Entrevista: «O papel dos gestores tem sido de liderança, serenidade e confiança, com uma comunicação clara e transparente», diz a directora de MKT e Comunicação da Galp

Joana Garoupa, directora de Marketing e Comunicação da Galp partilhou com a Human Resources como a energética está a gerir a crise causada pela COVID-19.

 

Quando e quais as medidas prioritárias adoptadas na Galp? Como foi traçado o plano de contingência?
A Galp começou a monitorizar diariamente logo no início de Fevereiro a evolução da situação internacional em relação à COVID-19 e criou de imediato um gabinete de trabalho específico para o efeito.

À medida que fomos percebendo que a propagação do vírus teria inevitável impacto social e económico em toda a Europa, procurámos antecipar e prevenir as consequências, para as nossas pessoas e para a nossa operação. Assim, em articulação com as direcções das várias unidades de negócio da empresa, preparámos um plano de contingência interno e externo, que foi construído com três objectivos prioritários: o bem-estar e a segurança dos colaboradores; a resiliência de todas as operações e o regular funcionamento de infra-estruturas críticas para o país; e a resposta às necessidades dos consumidores e das empresas.

Ainda antes de ser declarada a pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a 11 de Março, e de o Governo português ter decidido encerrar as escolas, a 12 de Março, a Galp já tinha em vigor um conjunto de medidas de prevenção que incluíam, por exemplo, a instituição do regime de trabalho remoto desde o dia 6 de Março, e que passado uma semana abrangia já 50% dos colaboradores da Galp em instalações não industriais. Além disso, logo no final de Fevereiro adoptámos, nas diferentes geografias onde operamos, medidas de restrição e até suspensão de viagens, privilegiando a teleconferência e pondo quem regressa de áreas afectadas em regime de “home office”, com acesso à realização de exames médicos.

Posteriormente à declaração do Estado de Emergência em Portugal (a 20 de Março), a Galp passou a ter mais de dois mil colaboradores em regime de teletrabalho, ainda que com vários milhares no terreno para garantir o regular funcionamento de infra-estruturas críticas para o País – como a sua rede de postos, áreas de serviço ou refinarias.

Foi, em paralelo, adoptado um plano de resposta constante às necessidades dos consumidores, por exemplo, através do reforço de stocks nas lojas e parcerias com Uber Eats para entregas de produtos das lojas Galp em casa, aumento das respostas digitais e call centres.

Conscientes da importância do papel social e económico da Galp para o País, no imediato desenvolvemos um pacote de medidas de apoio para contribuir ao combate à COVID-19: oferecemos 30 ventiladores ao SNS, oferecemos combustível ao INEM, apoiámos mais de 500 IPSS, cancelámos os cortes no fornecimento de energia e disponibilizámos planos de pagamento específicos para cada cliente com dificuldades por causa desta pandemia. Estes apoios têm sido complementados quase diariamente.

 

E diria que estavam preparados? Tinham todos os meios para o pôr esse plano em prática? Quanto tempo precisaram para o operacionalizar?
Nenhuma empresa pode dizer que estava completamente preparada para a conjuntura que estamos a viver, dado que esta é uma situação com impactos sociais, laborais e económicos sem precedentes para a humanidade.

No entanto, os planos de contingência preparados preventivamente pela Galp, a resiliência histórica das nossas operações, a agilidade das nossas equipas e a jornada digital que abraçámos há já alguns anos dotaram-nos das ferramentas, das aptidões e da energia imprescindíveis para podermos lidar com este contexto difícil com o menor sobressalto possível.

A rapidez com que as nossas equipas e direcções passaram a trabalhar em regime de home office, assegurando a manutenção de todas as operações em curso sem disrupções no fornecimento de energia ou na relação com todos os nossos clientes, fornecedores e stakeholders é o exemplo máximo do know how e da preparação que tínhamos.

Em poucos dias tornaram-se rotina os contactos diários e reuniões por videoconferência com todas as equipas directivas e gestores de infraestruturas Galp, para monitorizar em detalhe a evolução do contexto da pandemia. E todos os processos de agilização de operações no terreno ou de gestão de pessoas acabaram por normalizar rapidamente. Ou seja, estávamos tão preparados quanto é possível estar numa situação destas.

Dada a utilização diária de várias plataformas e ferramentas digitais, estamos a promover e recomendar momentos para contacto com essas ferramentas, tais como o Teams ou o OneDrive e sessões de formação online. Inclusivamente, além da formação dita tradicional, desenvolvemos sessões de meditação online por exemplo. Temos várias iniciativas internas que pretendem sensibilizar as equipas e as lideranças, para uma gestão cuidada deste tema. Inclusivamente lançámos uma linha de apoio psicológico para ajudar as nossas pessoas a encontrarem o seu equilíbrio.

 

O que foi mais difícil gerir? Assegurar os meios para a empresa continuar a funcionar com a normalidade possível ou gerir a ansiedade criada nas pessoas?
Sendo este um momento sem precedentes para a humanidade, o mais importante no primeiro momento foi tranquilizar as nossas pessoas, garantir que estavam numa zona de segurança e que estaríamos juntos na resposta a um desafio tremendo, que colocava à prova toda a nossa capacidade de rápida adaptação.

Como referiu o nosso CEO numa comunicação interna enviada para todas as pessoas da Galp, raramente a palavra “resiliência” teve um significado tão real e o sentido de solidariedade comunitária uma importância tão elevada. Este é também, por isso, um tempo em que a combinação de bom senso e serenidade com disciplina e consistência é vital para conseguirmos bater um inimigo silencioso mas que coloca em causa a nossa forma de vida tal como a conhecemos até hoje.

Por isso, além de combater ou gerir a ansiedade, o nosso foco esteve no apelo à serenidade, sublinhando que este é um tempo de responsabilidade para com todos os que nos rodeiam. É um tempo de cidadania, que começa em nós mesmos, no comportamento que adoptamos.

Dentro de casa, este “novo normal” enfrenta-se com a manutenção de rotinas e organização da agenda, o bom uso da tecnologia e das ferramentas disponíveis e o reforço do contacto entre chefias, equipas e colegas, mesmo quando esses contactos não parecem necessários. Neste novo paradigma importa também trabalhar, como já disse, o equilíbrio, daí a linha de apoio psicológico para os colaboradores e outras iniciativas, e também o “desligar”. Recomendamos que os colaboradores definam um local de trabalho nas suas casas e que realizem os mesmos horários, pausas incluídas.

 

O que considera fundamental na gestão de uma situação de crise como esta?
Além de todas as questões operacionais e logísticas que precisam de ser asseguradas numa grande corporação como a Galp, é também fundamental ter um conjunto de aptidões que garantam a normalidade das interacções internas e externas: comunicação, solidariedade, proximidade, empatia, agilidade e capacidade de adaptação.

Por mais exigentes que fossem os testes de stress, os protocolos de actuação ou os cenários de prevenção trabalhados internamente, ninguém consegue ter uma equipa de quase sete mil pessoas e uma relação diária com milhões de clientes e milhares de fornecedores totalmente preparada para responder de imediato a um contexto tão disruptivo como aquele que estamos a viver.

 

Qual o papel que a área de comunicação assumiu na gestão desta situação?
Com dois mil colaboradores em teletrabalho e com vários milhares na linha da frente nas várias geografias, o papel dos gestores tem sido de liderança, de serenidade e de confiança, com uma comunicação clara, transparente e um rumo definido.

A missão é muito clara: todos somos essenciais na contribuição para minimizar os riscos e impactos que estamos a enfrentar e devemos agir de acordo com essa responsabilidade. Só dessa forma poderemos garantir a continuidade da actividade da empresa e o bem-estar de todos os que contam connosco. Temos promovido uma comunicação de proximidade com as ferramentas disponíveis procurando garantir alinhamento e feedback. Uma comunicação personalizada, mensagens do CEO por vídeo e até mesmo o uso das redes sociais fazem parte das abordagens para passar serenidade e reconhecimento pelo empenho extraordinário de todos.

 

E quando a crise passar, já conseguem antever algumas consequências?
Ainda é cedo para ter uma noção detalhada e concreta do impacto económico desta crise na operação da Galp. Há muito nevoeiro sobre o futuro. Mas sabemos que, embora o impacto seja necessariamente considerável, estaremos preparados para lidar com ele.

 

Inadvertidamente, acabou por se criar a maior experiência de trabalho remoto de sempre no mundo. Acha que, quando tudo passar, alguns hábitos vão mudar?
Provavelmente não haverá, como muitos ainda anseiam, um “regresso à normalidade”. Aos poucos teremos de despertar para essa possibilidade. Vamos ter de construir um “novo normal”, num contexto que ainda desconhecemos na sua globalidade.

Mudaremos seguramente as nossas rotinas de trabalho, nem que seja pelo facto de, até agora, o regime de teletrabalho representar menos de 1% do total de trabalhadores por conta de outrem, e agora estar em valores que rondarão os 80% ou 90%. Isso vai ter seguramente um impacto que perdurará no futuro. Teremos também de lidar provavelmente com novos modelos de economia, novas formas de organização dos Estados ou de protecção social, novas formas de gestão e até novos paradigmas de relação entre as pessoas.

 

Esta entrevista faz parte do tema de capa da edição de Abril da Human Resources, nas bancas.

Ler Mais