A razão de ser que já não pode ser ignorada

João Zúquete, administrador da Altice Portugal, e Nuno Moreira da Cruz, director executivo da Católica-Lisbon, foram os protagonistas de uma conversa animada, em que se reconheceu que o «o momento de emergência que vivemos nos obriga a olhar para as questões essenciais», mas que as empresas não podem afirmar como o seu propósito só porque sim.

 

Pedro Raposo, director de Recursos Humanos do Banco de Portugal e moderador da “Conversa de Líderes”, começou por fazer uma sondagem junto da plateia, para aferir, quantas as empresas ali representadas tinha missão e valores definidos e escritos, para depois comprar se exista a mesma relevância para o propósito e os resultados foram esclarecedores: se no primeiro caso a quase totalidade dos presentes levantaram o braço, no segundo caso só, talvez, 30%. E esta evidência serviu de propósito para a primeira pergunta: Não deveria o propósito ser tão importante como a missão e valores?

Nuno Moreira da Cruz – que começou por ressalvar que prefere o terno em inglês, “purpose”, ou a sua tradução em francês, “raison d’être” – acredita que o tema, escrito ou não, começa a ganhar relevância e não pode ser dissociado do tema da sustentabilidade. «Vivemos um momento de emergência e por isso somos obrigados a chegar às questões essenciais. Temos que passar a barreira da hipocrisia – as empresas não podem existir simplesmente para dar lucro porque o planeta já deu o que tinha a dar.»

Para João Zúquete, as empresas começam a “arranhar a superfície” deste tema e isso tem a ver com tendências recentes, com a necessidade de nos identificarmos com algo. E se «a missão é algo que temos que fazer, o propósito é algo inacto, que faz parte da nossa matriz, e por isso diz-nos mais, é algo que se faz sempre com gosto». Mas não antecipa que seja difícil às empresas transformar a missão em propósito, porque parte da primeira já estará materializada no segundo.

Quando Pedro Raposo pede para concretizar como se materializa o propósito nas empresas que cada um dos responsáveis representa, a resposta surge sem dificuldade. No caso da Católica-Lisbon, está ligado à preparação dos líderes de hoje e de amanhã para os desafios da sustentabilidade, ou seja, para uma sustainable leadership. Já João Zúquete, ainda que reconheça que a Altice não tem o propósito escrito, não tem dúvidas que os move a intenção de «tornar a vida das pessoas, de todas as pessoas, mais fácil e eficiente».

 

Lado B
Mas, e os colaboradores? Como se faz coincidir o(s) propósito(s) individual com os propósito colectivo? Quando chegam ao departamento de Recursos Humanos e dizem ‘o problema não é da empresa, mas o meu propósito é outro… quero viajar, ou quero ir ajudar uma ONG…’ «Isto é um grande desafio para as empresas e um padrão que começa a acontecer cada vez mais», constatou Pedro Raposo.

Lembrando que dois terços da população mundial são geração Z e millennials. Nuno Moreira da Cruz fez notar que vários estudos indicam que estas novas gerações querem trabalhar para uma empresa com ‘purpose’. E revelam também que as organizações com propósito tem melhor desempenho. As empresas têm que ter esta consciência, não só da missão – o que fazemos – e da visão – para onde vamos -, mas também do ‘purpose’ – porque é que o fazemos. «E isto, em princípio, leva-nos sempre ao mesmo sítio.»

O administrador da Altice concorda que, ainda que as empresas possam ir adaptando a sua forma de estar de acordo com as exigências do mercado, não podem mudar o seu propósito. «Não posso amanhã vir dizer que estamos aqui para salvar o planeta através da fibra óptica. Abraçamos estes temas, claro, mas não quer dizer que possamos afirmar que é o propósito da empresa. Já a nível pessoal, há tendência para os nossos propósitos irem mudando.»

Por outro lado, João Zúquete não considera que as novas gerações tenham propósitos muito diferentes dos das gerações anteriores. «Nós é que agora estamos noutra fase.» E sublinhou que é preciso encontrar uma área de confluência entre o propósito da empresa e o propósito do candidato, «assegurar um common ground, será será sempre uma luta inglória».

A conversa terminou com uma nota de humor, perguntando se os departamentos de Recursos Humanos, que há uns anos se debatem com problemas de identidade sobre como se devem chamar – recursos humanos, capital humano, gestão de pessoas – não podiam agora passar a ser departamento de propósito, tendo como grande missão assegurar essa conciliação entre os propósitos individuais e os propósitos dos colaboradores. Mas a resposta surgiu unânime: o propósito tem que ser de uma empresa, não de um departamento.

Por Ana Leonor Martins

 

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