Teletrabalho. Pode ser à distância, mas implica vários direitos
O Código do Trabalho define teletrabalho como uma “prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e comunicação”. Pode ser desempenhado por quem já faça parte da empresa ou seja admitido para tal. Em ambos os casos deve haver um contrato de trabalho.
Se o contrato for escrito, prova que as partes acordaram este regime, mas a falta de um documento não significa a inexistência de vínculo. Pode, sim, complicar a sua prova, alerta a DECO.
Direito à privacidade
Quem presta serviço em regime de teletrabalho fá-lo, habitualmente, a partir de casa, o que levanta questões sobre a privacidade. Tem direito aos tempos de descanso e repouso. A entidade patronal não pode esperar que esteja disponível 24 horas por dia, 7 dias na semana. Em contrapartida, pode controlar a atividade ou os instrumentos de trabalho do empregado, por exemplo, com uma visita à residência, entre as 9 e as 19 horas.
Computador e net a cargo da empresa
O teletrabalhador tem os mesmos direitos que os colegas que se deslocam à empresa: formação, promoções e progressão na carreira, limites do período normal de trabalho e reparação de danos por acidente de trabalho ou doença profissional. O empregador deve proporcionar formação adequada para as tecnologias de informação e comunicação a usar na atividade e promover contactos regulares com a empresa e os colegas, para o funcionário não se sentir isolado.
Se o contrato nada indicar quanto aos instrumentos de trabalho, parte-se do princípio de que pertencem ao empregador, que assegura a instalação, manutenção e despesas. O funcionário só pode usá-los para trabalhar, a menos que a empresa autorize o contrário. Pode utilizar as tecnologias de informação e comunicação em reuniões fora do âmbito laboral, por exemplo, em comissão de trabalhadores.
Trabalhar 3 anos à distância
Quem trabalhava em regime “normal” pode chegar a um acordo para que o teletrabalho tenha uma duração máxima inicial de 3 anos, a menos que a empresa esteja abrangida por um instrumento de regulamentação coletiva que defina um prazo diferente. Nos primeiros 30 dias, as partes podem pôr fim a este tipo de trabalho. Quando cessar o regime, o trabalhador retoma a prestação de trabalho nas instalações do empregador ou noutras acordadas entre as partes.
Cuidar de filhos menores
O trabalhador pode pedir para passar para este regime se tiver um filho com idade até três anos, desde que a entidade patronal disponha de meios para o teletrabalho.
Violência doméstica
Há, ainda, uma situação extrema em que a solução do teletrabalho pode ser imposta: desde que seja compatível com as suas funções, o trabalhador pode exigir esta opção quando é vítima de violência doméstica, apresentou queixa contra o agressor e teve de sair da casa. É uma forma de evitar que o agressor, que provavelmente conhece o seu local habitual de trabalho, insista nas práticas violentas.
Dois casos de tabalho à distância
Lara Leite, 32 anos, trabalha numa conhecida multinacional de tecnologias de informação, a Microsoft. “Lá não há o conceito de picar o ponto, do trabalho das nove às seis”, diz. A única exigência é que o trabalho tem de aparecer feito dentro dos prazos. O resto, tempo e espaço que dedicamos à produção, está nas mãos do trabalhador, que gere o seu dia por inteiro, fora da sede da empresa. “Na verdade, trabalha-se mais”, reconhece esta engenheira informática.
A adaptação foi fácil, até porque o modelo da empresa é este há muitos anos. Sente as vantagens normalmente apontadas ao teletrabalho. E os inconvenientes, como um certo isolamento, são mitigados pelas idas regulares à empresa. “Há sempre a opção de ir ao escritório, porque gosto de estar com os colegas, pôr a conversa em dia ao almoço, por exemplo”.
O alcance global da Microsoft obriga a alguma ginástica com o tempo. Como há clientes em fusos horários diversos, é necessária alguma flexibilidade. Lara já sabe que falar com um cliente na Califórnia implica passar a conversa por Skype para a parte da tarde portuguesa, altura que coincide com as primeiras horas da manhã naquele estado norte-americano. Já se tiver de falar para a Austrália, sabe que tem a sua manhã preenchida, para apanhar o fim do dia nos antípodas.
Se o tempo é gerido de forma mais livre, será possível trabalhar ao ar livre, numa piscina, por exemplo? “Não será muito conveniente”, ri-se Lara. “Os monitores não se dão muito bem com o brilho do sol”.
O caso de Marta Canário é bastante singular. Assessora de imprensa na Novabase (empresa tecnológica), trabalha neste regime há 14 anos, por força das circunstâncias. Marta ficou de cadeira de rodas ainda na adolescência. Depois de muito tempo a trabalhar no escritório, sentada e na mesma posição, acabou por desenvolver uma escara que se descontrolou e infetou. Após um período no hospital, recuperou e, ao regressar ao trabalho, propôs à empresa passar a desempenhar as suas tarefas a partir de casa, “onde poderia ter a postura que quisesse”, para que o problema não se repetisse. “Apesar de a empresa não ter uma política rígida para este tema”, lembra Marta, e depois de se ter pensado em soluções alternativas, como uma poltrona especial no escritório, onde pudesse fazer alguns intervalos para repouso, Marta acabou mesmo por ir para casa.
Lembra-se que, no início, foi difícil. “Não tinha nenhuma referência, nenhum modelo em que me basear, para desenvolver uma disciplina de trabalho”. Não só correu bem a experiência, como o elo de confiança com a empresa, neste novo cenário, consolidou-se, reconhece Marta. “Numa primeira fase, quase senti a necessidade de provar que fazia tanto ou mais que os meus colegas”. O equilíbrio havia de chegar. “Conquistei o meu lugar na empresa e depois tive de o reconquistar”, recorda. Hoje vai à empresa duas vezes por semana, para as reuniões necessárias e outros afazeres que não consegue completar em casa, ou ainda, simplesmente, para rever colegas e chefias.