Será que a partilha de uma refeição é uma maneira poderosa de manter a cultura de uma empresa viva? A EatTasty acredita que sim
Tendo como ponto de partida a pesquisa “Pausa para Almoço: A Covid-19 e as novas rotinas alimentares”, a EatTasty procurou conhecer a saúde das empresas e apontar caminhos sobre o que poderá ser o seu futuro, com base em alguns indícios do presente, levando em conta que a vida de trabalho nos escritórios está a ser questionada. Para tal realizou recentemente um estudo para aferir em que medida a pandemia influenciou o sentimento de pertença, a produtividade e a motivação nas empresas e chegou à conclusão de que o aspecto que mais se destacou foi o facto de as pessoas sentirem falta do convívio entre colegas
Por Sandra M. Pinto
A EatTasty é uma plataforma digital de confecção e entrega de refeições em casa ou no local de trabalho, revela Rui Costa, seu cofundador. A base da empresa é entregar comida de qualidade «fazendo com que os clientes tomem a suas refeições com prazer», pelo que tudo é confeccionado por uma rede local de restaurantes parceiros que, diariamente, produzem uma selecção de receitas definida em conjunto pela equipa do restaurante e pelo chef EatTasty. Com a pandemia causada pela Covid-19 aconteceram mudanças de comportamentos e valores que, acredita Rui Costa «passarão a moldar a forma como lidamos com a alimentação, uma vez que também tivemos mais tempo para olhar e pensar no que comemos».
O que é e como nasceu a EatTasty?
A EatTasty é uma plataforma digital de confecção e entrega de refeições em casa ou no local de trabalho. A ideia que lhe deu origem surgiu há quatro anos atrás, durante um jantar que tive com o Orlando (cofundador) depois de mais um dia de trabalho, na sequência de nos termos apercebido que as pessoas à nossa volta estavam ali a comer por obrigação. Prometemos a nós próprios que nunca mais teríamos uma refeição sem prazer e, a partir daí, começámos a pesquisar modelos de negócio de empresas de entrega de comida (de qualidade) para lançarmos o nosso próprio projecto.
Actualmente, a nossa comida é confeccionada por uma rede local de restaurantes parceiros que, diariamente, produzem uma selecção de receitas definida em conjunto pela equipa do restaurante e pelo nosso chef. Servimos mais de 1500 refeições todos os dias em Lisboa e mais de 200 em Madrid, onde iniciámos actividade no verão de 2019.
Na EatTasty, como se reagiu à situação causada pela pandemia?
Até então, o nosso foco de aquisição eram empresas e a percepção dos clientes em relação à EatTasty era de que só fazíamos entregas em escritórios. Na realidade, esta ideia era suportada pelas zonas de entrega abrangidas pelo nosso serviço, que tinham como denominador comum uma concentração de empresas. No início da quarentena, quando começámos a assistir à deslocação dos nossos clientes para as suas casas, percebemos que tínhamos de acompanhar esse movimento de forma rápida, sob pena de ficarmos sem entregas para fazer. Assim, em menos de uma semana, alterámos toda a nossa comunicação de modo a colocar ênfase na realização de entregas, tanto em moradas particulares como de empresas, dando a possibilidade aos nossos clientes de acrescentar quantas moradas quisessem e alternar entre estas.
Também alargámos o nosso raio de cobertura até Almada, Cascais e Sintra – quando antes estávamos focados apenas na zona centro de Lisboa -, o que se revelou essencial para consolidar esta nova fase. Tudo isto só foi possível graças ao empenho de todas as pessoas da nossa equipa que, apesar de estarem a trabalhar à distância, demonstraram um enorme sentido de união e foram incansáveis nesta transição.
Que medidas tomaram de modo a gerirem os desafios por ela criados?
Além das mudanças na nossa operação, e que foram fundamentais para nos mantermos em funcionamento, foi necessário reforçar a comunicação das normas de segurança e higiene, mantendo um olhar atento a todas as directrizes que iam sendo
dadas, junto da nossa equipa de estafetas e dos clientes. Também nos aproximámos mais dos nossos parceiros de restauração – para quem fomos, em alguns casos, durante grande parte do período de quarentena, a única fonte de receitas -, procurando ajudar aqueles que estavam com maiores dificuldades ao pedir-lhes para produzirem um leque mais alargado de refeições.
Que iniciativas tomaram ao nível da gestão de pessoas?
Temos escritórios em Lisboa, Vila Nova de Famalicão e Madrid. Desde o dia 14 de Março que todas as pessoas estão a trabalhar a partir de casa e assim iremos continuar. Durante o período da quarentena, porque acreditamos no poder de conexão da comida, tivemos salas de chat abertas durante a hora de almoço, às quais qualquer pessoa da equipa se podia juntar. Mantivemos também um calendário de actividades remotas bastante dinâmico que teve desde talks de convidados externos a aulas de ginástica ou workshops de cocktails liderados por talentos escondidos, sendo que descobrimos novas facetas de alguns colegas. Não deixa de ser curioso recordar estas iniciativas com uma certa nostalgia. Na realidade, foram tempos de grande união que puseram à prova a nossa cultura, demonstrando que, mesmo à distância, partilhamos os mesmos valores e gosto pelo que fazemos.
A pandemia veio alterar alguma coisa na vossa atividade? Se sim, o que mudou?
A pandemia fez-nos retomar, por exemplo, um desejo antigo de também entregar comida para jantar. Há muito que tínhamos este projecto na gaveta e, com o aumento da procura por serviços de entrega de comida, achamos que este poderá ser o
momento para tal. Estamos seriamente a considerar alargar a nossa actividade a essa altura do dia.
Ao nível do mercado, que mudanças trouxe a pandemia do Covid-19?
Acima de tudo, acreditamos que terá criado uma consciência maior no consumidor final quanto à forma como os serviços de entrega de comida operam na sua relação com a restauração. Este sector, gravemente afectado pela conjuntura, recebeu muita atenção por parte do público durante o período de confinamento, tendo surgido várias iniciativas que apelavam ao apoio do comércio local, encabeçadas por chefs e outras figuras de renome, o que gerou uma onda de solidariedade sem precedentes e também serviu para unir os diferentes players deste sector – desde produtores, proprietários, chefs, cozinheiros e fornecedores de serviços, como nós. Com a pandemia, sentimos que estamos mais próximos dos nossos parceiros e que as relações saíram reforçadas e é por isso que estamos focados em dar-lhes cada vez mais visibilidade.
Outra mudança incontornável é a sensibilidade ao preço e, para isso, estamos bem preparados. Acreditamos que temos preços justos e que tal fará a diferença nos tempos que se avizinham, tanto para os nossos clientes como para os nossos parceiros.
Conduziram recentemente um estudo para aferir em que medida a pandemia influenciou o sentimento de pertença, a produtividade e a motivação nas empresas. Que resultados do estudo gostariam de destacar?
O aspecto que mais se destacou foi o facto de as pessoas sentirem falta do convívio entre colegas. É quase como se tivéssemos vivido uma vida toda a desejar trabalhar de casa e, quando isso se tornou possível, deixámos de o querer.
A razão que esteve por trás deste estudo foi tacitamente a nossa crença no poder de conexão da comida. Mesmo à distância, acreditamos que a partilha de uma refeição é capaz de manter a cultura de uma empresa de boa saúde. Isto porque as empresas são feitas de pessoas e das relações entre estas.
Em que se basearam para obter esses resultados?
Tendo como ponto de partida a pesquisa “Pausa para Almoço: A Covid-19 e as novas rotinas alimentares”, feita em Maio de 2020, em parceria com a Zomato, e que reuniu 1182 respostas de todo o país, procurámos discorrer sobre a saúde das empresas – enquanto organismos vivos que acreditamos serem – e apontar caminhos sobre o que poderá ser o seu futuro, com base em alguns indícios do presente, agora que a vida de trabalho nos escritórios como a conhecemos está a ser questionada. No relatório que construímos, incluímos também testemunhos de empresas de outros sectores, que nos
mostram como lidaram com os desafios trazidos pela pandemia, sem perder o foco na sua cultura organizacional e na motivação das equipas.
Que comportamentos a pandemia mais alterou?
Há mudanças de comportamentos e valores que passarão a moldar a forma como lidamos com a alimentação, uma vez que também tivemos mais tempo para olhar e pensar no que comemos. Creio que seremos mais criteriosos com aquilo que
colocamos no prato, procurando perceber a origem dos alimentos e quem está por trás da sua produção.
As mudanças na cultura organizacional são inevitáveis e vão exigir adaptações. De que modo pode a comida ter um papel agregador e importante no regresso à “normalidade”?
Em tempos em que a união se torna ainda mais imprescindível para as empresas, a comida pode ter uma missão agregadora importante no regresso possível à normalidade. Em contexto de trabalho, as refeições são essenciais e desempenham um
importante papel na manutenção dos valores das empresas. É na informalidade dos momentos de convívio em torno de uma mesa – seja ela virtual ou não – que se mantêm as dinâmicas formais, a partilha de valores comuns e as equipas motivadas.
É possível a existência de uma cultura organizacional à mesa? Como?
Acreditamos que a partilha de uma refeição é uma maneira poderosa de manter a cultura de uma empresa viva, não pela mera promoção de um momento de convívio em si, mas pelo poder que este tem para pôr essa cultura em prática e para a mostrar em acção.
Esta é importante para fomentar a cultura e o ADN da empresa?
Sem dúvida, a mesa é palco para reuniões não programadas, em que acabam por se quebrar eventuais barreiras de formalidade que possam existir e se criam laços entre colegas de trabalho.