A consciência social nas empresas tem que começar “dentro de casa”, ser mais do que acções pontuais e coerente com a cultura
Na sexta-feira passada, João Cardoso, CEO da Lovys, e Sofia Valentim, expert manager da Randstad Portugal, foram os protagonistas de mais uma RE(talk). Sobre “o papel da consciência social nas empresas”, ambos concordaram que é algo que tem que começar dentro “de casa” e não estar restrito a um departamento. Tem que ser uma cultura que se promove, e que é coerente com as acções da empresa, em toda a sua actividade.
Por Sandra M. Pinto
Para contextualizar o tema, e olhando à sua evolução no sentido de se passar da meras palavras e acções esporádicas, para uma nova forma de estar, João Cardoso deu como exemplo o que se passou na Google «há um ou dois anos. Não imaginávamos que os funcionários de uma empresa como esta gigante tecnológica, reconhecida pela sua cultura e boas práticas de Gestão de Pessoas, pudessem fazer um protesto contra o assédio, e a verdade é que isso aconteceu», recorda. E defende «que a responsabilidade social não deve ser um pelouro de um departamento da empresa, deve, sim, fazer parte do core business do negócio».
O responsável acredita que é isso que está a acontecer actualmente. «Cada vez mais as pessoas querem que a empresa tenha uma forma diferente de olhar o negócio. Há hoje um paralelo entre a forma como antigamente o Marketing trabalhava o produto e como se trabalha hoje a cultura da empresa. Por vezes há uma cultura de empresa perfeitamente perversa, com más práticas de negócio, e a responsabilidade social surge para fazer com que esta pareça uma empresa simpática, não o sendo. É fundamental que a Responsabilidade Social trabalhe directamente com CEO e com as pessoas que fazem parte da empresa para que este tema tenha de facto impacto e ligação directa às praticas no dia-a-dia da empresa.»
Sofia Valentim concorda que «a responsabilidade social é um tema que tem vindo a ser cada vez mais abordado nas empresas, mas é preciso que deixe de ser um aspecto focado esporadicamente para passar a fazer parte da vida diária das organizações. Tem-se notado evolução nesse âmbito, mas há ainda um caminho para fazer. E a pandemia veio trazer esta questão mais para a ordem do dia», fazendo com que a dimensão humana e as pessoas se tornassem no centro do negócio. Houve mais atenção a temas como o medo, a insegurança, a instabilidade ou a incerteza, temas que nos afectam enquanto seres humanos e profissionais e, como consequência, o nosso nível de envolvimento, de motivação e produtividade.»
Duas faces da mesma moeda
Numa startup como a Lovys, há duas dimensões core, refere João Cardoso. «Uma dimensão que aborda a forma como tratamos os nossos clientes, sendo que os nossos colaboradores estão cada vez mais sensibilizados para este tópico, e outra dimensão que aborda como tratamos a nossa equipa», refere, revelando que a empresa tem na sua lista de valores um que destaca, «a ideia de que empresa tem de ser como uma banda de rock, ou seja, há uma relação humana que está muito para além de uma relação de trabalho e, principalmente numa startup tem de existir isso, a relação entre os elementos da equipa tem de ser muito mais forte do que uma relação de trabalho.» A estratégia de comunicação, «com um nível de informalidade muito grande», tem sido fundamental como o conseguir.
Trabalhando directamente com as áreas de finanças e seguros, Sofia Valentim constata que tem de facto havido uma mudança na forma de comunicação nos sectores da banca e seguros, tradicionalmente mais formais. «Há uma maior proximidade aos colaboradores», diz. «Ainda se pensa que estes são sectores muito cinzentos, mas não concordo, já não é nada assim». Relativamente à Randstad, a profissional afirma que a área de responsabilidade social tem vindo a crescer, «seja em programas de voluntariado e de processos de recrutamento inclusivo mas também ao nível do recrutamento enquanto área de negócio. Temos uma preocupação com os nossos candidatos, o seu projecto de carreira e o acompanhamento que lhes fazemos.»
Muitas vezes pensa-se na responsabilidade social como algo para fora da organização, mas não é – ou não deve ser necessariamente assim. A expert manager da Randstad acredita que estamos a caminhar para que as empresas tenham uma noção cada vez mais forte da importância da responsabilidade social junto dos seus colaboradores. «Quando falamos em consciência social, não é só o projecto que passa lá para fora, mas sim um conjunto de situações que abarcam toda essa realidade. Se pensarmos em termos de pandemia, verificamos que a Randstad reforçou o departamento de Social Impact – que já existia -, tendo criado uma linha de suporte para os colaboradores, interno e externos. Mas isto não acontece só com a nossa empresa, existem outras empresas nossas clientes que tiveram exactamente as mesmas preocupações», garante.
No mesmo sentido, o CEO da Lovys assegura que os colaboradores são uma prioridade, também em termos de responsabilidade social. «Se nós contratamos alguém, há um objectivo de lhe dar meios para ela ser a melhor versão de si mesma. Não podemos ignorar as dimensões daquela pessoa fora do contexto de trabalho porque há uma vida para além do lado profissional. Se os lideres querem que as suas pessoas estejam a ser a sua melhor versão de si mesmas e que sejam super produtivas têm de estar abertos a compreender as outras dimensões da pessoa, além da profissional, e dar-lhes as condições para que isso aconteça.»
Visto de fora
E será que este tema é importante enquanto factor de atracção e retenção de talento? «Infelizmente, nós não temos a capacidade de mudar pessoas, pelo que tentamos identificar desde os candidatos que mais se identifiquem com a nossa cultura, reitera João Cardoso. «O mais importante é olhar para a pessoa para além dos estereótipos. Mas estes temas não vão ser importantes para todos.»
Sofia Valentim reconhece que, apesar de «existir cada vez mais essa preocupação, a cultura é aquilo que demora mais tempo a mudar. E, se falarmos na perspectiva de perceber qual o impacto que a empresa tem na sociedade diria que não na altura de escolher onde trabalhar, diria que isso não é uma preocupação. Ninguém faz essa pergunta. Mas se falarmos na outra dimensão daquilo que é a consciência social e da preocupação que as empresa têm com as suas pessoas, aí sim já faz diferença, pois a questão do salário emocional é de facto questionado pelos candidatos», ressalva.
Por outro lado, será que as empresas devem comunicar estas práticas? A responsável da Randstad considera que, quer seja de forma formal e consciente ou não, se essas práticas existem, vão acabar por ter eco no exterior, porque «os colaboradores são os maiores embaixadores da empresa. Aquilo que é feito internamente, de uma maneira ou de outra, vai acabar por ser comunicado para fora».
Fundamental é existir coerência entre aquilo que empresa comunica para os seus clientes e aquilo que faz internamente junto dos seus colaboradores», sublinha João Cardoso, acrescentando: «É importante sermos fiéis a nós mesmos e marcarmos pela diferença. Se assim for, isso acaba por ser difundido pela imprensa. O que não faz sentido é promover determinadas acções só para poder enviar um press realease para a imprensa pegar e divulgar a sua marca, a sua empresa. Isto é só lançar fogo de artificio. As empresas têm de incentivar e promover acções de responsabilidade social verdadeiras, concretas e coerentes com a pratica normal e diária da cultura da empresa.»
(re)Veja aqui, na íntegra. A moderação foi assegurada por Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources.
As re(talks) são uma iniciativa da Randstad em parceria com a Human Resources, promovida desde Março, e estão todas reunidas aqui.