Flash Talk: A felicidade no trabalho para além do salário

Reter talento pode ser um verdadeiro desafio. O salário é importante, mas já não é tudo. Manter os colaboradores felizes e realizados pode ser o desafio máximo, já que felicidade e produtividade andam de mãos dadas. Com isso em mente, Critical TechWorks tem directoras para a Felicidade.

 

Por Ana Rita Rebelo

Na prática, a Critical TechWorks (CTW), joint venture da Critical Software, está a implementar um conjunto de iniciativas, das quais fazem parte a construção de local de trabalho atractivo, a ausência de hierarquia, a flexibilidade, o feedback e transparência, a promoção de work-life balance, a celebração de grandes e pequenas vitórias e momentos de descontracção.

Em entrevista à Human Resources, Maria Kölle e Madalena Marinho, directoras para a Felicidade da CTW, em Lisboa e no Porto, respectivamente, explicam o que têm de especial e as prioridades, numa altura em que a empresa leva a cabo a contratação de 200 pessoas.

Antes de mais, qual o papel de uma directora para a Felicidade?

Marie Kölle (MK) – Cria um roteiro para a felicidade tendo em conta os valores da empresa e assegura a sua implementação. Projectamos e implementamos políticas corporativas que impactem positivamente o bem-estar dos nossos funcionários, desde a criação de um ambiente de trabalho agradável (seja organização ou decoração do espaço) à criação de iniciativas que fortaleçam o espírito de equipa. Procuramos também construir programas de treino e aprendizagem para que os colaboradores possam crescer individualmente e, consequentemente, capacitar a empresa. Diria que é alguém que está sempre com o ouvido bem aberto, atenta ao feedback dos funcionários, para lhe criarem condições e experiências positivas no ambiente de trabalho e com a equipa.

Madalena Marinho (MR) Nos dias de hoje, passamos a maior parte da nossa vida no trabalho e há uma necessidade crescente de estarmos inspirados. Nós trabalhamos sobretudo dois aspectos: um mais intangível – o engagement, que inclui aspectos como a motivação, desenvolvimento, entre outros –; e outro tangível – o ambiente e espaço de trabalho, para que seja agradável e que consiga proporcionar a agilidade que precisamos no mundo de desenvolvimento de software.

Sendo a empresa muito recente, como atraíram colaboradores? E como estão a criar brand awareness?
MK – No princípio, a equipa foi surgindo através da Critical Software, a empresa-mãe. Depois, foi pelo boca-a-boca e pelo buzz que houve à volta do lançamento desta joint venture entre a Critical Software e o BMW Group. Com esta junção, houve um grande awareness à volta do que estava a acontecer no mercado português, o que nos ajudou nesta demanda.

Nós fazemos questão de comunicar em diversas frentes e de trabalhar perto das universidades e com outras empresas para transmitirmos aos talentos o ambiente e a cultura que se vive na CTW. Por outro lado, as pessoas que trabalham connosco também têm um papel fundamental: têm sido os principais responsáveis pela entrada de novas pessoas.

Num sector tão concorrencial, como é que se diferenciam enquanto empresa/local para trabalhar?
MK – Acima de tudo, é a nossa cultura interna e a forma de trabalhar que fazem a diferença, mas também a autonomia que damos aos colaboradores. E o facto de estarmos responsáveis pela transformação da BMW também é muito motivante para os nossos colaboradores, que têm a oportunidade de trabalhar num ambiente internacional, viajando muito entre a Alemanha e os Estados Unidos.

MR – Estamos também a transformar e a formar o futuro. A nossa missão é «we’re changing the way the world moves» e isso nota-se no ambiente que se respira e nos projectos em que estamos a trabalhar. Até para mim que não sou da área (sou psicóloga) é fascinante ouvir falar dos projectos em curso e, se eu me sinto inspirada com isso, muito mais inspirados ficam os restantes colaboradores que estão, de facto, a desenvolver projectos. Além disto, queremos também transformar e formar o futuro quanto à forma como se trabalha na nossa empresa – o nosso foco é pensar como podemos inovar e responder às necessidades dos nossos colaboradores, criando mecanismos que têm impacto na felicidade, como a conexão, o reconhecimento, a confiança, a transparência, o crescimento, entre outros.

Definem-se como uma «empresa sem hierarquias». Como é que passam essa mensagem internamente? E o que é que isso significa no dia-a-dia da equipa? 

MR  Funciona tudo de uma forma orgânica: as equipas definem quais são os seus objectivos e há uma pessoa que lidera nas reuniões e noutras circunstâncias que possam surgir, mas sem que haja propriamente um manager hierárquico e esse papel de líder pode ir mudando ao longo dos tempos. São as próprias pessoas que decidem se há uma pessoa que é o líder nessas reuniões ou se vão variando. Esta é uma metodologia muito usual no mundo do software e que dá às equipas a possibilidade de se autogerirem. É claro que há sempre desafios quando se implementa uma nova forma de trabalhar.

Esta autonomia e o espaço para as pessoas errarem e aprenderem rapidamente com os erros é um dos factores que mais tem impacto na felicidade dos colaboradores. Acreditamos que esta é a melhor forma das pessoas aprenderem e isso acaba por ser muito benéfico para o negócio.

Qual é que foi o maior desafio com que se depararam na vossa função?
MK – Um deles é, sem dúvida, o facto de não termos ninguém a dizer-nos o que fazer. Isto faz com que tenhamos muita liberdade, mas também a responsabilidade de nunca parar de fazer mais e melhorar o que já foi feito. Este é um trabalho que exige alguma criatividade, porque tem imenso potencial e possibilidades de trabalho.

O outro desafio é o crescimento rápido da empresa. Estamos a aumentar a equipa com muita gente e a um ritmo acelerado e temos de assegurar que essas pessoas se integram rapidamente nas equipas e que assimilam a nossa cultura.

MR – Concordo totalmente e acho também importante referir a percepção que as pessoas têm do nosso papel enquanto directoras para a Felicidade, uma vez que esta é uma posição nova. O criar mecanismos para a felicidade é responsabilidade nossa, mas os colaboradores também têm de procurar a sua própria felicidade e tomar a decisão de trabalhá-la. É um trabalho conjunto, mas que, em última instância, está sempre nas mãos do colaborador. No fundo, a felicidade é uma decisão.

Diria que as pessoas estão mais exigentes em relação às empresas que escolhem para trabalhar? Que necessidades reconhece na atracção e retenção do talento?
MK – Sim, definitivamente. Hoje em dia o tratamento e as oportunidades que a empresa oferece aos seus colaboradores são os factores mais importantes para a geração millenial. Quem não quer ter um dia de trabalho agradável, com colegas simpáticos, num bom ambiente e até com diversão? Todos gostaríamos de tê-lo e a nossa responsabilidade é criar esse ambiente e alegria.

Um outro critério importante é o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Os jovens sobretudo procuram empregadores que lhes dêem oportunidades de carreira e de educação contínua, mas querem também ter tempo para desfrutar as suas vidas.

MR O impacto social também tem tido uma importância crescente. As pessoas querem sentir que o seu trabalho tem impacto, que vão trabalhar em algo que realmente faz uma diferença não só na sua vida, mas também uma diferença na sociedade. Um dos desafios das empresas é conseguir satisfazer as necessidades destes colectivos específicos – os millenials, a generation X, entre outros -, perceber quais os mecanismos que podem satisfazer todas essas necessidades para conseguir então atrair e reter esse talento. A oferta financeira já não é o factor diferencial. É um factor, mas não o de maior impacto. Mas claro que a situação é diferente para um pai de família com quatro filhos ou para um millenial que está a no seu primeiro emprego. As necessidades são diferentes e, portanto, a importância dada ao salário também é diferente. Ainda assim, acho que é importante para ambos os casos sentirem que têm esse impacto social e sentirem-se inspirados no dia a dia do seu trabalho.

Como é que se estão a preparar para aumentar a equipa?
MR – A visão da CTW tem subjacente uma aceleração em termos de números de pessoas: queremos ter 600 pessoas no final do ano e esse crescimento rápido é um desafio que vamos conseguir.

A nossa principal preocupação como directoras para a Felicidade é garantir que as pessoas se sintam integradas, bem-vindas, que se sintam inspiradas pelos projectos em que trabalham, conectadas com as pessoas com quem trabalham, que se sintam alinhadas com a nossa missão e que tenham vontade de melhorar todos os dias, a nível pessoal, a nível de equipa, nos projectos, nos produtos, convivendo num ambiente alegre e ágil. Tudo isto para mudar a forma como nos movemos no mundo.

Neste contexto, que iniciativas/prácticas têm implementadas?
MR – Nós somos uma empresa nova e, portanto, estamos a implementar algumas iniciativas que, não sendo novas, estamos a melhorá-las e outras iniciativas que são completamente inovadoras. Exemplo disso é a nossa estratégia de aprendizagem, uma estratégia de desenvolvimento de carreira, que é algo também pedido pelas pessoas e que faz parte de qualquer empresa de sucesso.

Estamos continuamente a tentar criar mais momentos de conexão, de reconhecimento e de inspiração, criar um ambiente de confiança e transparência, porque isso faz com que as pessoas se envolvam mais com a empresa.

Em termos de iniciativas inovadoras, estamos a implementar a gamificação dentro do nosso processo de onboarding, em que, através do jogo, pretendemos que as pessoas adquiram um conhecimento rápido sobre a empresa e a história, mas que também se possam conectar com os restantes colegas. Fazemo-lo de duas formas: virtualmente, através de uma app, e fisicamente, colocando as pessoas a interagiram umas com as outras. Depois das pessoas fazerem o processo de onboarding, fazemos um encontro mensal de networking, onde as pessoas conhecem e interagem com colegas das diferentes áreas da empresa.

Estamos também a criar um livro e workshops sobre a felicidade, para que as pessoas possam aprender e trabalhar sobre aspectos sobre as quais têm controlo e que tem impacto na sua própria felicidade – e isso inspira-me muito.

Em termos práticos, o que mostram os resultados?
MK – Uma das grandes vitórias já aconteceu: com a evolução do envolvimento dos colaboradores, obtivemos uma participação de 90% dos colaboradores no questionário de satisfação e 96% disse que iria recomendar a CTW como empregador. Além disso, sentir que as pessoas estão felizes com pequenos gestos, pequenas acções da empresa, também é uma vitória. Aconteceu, por exemplo, no Dia do Pai, oferecermos a tarde livre a todos os pais para que pudessem passar tempo com os seus filhos. Ver as caras deles, surpresos e felizes, foi também uma alegria para nós. Estamos sempre a tentar prever o que faria um colega feliz e quando o conseguimos, de facto, fazer feliz, também é uma vitória e faz-nos sentir que estamos a fortalecer a relação entre a empresa e os seus colaboradores.

Como é que as empresas podem aproximar-se dos colaboradores?
MK – Em primeiro lugar, devem mostrar interesse em ouvi-los e em perceber o que precisam para fazer um bom trabalho. Outra questão importante – e que na CTW levamos muito a sério – é perceber que a vida pessoal é mais importante do que os interesses da empresa e que, por isso, os colaboradores devem estar sempre primeiro lugar. Desta forma, acreditamos que conseguimos mais justiça e confiança e isso é a base para criar uma cultura de proximidade.

MR – Criar estes mecanismos que têm impacto na felicidade e no envolvimento das pessoas é fundamental. É importante que as empresas transmitam para os colaboradores que estes estão a fazer a diferença, que podem fazer o trabalho como consideram mais adequado, dentro de determinados critérios, e que podem crescer como pessoa e como profissional. É crucial que os colaboradores sintam que estão a criar algo com impacto no futuro e que se sintam ligados às pessoas com quem trabalham no dia-a-dia e cabe às empresas, aos empregadores, trabalharem para que assim seja.

A cultura empresarial do país é competitiva?
MK – A indústria da tecnologia é muita competitiva, definitivamente, mas no que respeita à cultura empresarial temos uma grande vantagem, porque toda a nossa estrutura da empresa permite-nos ter um bom ambiente. Estive, recentemente, num workshop sobre o futuro do trabalho com muitos directores de RH de várias empresas e indústrias e todos eles falaram do bem-estar e do envolvimento dos colaboradores como se fosse uma coisa do futuro. Vi ainda muito cepticismo sobre este investimento na cultura e, quando lhes expliquei o meu trabalho e eles perceberam que já existia uma empresa em Portugal com directores para Felicidade, notou-se a surpresa.

Que tendências e fenómenos perspectiva para os próximos anos? E em que ponto está a Critical TechWorks?
MR – Sendo a Critical Techworks uma empresa de software, nós estamos à frente – e disso não tenho dúvidas. Creio que vamos continuar a ouvir falar muito de transformação a nível tecnológico, a realidade virtual e de inteligência artificial, que nos vão ajudar cada vez mais a fazer o nosso trabalho, não só criando perfis, mas também novos trabalhos. Neste contexto, serão cada vez mais essenciais as qualidades humanas, as chamadas soft skills, como a empatia e o conseguir colocar-nos no lugar do outro. E estas tendências vão ter impacto a nível de recursos humanos… Sinto que, cada vez mais, vamos falar em colaboração e não em competição, o que também terá impacto na forma como trabalhamos para a criação de um futuro sustentável a todos os níveis.

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