A transformação digital do dia-a-dia
O impacto económico e social das novas tecnologias é sempre ambivalente. Por um lado, as novas tecnologias são um motor essencial do crescimento económico e do progresso social; por outro lado, também podem romper as estruturas socioeconómicas existentes e os mecanismos culturais e institucionais que as mantêm.
Por Bernardo Bello, Product Manager | Digital na Randstad Portugal, para a newsletter Tendências 360, powered by Randstad
Embora a mudança esteja sempre presente na história humana, o seu ritmo e implicações socioeconómicas não são lineares. O recente aumento da digitalização com recurso à Inteligência Artificial, a maior penetração da Internet de banda larga, o desenvolvimento da Internet das Coisas e a economia das plataformas abriram o caminho para novas formas de organização do emprego e distribuição de tarefas por toda a força de trabalho.
Plataformas digitais são uma dessas tecnologias e uma nova forma de coordenar a atividade económica. Um desenvolvimento mais recente é o uso de plataformas para a intermediação de serviços, que originou a criação de trabalho digital envolvendo uma relação de trabalho direta entre fornecedor e consumidor e uma transformação do tipo de trabalhos necessários no futuro.
De acordo com o estudo “Platform Workers in Europe – Evidence from the COLLEEM, Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia”, este fenómeno tem vindo a crescer exponencialmente. Em 2017, cerca de 10% da população total adulta já prestou algum serviço a partir de uma plataforma digital e em países como Reino Unido, Espanha, Alemanha e Portugal, a estimativa ultrapassa os 10%.
A média de trabalhadores que obtêm 50% ou mais do seu rendimento e/ou o seu trabalho ultrapassa as 20 horas semanais através da utilização de plataformas digitais, ronda os 2%. Portugal regista a segunda maior percentagem de trabalhadores nesta situação (entre 2 e 4 %), só ultrapassado pelo Reino Unido.
Portugal regista ainda a maior percentagem de trabalhadores que prestam serviços entregues fisicamente (10%) e a terceira maior percentagem de trabalhadores que prestam serviços digitais (11%). Serviços de apoio administrativo (apoio ao cliente, inserção de dados, transcrições, etc.), serviços criativos (animação, design gráfico, edição fotográfica, etc.) e serviços profissionais (jurídicos, contabilísticos, gestão de projetos ou similares) são os mais prestados pelos portugueses, que apontam a flexibilidade e autonomia como as suas principais motivações.
Se por um lado, esta transformação pode reduzir as barreiras à entrada no mercado de trabalho, facilitar o match entre a procura e as melhores ofertas e melhorar as condições de trabalho de grupos específicos (ex: pessoas com deficiência ou problemas de saúde), por outro, como o acesso à proteção laboral e social encontra-se condicionado pela qualificação jurídica das relações laborais, as condições de emprego, representação e proteção social não estão claras.
Caso este tipo de trabalho continue a crescer em dimensão e relevância, como devem as empresas reformular os seus sistemas de proteção social e laboral, tendo em conta uma maior exposição dos trabalhadores à concorrência global?
E visto que as receitas geradas por estas forma de trabalho não são ainda canalizadas através do sistema tributário padrão, resultando em renúncias fiscais e uma base tributária mais baixa, qual será o comportamento dos governos que devem potenciar todas as formas de crescimento económico mas também garantir uma eficaz redistribuição dos ganhos?
É importante que as empresas e os governos se unam no acompanhamento da evolução destas plataformas, assim como na recolha de dados que permitam uma definição mais exata das características do trabalho desenvolvido, de forma a apoiar a visão e ambições das políticas públicas a definir.