Um outro admirável mundo novo, vigiando a liberdade e a humanidade
“Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley é uma parábola fantástica sobre a desumanização dos seres humanos. Como é registado numa das sinopses do livro, é uma utopia negativa, em que o Homem é subjugado pelas suas próprias invenções. Lê-se, ainda, que “a ciência, a tecnologia e a organização social deixam de estar ao serviço do Homem, mas tornam-se… donos do Homem!”.
Por António Saraiva, Business Development manager – ISQ Academy.
Se bem que publicado em 1932, o autor situa-se numa Londres de 2540, antecipando desenvolvimento de tecnologia reprodutiva, manipulação psicológica e uma realidade opressora. Questiona fortemente crenças e valores sociais. Sem dúvida que é uma obra que gera desconforto, mas simultaneamente induz uma forte reflexão, apelando mesmo a uma introspecção sobre o futuro. Futuro esse que o poderíamos considerar… hoje!
Mas ultrapasse-se o carácter negativo, em particular de toda uma transição digital em curso. Não podemos escamotear a realidade de que a Inteligência Artificial (IA) será claramente omnipresente, integrada em quase todos os dispositivos, sistemas e processos. É hoje claro que a IA transformará a forma como vivemos e trabalhamos. Sem dúvida que desempenhará um papel determinante na resolução de desafios complexos, como é o caso das alterações climáticas, nas epidemias e outros surtos sanitários, assim como na escassez de recursos. Mas a verdade é que ainda estamos a incorporar as suas valências, oportunidades e impactos.
É um momento de aprendizagem de um futuro que já começou! A aprendizagem será realizada através de experiências imersivas e interactivas, com recurso à realidade virtual e aumentada. Provavelmente teremos salas de aula mais globais, com partilha e colaboração por todo o mundo em tempo real. Mais que nunca, o conceito de aprendizagem ao longo da vida está presente, com recurso a plataformas alimentadas por IA, adaptadas às necessidades e interesses de cada um. Mais interessante e relevante é que permitirá um desenvolvimento contínuo de competências e, logicamente, de transições de carreira.
Mas há uma perspectiva já em curso e que se revela com impacto maior no futuro: uma atenção especial sobre a flexibilidade laboral. Os avanços referenciados na realidade virtual e aumentada consignam uma comunicação contínua à distância. Desta forma, a automação e a IA assumem muito do que é rotineiro, potenciando e libertando as pessoas para trabalho mais criativo e estratégico, consolidando uma maior lógica de existência de trabalho remoto, com características híbridas.
Apesar do receio de que a transição digital possa impactar negativamente nas organizações, em particular desarticulando as relações que se consideram fundamentais do ponto de vista do equilíbrio emocional das pessoas, a verdade é que todo e qualquer desafio e oportunidades, certamente exigirão níveis de cooperação elevados. Por isso, existe um desafio enorme em não se corromperem as lógicas de humanização.
Há um factor relevante que passa justamente de colocar em conjunto lógicas de reflexão e acção partilhadas, em que o elemento humano é vital. Poderemos aqui encontrar uma nova ordem global que gere novos e mais enriquecedores diálogos. Se bem que as crises actuais, os vários teatros de guerra existentes, possam induzir uma lógica negativa, a verdade é que a (sobre)vivência de futuro exigirá parcerias, criação de diálogo e busca incessante de padrões éticos e morais de relevo.
A tal utopia negativa, a parábola da desumanização de Aldous Huxley, poderá ter outros contornos, através de uma vigilância constante do preço da liberdade e da humanidade, assim a assumamos como compromisso.