A partir de Fevereiro, empresas com mais de 100 colaboradores terão de cumprir mais uma quota. Estarão preparadas?
As pessoas com deficiências – que, de um prisma global, representam cerca de 15% da população mundial, segundo o relatório mundial sobre a deficiência da ONU -, a par de todas as tentativas de inclusão, continuam a sentir (e a ser visível) uma enorme dificuldade no acesso ao trabalho, sendo, muitas das vezes, sujeitas a processos de recrutamento completamente discriminatórios.
Por Nuno Cerejeira Namora, advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio na Cerejeira Namora, Marinho Falcão
Tal dificuldade espelha bem o problema, como aponta o estudo “Pessoas com Deficiência em Portugal”, do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, que mostra que, em Portugal, no ano de 2017, havia quase 13 mil pessoas com deficiência inscritas nos centros de emprego e apenas 11% conseguiu emprego.
Atenta esta realidade, mais do que impor mecanismos eficazes de prevenção e punição de actos discriminatórios era necessário fomentar políticas positivas, de apoio e incentivo à contratação de pessoas com deficiências.
Se a consciência social não chega, tem de ser a Lei a antecipar o dever ser. Foi o que ocorreu com a Lei 4/2019 de 10 de Janeiro, que veio estabelecer um sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, visando a sua contratação por entidades empregadoras do sector privado. Este sistema não é nenhuma novidade, pois já existe, pelo menos, desde 2001 para a Função Pública.
A partir do dia 01 de Fevereiro, as empresas com mais de 100 trabalhadores serão obrigadas a respeitar o sistema de quotas imposto, isto é, que contratem uma determinada percentagem de trabalhadores com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%. Já as empresas mais pequenas, com 75 a 100 trabalhadores terão até 1 de Fevereiro de 2024 para cumprir a quota para trabalhadores com deficiência.
Em concreto, a referida lei impõe que as médias empresas, com 75 a 249 trabalhadores, admitam trabalhadores com deficiência em número não inferior a 1% do pessoal ao seu serviço, enquanto as grandes empresas, com 250 ou mais trabalhadores, têm de respeitar uma quota, pelo menos, 2%.
Uma empresa com 75 trabalhadores terá de ter, no mínimo, 1 trabalhador portador de deficiência, pois o diploma esclarece que sempre que, da aplicação das percentagens referidas, se obtiver como resultado um número não inteiro, o mesmo é arredondado para a unidade seguinte.
O objecto desta lei é claro, pois este sistema de quotas dirige-se a pessoas com deficiência com um grau de incapacidade igual ou superior a 60 %, considerando-se pessoa com deficiência “aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções psicológicas, apresente dificuldades específicas susceptíveis de, em conjugação com os factores do meio, lhe limitar ou dificultar a actividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas”. Contudo, o seu âmbito de aplicação não é tão abrangente como se pensava, uma vez que se excluem da aplicação da referida lei as pessoas em formação, estagiários e prestadores de serviços.
Ora, como toda a regra comporta uma excepção, também esta lei estabeleceu um regime excepcional para as entidades empregadoras que apresentem o respectivo pedido de exclusão, junto da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), acompanhado de um parecer fundamentado emitido pelo INR, I.P. com a colaboração do IEFP, I.P., onde se demonstre, claramente, a impossibilidade de aplicação das definidas quotas ao respectivo posto de trabalho.
Em alternativa e como esta medida não depende só das empresas, estas gozam da prorrogativa de demonstrar, junto da ACT, que não cumprem as percentagens das quotas devido ao facto de não terem tido candidaturas suficientes que reúnam os requisitos necessários para preencher os postos de trabalho das ofertas de emprego apresentadas.
Como consequência para o incumprimento desta lei, o regime sancionatório prevê várias contraordenações, graves ou leves, consoante o caso, que revertem em 65% para a ACT e 35% para o INR, I.P., como forma de incentivar a fiscalização e controlo sobre o cumprimento desta medida. Vamos ter a ACT a trabalhar à comissão sobre as multas.
Do ponto de vista prático, a mudança de mentalidades e tentativas de sensibilização não são suficientes para inverter a tendência discriminatória do acesso ao emprego por pessoas com deficiências, outrossim tem de haver uma verdadeira alteração do paradigma laboral, fomentando processos de recrutamento mais transparentes, justos e adequados.
O objectivo desta medida é acelerar o processo de inclusão. E embora esta lei tenha sido, somente, publicada em 2019, a verdade é que já está a surtir os efeitos, pois em 2020 o número de trabalhadores com deficiências inscritos no IEFP aumentou 11,6%.
Assim, estando também a cargo do Estado a promoção de um mercado de trabalho livre, justo e diverso onde os cidadãos são avaliados pela sua efectiva competência para desempenhar determinada função e não por qualquer factor externo, esta medida, embora suscite algumas dúvidas quanto aos efeitos negativos que poderá causar (o reforço da descriminação deste tipo de trabalhadores) compagina-se, mais do que uma estratégia de responsabilidade social, como essencial para o equilíbrio da inclusão, assumindo-se, portanto, como um mal necessário.