certamente permanecer depois do regresso à normalidade, a questão recai sobre perceber se as mesmas vão continuar a ser utilizadas. «Acredito que muitas práticas adoptadas durante esta altura tenham vindo para ficar», afirma  Hernâni Andrés. «Todas estas ferramentas vêm acrescentar valor às organizações, e falamos não apenas das ferramentas de colaboração mas também daquelas que se reportam ao próprio negócio. São ferramentas  que vieram libertar as pessoas para fazer um acompanhamento muito mais personalizado dos clientes e das equipas. Há agora a monitorização em real time de todos os processos, o que é uma mais-valia que vai permanecer depois desta situação passar», reitera, fazendo ainda notar: «As relações serão agora muito mais transparentes e com menos conflitos, porque aumenta a confiança de todos, gerando um melhor serviço.»

Para Gonçalo Vilhena, a aceleração da mudança dos processos que tipicamente já estava nos planos das empresas, veio “obrigar” «as pessoas a sair da sua zona de conforto e, quando tal acontece, e as pessoas têm novas experiências. As novas formas de trabalhar estão a ter resultados positivos e certamente que não vai ter lugar um retrocesso ao que existia antes», acredita. O grande risco é «este grande processo de transformação levar a que muitas empresas fiquem sob pressão para redução de custos e mudança na gestão imediata e deixem de pensar no que é o futuro. Se não conseguirmos manter este balanço entre o presente e o futuro, entre as empresa que pensam na sobrevivência do negócio e a empresa que pensa como é que se vão transformar, poderá haver muitas organizações em dificuldade.»

Corroborando esta ideia, Hernâni Andrés defende que «tem, obrigatoriamente, de acontecer agora um maior controlo da tesouraria, mas é igualmente importante que nesta retoma as empresas saiam mais competitivas. Este equilíbrio é de facto um dos maiores desafios.»

 

Onde fica o lado humano e a cultura organizacional?

Ao longo deste período, em que muitas empresas viram que colocar todos os seus colaboradores a trabalhar em casa, não raras vezes, neste fórum, foi sublinhado que a proximidade entre as pessoas e as equipas aumentou. O corporate business manager da Primavera BSS avança com uma explicação simples: «O facto de estarmos separados fisicamente gerou uma maior preocupação em saber como estão as pessoas. E estarmos num modelo digital também nos permite fazer um número de contactos superior. A qualidade da atenção que estamos a dispensar uns aos outros aumentou. Era bom que isso se mantivesse.»

O CIO da Randstad não tem «a mínima dúvida que o lado humano será cada vez mais importante». É nessa creanla que se baseia o conceito “human forward” adoptado pela empresa especialista em Recursos Humanos. «A tecnologia veio ajudar o homem, retirando-lhe tarefas rotineiras para lhe dar tempo, a única coisa que, na verdade, é finita. É preciso focarmo-nos cada mais no lado humano», afirma.

 

Mas, e se o teletrabalho passar a fazer parte da vida das empresas como regra e não como execpção e os escritórios passarem a ser só de suporte, não será a cultura empresarial posta de alguma forma em causa? Ambos os especialistas concordam que este é um desafio enorme.

Para Hernâni Andrés, a questão fundamental prende-se com a cultura já existente na empresa, antes desta pandemia. «Em organizações onde já existia uma forte cultura, com uma forte partilha de visão e de responsabilidades, vai ser mais fácil. Não tem a ver com o digital, mas sim com uma cultura que já existiam ou que vai passar a ser fomentada.»

E, neste âmbito, as lideranças desempenham um papel fundamental, «pois têm a obrigação de fomentar essa partilha e de acompanhar qual é o estado das pessoas e de as trazer para dentro da cultura da empresa. Não é por estarmos num modelo digital que isso vai deixar de existir. O digital só vai amplificar o que se faz de bem e o que se faz de mal, dando a hipótese de se modificar o que não se faz tão bem.»

Gonçalo Vilhena chama a atenção para outro aspecto muito relevante: «Pertença é muito diferente de presença, e presentismo é muito diferente de engament e de produtividade. Muitas vezes mistura-se tudo, e isso tem muito que ver com as nossas lideranças. Muitos chefes ainda acham que têm o colaborador para saber se ele está a trabalhar. A postura que o líder assume na interacção com as suas pessoas é determinante.»

 

Os dois profissionais afirmam que o digital, em si, e por si só, não é bom nem mau. Vem potenciar a transformação. Mas cabe às organizações saber onde é que querem estar daqui a 5 ou 10 anos e esse caminho tem de começar a ser feito hoje. «É feito por via da tecnologia, daí ter o nome de transformação, que traduz um processo continuo, percebendo aquilo que a empresa tem e que faz de melhor e de que forma é que a tecnologia pode vir fortalecer isso, nas relações com os colaboradores e com os parceiros. É importante a existência dessa visão e dessa estratégia.»

(re)Veja aqui, na íntegra

 

Texto: Sandra M. Pinto

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