Quanto vale o tempo passado no emprego?
A sociedade, baseada na crença irracional de “trabalhar por trabalhar”, reconhecendo que a maior parte dos empregos em pouco engrandecem o ser humano, afasta-nos de uma ideia de propósito e, consequentemente, do bem-estar.
Por Paulo Vieira de Castro, director do departamento de Bem-Estar nas Organizações do I-ACT – Institute of Applied Consciousness Technologies (EUA)
Para justificar as horas passadas nas organizações como tempo de bem-existir façamos uma pergunta: imagine que tem 24 horas de vida. O que faria com esse pouco tempo que lhe resta? Não encontrei um único exemplo que tivesse referido o tempo de trabalho como fazendo parte da lista de prioridades perante tal desafio. Então, por que razão a vida profissional é, tantas vezes, entendida como o horário nobre das nossas vidas?! O que é que isso tem a ver com um tempo de bem-estar, propiciador de carácter?
O fim do emprego como obrigação social
Por exemplo, desde 2014 que a Gallup vem alertando para o facto de a grande maioria dos norte-americanos não sentirem que o seu trabalho lhes proporciona envolvimento de propósito integral. Segundo David Graeber, da London School of Economics, citado pelo site World Economic Forum, muitos são os funcionários que consideram as suas tarefas do dia-a-dia de trabalho desnecessárias, trazendo-lhes isso avultados danos morais e anímicos.
Aliás, ainda há pouco tempo, a propósito do Dia Internacional da Felicidade, perguntei: se a maioria dos portugueses não é feliz no local de trabalho, então por que há cada vez mais pessoas a necessitar de um trabalho para ser feliz? Não obtive resposta. E com isso o bem-estar esvai-se.
Rutger Bregman, historiador, considera que a falta de sentido na grande parte dos empregos se tornou num dos maiores tabus dos tempos modernos, propondo o fim da actual definição de trabalho humano. Em alternativa, sugere um rendimento incondicional.
Concluindo, não será a Inteligência Artificial que ficará com os nossos empregos; é o próprio modelo de trabalho contemporâneo que está esgotado. Todos deveriam desempenhar nos seus empregos tarefas concretizadoras e com sentido. A questão a este respeito é: será que as nossas organizações estão preparadas para enfrentar tal desafio?
Um caminho…
Há já alguns anos que proponho a leitura de obras sobre Ikigai. Para esta filosofia japonesa, um dos erros mais comuns na sociedade actual está no definir o ser humano numa perspectiva utilitarista, ou seja, neste caso, através da alienação pelo trabalho. Aqui a proposta é o fim do emprego visto como obrigação social. Os seguidores do Ikigai buscam no trabalho a humanidade, a exigência de sentido pleno e de satisfação no que o emprego nos proporciona. Com o intuito de uma vida significativa e com elevado sentido existencial, na procura da transformação e da realização do nosso potencial humano, como poderemos aplicar esta filosofia? Através das perguntas correctas. Primeira: O que é que eu gosto mesmo de fazer? Segunda: Poderei vir a ser uma referência nessa área? Para o Ikigai esta pergunta não está ligada com aquilo a que no Ocidente chamamos sucesso, ou reconhecimento exterior. Aqui, eles referem-se ao sentido da excelência e grandeza nesse desígnio. Terceira pergunta: Posso ser pago para o fazer? É fundamental fazer o que se ama com excelência, pois só assim estaremos a cuidar de nós próprios e dos outros, capitalizando esse talento rumo ao bem-estar de uma equipa. Quarta e última pergunta: Terá isso um resultado positivo para um mundo melhor para todos?
Com tal alinhamento de trajectória pessoal e profissional, expandimos a visão de propósito comum de uma comunidade. Ainda, deveremos patrocinar a cultura da cooperação, nunca a da competição, gerando sinergias através de comunicação empática, não violenta. Assim, incrementamos o valor do tempo passado no trabalho.
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