AWE, uma alegoria para intraempreendedores, Vamos escapar da caverna?
Platão já explicou há algum tempo, mas podemos transpor as analogias, as metáforas e as imagens para a actualidade. A Alegoria da Caverna representa a transição da ignorância para o conhecimento, e essa jornada pode ser compreendida no contexto actual das empresas, no qual o awe (ou deslumbramento) desempenha um papel crucial na mudança da percepção e na abertura para a inovação.
Por Rita Oliveira Pelica, Chief Energy Officer da ONYOU & Portugal Catalyst – The League of Intrapreneurs
Na alegoria, Platão descreve prisioneiros confinados numa caverna, limitados a ver apenas sombras projectadas nas paredes, acreditando que essa é a única realidade existente, com a rotina do usual e do que é familiar. Estes prisioneiros estão num estado de “unknown unknowns” – pois desconhecem a existência de um mundo maior e mais complexo além das sombras.
Esta condição pode assemelhar-se, metaforicamente, à situação de alguns colaboradores dentro das organizações, nas suas “bolhas” ou “quintinhas” (equipas? empresas?) que operam em sistemas fechados e rígidos, sem se aperceberem de oportunidades para explorar, ou quiçá até criar. Lá fora, o sol pode brilhar ou pode estar a chover; lá dentro, é “apenas mais um dia no escritório”.
Quando um prisioneiro “escapa” da caverna (tem a ousadia?) e é exposto ao mundo exterior (os outros departamentos? outras empresas dentro e fora do sector?), pode experienciar um momento de awe. Este deslumbramento surge do confronto com algo vasto e extraordinário, levando a um processo de acomodação cognitiva – uma adaptação mental necessária para integrar essa nova realidade. Este momento pode ser comparado à transição de “unknown unknowns” para “known unknowns”: o indivíduo agora reconhece a existência de um mundo maior e percebe que há conhecimento que ainda não tem. Compreende, de igual modo, que há conhecimento que tem, mas do qual ainda não tinha tomado consciência, porventura, o “unknown knowns” (agora já sabe que alguma coisa sabe).
No intraempreendedorismo, esta experiência de deslumbramento pode ser desencadeada por visões inspiradoras, “boas conversas”, pela exposição a novas tecnologias ou “boas práticas”, ou pela transformação organizacional. Emoções como o awe fazem com que os colaboradores questionem o status quo, permitindo-lhes ver novas oportunidades de inovação ou de melhoria contínua e mudando o seu foco de actividades rotineiras para a criação de valor dentro da empresa: a criatividade a aguçar a eficiência e a eficácia.
No entanto, esta jornada de descoberta não é apenas cognitiva; envolve também o desenvolvimento de competências. Quando o intraempreendedor começa a perceber “o jogo das possibilidades”, entra num estado de incompetência consciente, pois sabe que existem coisas que precisará de aprender para aproveitar essas novas oportunidades. Esta fase reflecte a passagem de “known unknowns” para “known knowns”.
Inicialmente, os colaboradores podem estar numa fase de incompetência inconsciente – não sabem o que não sabem e, por isso, não agem para mudar. Porém, ao serem expostos a experiências de awe, passam a incompetentes conscientes: reconhecem as suas lacunas e começam a trabalhar para as superar, desenvolvendo competências. À medida que adquirem experiência, movem-se para a competência consciente e, num último patamar de aprendizagem, para a competência inconsciente, que é como quem diz, “fazem as coisas com uma perna às costas”, mas no bom sentido.
Ferramentas como a inteligência artificial, a realidade aumentada e a e a realidade virtual são catalisadores modernos que proporcionam momentos de awe dentro das organizações, ajudando os colaboradores a “ver a luz” e a ficarem mais “on”. No entanto, nem só de tecnologia vivem os intraempreendedores; mesmo em modo “off”, numa mesa de mistura, entre cafés e almoços, as experiências analógicas podem ser “iluminadoras”.
Contudo, assim como na alegoria, quando o prisioneiro volta à caverna para partilhar o que viu, enfrenta resistência. O intraempreendedor que vivenciou o awe, e agora percebe as oportunidades que os outros ainda não vêem, pode enfrentar barreiras ao tentar implementar as suas ideias inovadoras.
Neste sentido, é fundamental que as organizações promovam uma cultura de awe, criando um ambiente que encoraje a exploração, a aprendizagem e a inovação.
Tal como a Alegoria da Caverna representa o despertar para o conhecimento e para a “luz”, o awe nos tempos actuais representa o despertar para o potencial criativo e transformador dentro das organizações.
É certo que precisamos da sombra para reconhecer a luz. E da luz para vermos as oportunidades. Será o awe a chave para tirar as pessoas das suas “cavernas”? Há quanto tempo não sai da sua?
Este artigo foi publicado na edição de Outubro (nº. 166) da Human Resources.
Caso prefira comprar online, tem disponível a versão em papel e a versão digital.