A inevitabilidade da obliquidade

Pensar para além do óbvio. Num mundo cada vez menos linear, com problemas complexos, temos de mudar de perspectiva: a via indirecta, oblíqua, pode ajudar-nos a gerar novas ideias e melhores resultados.

 

Por Rita Oliveira Pelica, Chief Energy Officer da ONYOU & Portugal Catalyst – The League of Intrapreneurs

 

Pensar apenas linearmente é assumir que a vida e o trabalho podem ser comparados a um jogo de sudoku. Havendo apenas um caminho a seguir, rumo à solução certa. Com uma sequência lógica, altamente estruturada. Ora, felizmente, sabemos que a vida real está longe de caber numa grelha de 9×9 quadrados. Viver e trabalhar, nos dias de hoje, exige uma abordagem oblíqua, uma filosofia pluralista: a percepção de que existe mais que do uma resposta a uma questão/desafio – e que é da diversidade de pensamento e de relacionamentos interpessoais que podemos desenhar uma melhor experiência humana.

A obliquidade, tal como enunciada pelo economista John Kay, descreve o processo de alcançar objectivos complexos de modo indirecto, através da reformulação de problemas. É um processo de experiência e descoberta, através de uma constante adaptação. Quase todos os problemas reais acabam por ser especificados de forma incompleta, imperfeita e inabrangente, isto é, são vistos pelos nossos olhos, pelas nossas lentes. São “fechados” por nós e pelas decisões que tomamos, por isso, quanto mais “integrações” fizermos, mais “mente aberta” tivermos, mais acrescentamos a este processo. Viva o contra-intuitivo!

Obviamente, tomando consciência disto, deixamos de tentar encaixar o mundo numa única narrativa, e assumimos a ubiquidade da incerteza. Nas organizações, isto pode ser muito vantajoso, o estímulo ao pensamento lateral, à resolução criativa de problemas, à quebra da lógica do “sempre fizemos assim”. Na procura audaz de respostas diferentes, menos convencionais. Menos óbvias.

Como promover então este pensamento oblíquo? Edward de Bono, psicólogo, introduziu, nos anos 60, o conceito de pensamento lateral ou divergente. Este pensamento surge da ideia de introduzir a perspicácia, a criatividade e a ousadia ao pensamento analítico habitual dos seres humanos. Como? Considerando soluções alternativas: identificando deliberadamente diferentes alternativas, fugindo do óbvio e trazendo outros ângulos; praticando a estimulação aleatória: às vezes é nos momentos e espaços mais inusitados que geramos ideias (soa estranhamente verdadeiro?); e desenvolvendo o pensamento subtractivo: consiste em subtrair partes do problema e não, como seria de esperar, acrescentar algo. É realmente algo “de se lhe tirar o chapéu” – e eis que entram, obliquamente, os seis chapéus do pensamento de de Bono (Six Thinking Hats®): os mais interessados podem googlar por sua conta e risco.

E agora, para algo completamente diferente, ou talvez nem tanto: depende da perspectiva – um ângulo diferente, o dos artistas. Estamos em 1975. Brian Eno, músico / compositor / produtor (entre outras coisas oblíquas), criou as chamadas “Estratégias Oblíquas”, um conjunto de cartas com observações e questões enigmáticas, que ajudariam as pessoas a pensar de forma diferente e a resolver dilemas. Alguns exemplos são (e passo a citar): “O que aumentar? O que reduzir? Tente imitar! Honre um erro como uma intenção escondida.” Conseguem imaginar os Coldplay no seu processo criativo? Se serve o propósito de bandas e de artistas, talvez possamos trazer também esta abordagem para as nossas organizações. Imagino que nem o próprio Brian Eno tivesse pensado nisto, embora já exista também uma app (será caso para dizer Viva la Vida!).

Sejamos mais oblíquos na nossa forma de pensar. Assumindo que não sabemos tudo sobre tudo, e que o contexto que nos envolve e as pessoas com as quais interagimos podem ser “fontes de inspiração” e de co-criação. Convido a sinergizar mais, a pré-julgar menos e a deixar “espaço” para o novo e para os remixes. Obviamente, será inevitável.

 

Este artigo foi publicado na edição de Março (nº. 146)  da Human Resources, nas bancas.

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