RH – Recuperar Humanidade

Por Raul de Orofino, actor, orador, professor de inteligência emocional e keynote speaker

 

Adoro a tecnologia e a sua evolução. Hoje conseguimos falar com pessoas em outros países, outras cidades e até na mesma cidade de forma rápida, inclusive, se quisermos, olhando para elas no momento presente. O mundo digital é fantástico e abriu-nos muitas portas na maneira de vivermos as relações pessoais e profissionais.

Durante a pandemia, a comunicação online fortaleceu-se. Muitas pessoas não dominavam essa nova maneira de trabalhar, tiveram de aprender. Cheguei a dar cursos sobre a “A arte de falar online”, transmitindo ferramentas aos trabalhadores para que a comunicação fosse refinada e todos continuassem produtivos. Lembro que durante muitas reuniões, várias pessoas queixavam-se pois alguns colegas desligavam as suas câmaras para não serem vistos, o que causava desconforto para quem falava. As barreiras foram superadas, hoje a comunicação digital é uma ferramenta presente.

A pandemia terminou, mas percebo claramente que ainda hoje existem sequelas dela, principalmente na forma de as pessoas comunicarem, seja na vida pessoal ou profissional. Nas relações presenciais, a falta de paciência, a intolerância e a arrogância cresceram. Isto já existia antes da pandemia, mas numa escala menor. Tenho escutado através de líderes de empresas histórias de pessoas que dizem de forma clara para o líder: “Não quero trabalhar de forma presencial todos os dias, e ter de olhar na cara daquele tipo que não gosto, e sei que ele também não gosta de mim!”. A equipa da direcção do escritório de advogados de renome contou-me que tem receio de perder a identidade da empresa, porque a maioria recusa-se a voltar à convivência diária onde as ideias poderiam ser mais bem trocadas.

Algumas empresas multinacionais obrigaram os colaboradores a voltar a trabalhar presencialmente três vezes por semana, pelo mesmo motivo do medo da perda de cultura/identidade que é feita pelas relações das pessoas. Mesmo muitos voltando a trabalhar presencialmente, nota-se que a comunicação entre as pessoas está repleta de ruídos o que afecta negativamente a produtividade. E fica claro como a intolerância e a arrogância estão fortes e instaladas, tanto nas equipas, como nas lideranças e nos outros sectores.

A maneira automática de se viver expandiu-se, na forma de cumprir as tarefas na vida pessoal e profissional, e aí o verbo escutar é praticado de maneira deficiente. Já presenciei, nas empresas, pessoas a discutir concordando em quase tudo, dizendo praticamente as mesmas coisas, mas comportando-se como se a outra pessoa estivesse a dizer o contrário do que o outro dizia, por não se escutarem.

Muitos dizem: “Já sei o que ele vai dizer, como vai comportar-se”, como se não houvessem surpresas nas relações, como se as pessoas fossem sempre óbvias, mas o que acontece muitas vezes é que aquilo que a pessoa pensa emocionalmente sobre o outro, entra no momento da conversa de um assunto profissional. Essa “opinião subjectiva” não tem nada a ver com a questão do trabalho. O exercício da inteligência emocional nas relações praticamente não existe, muitas vezes o ambiente de trabalho torna-se tóxico e, em muitas famílias, as relações estão mornas e/ou desgastadas. Muitas pessoas já não sabem falar umas com as outras e a confiança perde-se aos poucos, o que é fundamental nas relações humanas. Vivemos uma crise de humanidade na vida profissional e pessoal.

Gosto da palavra crise, pois essa palavra vem do grego crisis, que significa transformação. Então, este é o momento de transformarmos e de reinventarmos as nossas relações. Para isso acontecer, imediatamente temos de voltar a ouvir as pessoas, mesmo aquelas que achamos que conhecemos muito bem, pois todos nós somos seres humanos com surpresas.

Se venho para o trabalho irritado porque discuti em casa, venho de uma forma, se o meu filho diz “amo-te”, venho de outra. Claro que essa pessoa não irá contar isso ao colega de trabalho. Mas se tivermos a paciência de olharmos a forma como a pessoa conversa connosco, no momento presente, sentiremos algo diferente nela, mesmo quando a conhecemos há muito tempo.

Há anos que digo nas minhas Formações de Inteligência Emocional que a forma como a pessoa nos ouve calada é a forma como a pessoa nos fala. O simples exercício de voltar a ouvir pode fazer-nos recuperar as nossas relações e retirarmos as pessoas das caixas em que as colocamos: “o tipo X é assim, o tipo Y é assado”. Podem até ser como achamos, mas são muito mais do que isso!

É fundamental olharmos para as pessoas quando elas falam e termos paciência e calma para ouvi-las. Ao praticar isso, perceberá também como o som das palavras que diz entra nos olhos das pessoas. Experimente dizer a mesma frase a um grupo de cinco pessoas ao mesmo tempo, numa reunião. Cada um ouvirá de uma forma. E deve perceber como cada um o escuta, isso tornará a comunicação viva, e a reunião tornar-se-á mais produtiva.

Conheço pessoas que redescobriram as relações na vida pessoal e profissional quando romperam a maneira automática de falar e de responder às pessoas. Podemos reinventar a nossa forma de comunicarmos uns com os outros para sermos mais humanos, seja em casa ou no trabalho. É o momento de recuperarmos a humanidade nas nossas relações.

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