Escritórios do futuro: espaços de experiência, onde os colaboradores vão desejar trabalhar

A pandemia causada pela Covid-19 veio impactar o segmento dos escritórios. Com um investimento crescente em 2019, o sector vê-se agora perante inúmeros dilemas, como refere em entrevista exclusiva à Human Resources, Duarte Cardoso Ferreira, director de Building Consultancy da CBRE.

Por Sandra M. Pinto

 

O recurso a ferramentas como a utilização da tecnologia, trabalho remoto,
novas formas de contacto e de gestão de processos e de recursos permitiram
uma rápida adaptação à nova realidade, sublinha Duarte Cardoso Ferreira,
prevendo que «as empresas vão reinventar os seus espaços
para acolher as equipas. Os “novos escritórios” vão tornar-se mais num lugar de experiência, onde os colaboradores vão desejar trabalhar e sentir que a colaboração flui melhor num espaço comum», acredita.

 

Como veio esta pandemia veio alterar o futuro dos escritórios?

O segmento dos escritórios revelou-se bom em 2019. Mesmo considerando a escassez dos espaços face à procura, houve uma boa absorção de escritórios – cerca de duzentos mil metros quadrados – e um interesse considerável manifestado pelos investidores neste sector, com investimentos de cerca de mil e cem milhões de euros em escritórios. A nossa expectativa era assistir à continuidade deste comportamento em 2020.

A Covid-19 veio efectivamente impactar este segmento, embora haja muitas transacções de ocupação que prosseguem, nomeadamente, as que envolvem grandes empresas multinacionais que mantêm os seus planos de ocupação de edifícios. Há naturalmente outros casos, em que essas decisões ficaram em stand by, até porque a pandemia nos trouxe novas formas de trabalhar, como o trabalho remoto, e estas serão provavelmente olhadas de outra maneira no futuro. No decorrer deste ano e enquanto as medidas impostas pelo Governo ainda se mantiverem activas, acreditamos que as empresas operarão com alguma reserva. Com o levantamento das medidas, acreditamos que lentamente as empresas vão retomar as suas decisões e o negócio vai mostrar sinais positivos.

 

De que se estão eles e as empresas a moldar à nova situação?

Neste contexto extraordinário, as empresas tiveram de pensar rapidamente em novas maneiras de dar resposta às necessidades impostas.

A utilização da tecnologia, as ferramentas de trabalho remoto, novas formas de contacto e de gestão de processos e de recursos permitiram uma rápida adaptação à nova realidade. Na CBRE, por exemplo, desenvolvemos de imediato uma plataforma online (https://www.cbre.com/covid-19), criada por especialistas da empresa, onde partilhámos diariamente informação com clientes e parceiros, comprometendo-nos com uma postura informativa, pautada por conteúdos sólidos e credíveis. Paralelamente, “flash calls” com experts de várias regiões e sectores, passaram a apoiar também os clientes no esclarecimento e resposta às suas questões.

Desta forma, procurámos manter o flow de trabalho o mais dinâmico possível, sem abdicar da segurança e bem-estar dos nossos colaboradores, mantendo a resposta contínua aos nossos clientes.

 

Uma das consequências da pandemia foi comprovar que o teletrabalho funciona. Considerado um benefício para os colaboradores, será que vai retirar metros aos escritórios?

Tal como referido, a pandemia revelou novas formas de trabalhar, recriando o modelo de trabalho remoto e gerando novas formas de organização e de gestão. O que acreditamos é que, no futuro, esta realidade será olhada de outra forma, originando também uma reconversão dos espaços de escritórios e em alguns casos uma eventual revisão das áreas com reduções pouco expressivas, na ordem dos 10 a 15 por cento.

 

Irá o teletrabalho durante o período de pandemia acelerar a tendência de redução do número de workstations (postos de trabalho fixos)?

A mudança de paradigma trazida pela pandemia para o mercado de trabalho de hoje está orientada para uma crescente cultura de mobilidade, que terá vários efeitos e consequências, inclusivamente, na morfologia do espaço físico dos escritórios. Hoje, milhares de portugueses trabalham a partir de casa e isso está a empurrar as empresas para uma rápida adaptação. As tendências futuras do workplace e da flexibilidade do trabalho são incontornáveis. Mesmo as empresas que não estavam ainda preparadas vão certamente reinventar-se e flexibilizar-se para assegurar os seus negócios e, acima de tudo, reter os seus talentos. De acordo com os nossos estudos, as mudanças mais interessantes estarão relacionadas com os recursos humanos, nomeadamente com a redefinição dos recursos permanentes em teletrabalho, o que não significa que estes colaboradores não utilizem o escritório. A interacção sempre foi crítica na actividade empresarial para o desenvolvimento de relacionamentos, para a promoção da confiança, de uma cultura colaborativa e da inovação. Haverá, no entanto, novas formas de os colaboradores interagirem com o espaço de trabalho nas empresas, espaço esse que perderá rigidez e se orientará seguramente mais para a valorização do pensamento criativo, da co-criação e da realidade digital.

 

Significa isso uma redução na área ocupada pelas empresas?

Não acreditamos que essa redução seja representativa, até porque numa primeira fase, serão necessárias áreas maiores para responder às medidas de distanciamento social e numa segunda, para a reconversão dos espaços de trabalho, para contextos mais flexíveis e espaços de well being e colaboração para os colaboradores, uma necessidade que acreditamos estar já no horizonte de muitas empresas.

 

O que procuram as empresas para adaptar os espaços de trabalho?

De acordo com os nossos estudos, prevemos que as empresas vão reinventar os seus espaços para acolher as equipas, criando verdadeiros experience hubs, onde é possível encontrar zonas com diferentes finalidades, quer de trabalho, quer de lazer, de bem estar e de colaboração, tudo para que o escritório se torne num espaço mais vivo, atrativo e natural, que gera empatia, compromisso e cultura corporativa.

As organizações devem investir em tecnologia intuitiva para elevar a jornada do colaborador no edifício. A reconversão dos escritórios vai transformar as sedes numa espécie de Company Clubs, em que os colaboradores, trabalhando remotamente ou não, são club members, sendo certo que é lá o local de preferência para se encontrarem. A pandemia acelerou o teletrabalho e esta será uma realidade que irá marcar a actividade empresarial nos próximos anos, no entanto, as sedes das empresas continuam a assumir um papel fundamental, para o negócio das empresas.

 

Assistiu-se a um aumento na procura de soluções de videoconferência e outras formas alternativas de reuniões. Que consequências podem daí advir?

Estas ferramentas surgiram como solução para dar resposta às novas necessidades criadas pela pandemia. Considerando a adopção destas práticas daqui para o futuro, prevemos um eventual aumento da procura de soluções de videoconferência e de outras formas alternativas de reuniões, resultando num eventual  crescimento da procura de empresas de telecomunicações e tecnologia que fornecem esse tipo de serviços.

 

Na sua visão como vão ser os “novos escritórios”?

Acreditamos que ao longo da próxima década os “novos escritórios” vão tornar-se mais num lugar de experiência, onde os colaboradores vão desejar trabalhar e sentir que a colaboração flui melhor num espaço comum. A CBRE prevê que sejam espaços flexíveis e que continuem a surgir perto de ginásios ou centros comerciais, núcleos urbanos e localização de clientes. Deverão ainda envolver comodidades como acesso fácil a comida e bebidas, espaços de reunião altamente tecnológicos e até espaços de convívio.

Prevê-se ainda uma maior procura de edifícios com características de sustentabilidade, qualidade do ar, sistemas de ventilação e bem-estar, assim como um aumento de certificações LEED e WELL. Com o passar do tempo, as organizações farão investimentos em elementos “sem toque”, convertendo o dia do colaborador numa jornada mais digital.

Nos espaços de coworking o conceito de hotelização será ainda mais evidente, pois estes acolhem comunidades tecnológicas, criativos e empreendedores. A hotelização deste tipo de espaços passa por oferecer serviços de babysitter, fitness ou até mesmo parcerias bancárias para empréstimos comerciais. O design inventivo também será determinante pois o mercado do trabalho conta com utilizadores que valorizam a narrativa dos edifícios e querem apaixonar-se pelos espaços. Assim, é natural que a hotelização nos edifícios de escritórios surja também como uma ferramenta de retenção de talento.

 

De que forma se enquadra esta questão no contexto actual do mercado imobiliário em Portugal?

Acreditamos que esta tendência das novas formas de trabalhar irá também impactar a nova construção residencial a nível mundial: o “escritório em casa” irá levar a um maior interesse pelo design. Se há compradores que simplesmente desejam um sofá confortável onde possam utilizar os seus laptops, outros vão querer uma sala com um cenário agradável para uma videoconferência, uma porta interior para uma pequena estação de trabalho ou uma área específica de uma divisão dedicada ao teletrabalho.

 

Olhando para a crise que se instalou, como acha que vai ser a recuperação?

A CBRE acredita que após uma quebra inicial que se tem feito notar de forma transversal a todos os segmentos do imobiliário, haverá uma recuperação no curto-médio prazo que poderá ser rápida em alguns segmentos. Prevemos ainda que as decisões de investimento em curso vão ser retomadas e as negociações irão concretizar-se, pois este contexto extraordinário, contrariamente à crise de 2008, não é provocado pela falta de liquidez, ou por uma bolha especulativa.

 

Apesar da incerteza é previsível que as decisões de investimento em curso voltem assim como os planos de expansão das empresas?

Apesar dos efeitos da pandemia que afectaram o desenvolvimentos de processos e fechos de transacções, nomeadamente, internacionais, bem como o impedimento da realização de visitas, devido às medidas restritivas impostas, a maioria dos investidores mantém o interesse nos negócios em curso, pelo que prevemos o desenvolvimento e fecho dos processos, com a retoma à normal circulação, no curto-médio prazo. Por outro lado, diversos players têm indicado ter capital disponível e vontade de investir, estando capacitados para intervir na aquisição de activos mesmo nesta fase.

Num cenário de inicio de recuperação nos próximos três meses, prevemos que se registe um volume de investimento inferior aos 3 mil milhões de euros verificados nos dois últimos anos, mas muito superior aos 1,3 mil milhões registado em 2007, o melhor ano antes da crise financeira global.

 

 

 

 

 

 

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