A fábula da Cigarra e da Formiga e a arrogância do ser humano

Por António Saraiva, Business Development Manager na ISQ Academy

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), fundado em 1965, trabalha sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) desde 1990, com o objetivo de fornecer métricas importantes, em particular sobre as expetativas de vida, níveis de educação e padrões de vida dos países.
Depois de alguns anos de indicadores positivos e animadores, a verdade é que o IDH cai por dois anos consecutivos (2020 e 2021). Os resultados agora divulgados, por Achim Steiner, responsável pelo PNUD, começam a ser preocupantes, em particular quando resume a conclusão – “Isso significa que morremos mais cedo, somos menos instruídos e os nossos rendimentos estão a cair”.
Este responsável advoga que tal se deve a um conjunto de crises sem precedentes, principalmente o impacto da Covid19, “atrasando o progresso humano em cerca de cinco anos e alimentando uma onda global de incerteza”. Sem dúvida que são argumentos válidos e facilmente demonstráveis. Mas talvez seja revelador das caraterísticas do próprio ser humano em geral, e nos remeta para a fábula de Esopo, a “Cigarra e a Formiga”!
Quando estamos em franca evolução e nos confrontamos com indicadores extremamente positivos, pensamos que adquirimos a conquista do mundo. Desprezamos muitas vezes um trabalho continuado de sustentabilidade. Pensamos que dominamos todas as variáveis e que basta, muitas vezes, continuarmos a fazer o que sempre fizemos para continuarmos na senda do êxito. Desprezamos, nesses momentos, uma visão mais estratégica, além de não considerarmos que mesmo os bons indicadores existem para continuarmos a consolidar resultados e a necessidade de inovação constante.
Por isso, todas as crises com que nos estamos a confrontar, algumas até pelo seu caráter inesperado, de difícil controlo imediato, levam a que as pessoas, tal como referem as conclusões do IDH, se sintam “desesperadas, frustradas, preocupadas com o futuro”. A verdade, é que nos confrontamos todos os dias com estes… estados de espírito! Estamos a assistir a uma perda de confiança das pessoas umas nas outras, o que é também uma das conclusões deste relatório. Para não falarmos que tal situação acaba por ter impactos no desenvolvimento das equipas a nível organizacional e fatores de maior falta de paciência com o outro, na nossa vida diária – esperemos que não pensemos que a nossa principal ameaça é um nosso semelhante.
A crise despoletada pela guerra na Ucrânia ainda não se encontra revertida nestes dados agora divulgados. Mas tudo aponta para que exista uma queda significativa na assistência a países e, consequentemente, a pessoas mais vulneráveis. Estamos a diminuir a capacidade de dar respostas conjuntas, ou fazê-mo-lo tão só por inevitabilidade. Temos problemas organizativos, de modelos de gestão ultrapassados, de manifesta arrogância perante o que não nos bate à porta, não é problema!
A verdade é que tudo perspetivava que, tal como a fábula da “Cigarra e da Formiga”, tínhamos de refletir o futuro, antes que algo de negativo acontecesse. Hoje, sabemos que temos de nos concentrar nas energias renováveis, prepararmo-nos para futuras pandemias, sentirmo-nos seguros para absorver choques inevitáveis e fortalecer a inovação. E para além disso, intervirmos sobre as pessoas: dar-lhes confiança nos serviços de saúde, flexibilizarmos os modelos laborais de forma a retomarmos a motivação e, acima de tudo, a confiança, tendo como inerência garantir-lhes o bem estar.