DCM | Littler: Uma lei laboral realmente actual?
David Carvalho Martins, managing partner da DCM | Littler, reflecte sobre as recentes actualizações da legislação laboral em Portugal e levanta questões cada vez mais prementes nos novos paradigmas de trabalho implementados.
As novas leis do teletrabalho, o direito à desconexão, o regresso ao escritório, o trabalho no metaverso e a remuneração em criptomoedas são algumas das questões que urgem no contexto laboral e que precisam de ser objecto de foco e ponderação. Consequência da pandemia, um dos temas em grande destaque é, naturalmente, o novo regime de teletrabalho, que levanta ainda algumas questões face ao que são as verdadeiras necessidades ou definições do próprio conceito de teletrabalho. «Existe, desde logo, uma diferença sensível. O que é o teletrabalho? O que é o trabalho à distância? Se calhar devíamos ter pensado não numa noção de teletrabalho, mas numa noção de trabalho à distância. Existem várias modalidades de trabalho à distância. Esse é o primeiro aspecto. O segundo aspecto é que a nossa lei não distingue trabalho à distância a tempo inteiro, trabalho híbrido ou de apenas algumas horas», refere David Carvalho Martins.
Assim, outros pontos se levantam e exigem maior definição numa regulação demasiado generalista, como o regime dos tempos de trabalho, obrigatoriedade dos exames anuais de saúde ou o reembolso do acréscimo de despesas. «Em matéria de teletrabalho, a opção do legislador foi criar um regime de teletrabalho muito denso, com o objectivo de regular quase tudo. Tem algumas medidas positivas, naturalmente, mas se calhar devia ser pensado […] e deixar algum espaço às empresas para também poderem regular essa matéria, assim como aos sujeitos colectivos e à contratação colectiva», acrescenta.
Além do teletrabalho, a pandemia da COVID-19, trouxe outros paradigmas e, ao mesmo tempo, novos desafios e oportunidades, para os quais o managing partner da DCM | Littler chama a atenção: «Há alguns desafios que deveriam ser pensados de uma forma um pouco mais cuidada. Uma das questões é a compatibilização da vida pessoal e da vida familiar, que é absolutamente fundamental. Outro é pensar que o local de trabalho já não é o mesmo de há dois anos e como é que tudo isto se pode articular da melhor forma para todos. […] Isto deveria ter sido pensado como uma forma de combate à desertificação do interior. Se pudermos pensar numa legislação de trabalho à distância, que permita que as pessoas trabalhem de facto a partir de qualquer local, um dos problemas que temos – a excessiva concentração das pessoas no litoral, entre Lisboa e Porto – podia ser desanuviado e existir melhor qualidade de vida nessas zonas. Podemos falar também dos nómadas digitais, […] será que temos uma legislação que seja amiga deste tipo de trabalhadores?»
Como a própria História o denuncia, qualquer revolução tecnológica altera a sociedade e, nesse sentido, a tecnologia, a inteligência artificial e as relações laborais foram outros dos pontos abordados. Como é que a tecnologia pode ajudar o universo laboral? «Temos de pensar como é que a tecnologia pode ser reconhecida e recebida pela legislação laboral, mas tendo em atenção que estamos a falar de trabalhadores, de pessoas que têm a sua própria individualidade que é importante ser salvaguardada». Neste contexto, David Carvalho Martins vai ainda mais longe e levanta outras questões: «O Metaverso também pode ter relevância na matéria laboral? Até que ponto, daqui a uns anos, muitas das relações laborais ocorrerão numa realidade paralela virtual? E o pagamento de remunerações em criptomoedas? É ou não admissível? Como é que se processa?»
São diversas as questões que exigem ponderação e novas respostas, adaptadas à realidade e à particularidade dos casos, e tendo em conta o panorama nacional, mas também a apetência de Portugal por empresas estrangeiras. «Não sei se temos, neste momento, um quadro regulatório que seja o mais apropriado para que as empresas e trabalhadores se possam adaptar e, sobretudo, para que possamos acumular e receber empresas estrangeiras que estão a vir para Portugal, pois temos estabilidade e bom clima, mas acima de tudo temos bons técnicos e pessoas bastante qualificadas. Temos de aproveitar isso, criando condições através da legislação laboral para que seja viável trazer mais empresas e mais investimento para Portugal, e esse será o principal desafio», confirma David Carvalho Martins.
Este artigo foi publicado na edição de Maio (n.º 137) da Human Resources.
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