A tirania da positividade

«A felicidade não é um produto rígido, ao contrário do que muitos psicólogos, coaches, consultores, “gurus”, nos fizeram acreditar. É aqui que a “Tirania da Positividade” entra em acção.  Mas pode olhar para a positividade de forma mais realista, humana e completa.»

 

 

Por Diogo Varandas, criador de projectos como o Thumbs Up, o Inspiring Career Camp, o Unlimited Future e o Oh, What An Awesome Life, e orador no Rock in Rio Humanorama*.

 

Há uma onda de “positividade” no ar. No geral, as pessoas estão a ficar mais focadas naquilo que precisam para serem felizes. As empresas falam de salário emocional e fazem investimentos para que as pessoas se sintam mais confortáveis e felizes no local de trabalho. Até aqui, tudo bem.

Também há maior atenção para o “mindfulness” (nada contra), para cultivar pensamentos positivos, ter uma atitude mais positiva na vida, etc. No entanto, esta onda fez pouco (ou nada) para impedir que os níveis de ansiedade, depressão ou burnout continuem a aumentar. A Organização Mundial de Saúde diz-nos que a depressão é a principal causa de incapacidade a nível global, ultrapassando o cancro. Atrevo-me a dizer que uma parte destas estatísticas é devida à nossa (praticantes de psicologia positiva e “especialistas em felicidade”) intervenção.

Acredito que muitos profissionais por aí partilham o seu conhecimento com uma certa ignorância da responsabilidade que as suas palavras acarretam. Se és um@ d@s profissionais de quem estou a falar, não me mates já. Ainda te vou dar mais razões para isso ao longo deste artigo! 

Ouvi o termo “Tirania da Positividade” pela  primeira vez numa TED Talk da Susan David. Nesta talk, ela fala dos benefícios da agilidade emocional, fala contra a rigidez de respostas emocional e defende que devemos ouvir as nossas emoções de forma autêntica. 

 

O que é que isso significa? 

Desde muito cedo, somos ensinados como agir, como nos comportarmos “correctamente” e o que devemos sentir… não necessariamente como pensar, como aprender, como criar. Estamos rodeados por padrões sociais, comportamentais, mentais e é esperado que os sigamos. Padrões rígidos, são-nos impostos. Na escola, esperam que solucionemos problemas, não de forma criativa, mas seguindo teorias e fórmulas comprovadas. No trabalho, esperam que trabalhemos várias horas, mais até do que aquelas pelas quais somos pagos, apenas para mostrar compromisso, dedicação, espírito de equipa e ambição. Até nas nossas vidas pessoais somos ensinados como devemos sentir-nos e comportarmo-nos com aqueles que amamos. E esta onda de positividade não é uma excepção. 

Muitos defensores da felicidade e da psicologia positiva estão a dar o seu melhor para “venderem” fórmulas de felicidade e sucesso para que as pessoas possam prosperar – ou numa expressão mais “positiva” – florescer. Estamos a comunicar para terem pensamentos positivos sobre a sua vida, quanto mais melhor (aparentemente). Dizemos para desenvolverem a sua resiliência, abraçarem o optimismo, focarem-se no sucesso e na vida que desejam e desapegarem-se a pensamentos/emoções negativas. Apenas servem para nos distrair.

Tentamos apresentar soluções que garantidamente conduzem à felicidade. Alguns profissionais criam mesmo “role models” de felicidade – eles próprios (ex: em 20xx eu estava em … quando tive não sei o quê… e então tudo mudou). Não é incomum vermos um “profissional da felicidade” que aparenta ser uma personificação cliché da felicidade. Sorriso rasgado, confiança a rebentar pelas costuras, como se nem uma 3.ª Guerra Mundial lhes conseguisse abalar o seu mindset positivo, muitas vezes levando consigo um “smiley” ou um girassol (porque… florescer). É uma tentativa de mostrar ao mundo a aparência de uma pessoa feliz. O problema com tudo isto, como já devem ter adivinhado, é a rigidez da imagem que passamos. 

Na tentativa de mercantilizar os nossos serviços,  somos forçados a apresentar um “produto” que seja interessante e acessível a todos. A questão é, a felicidade não é um produto rígido, ao contrário do que muitos psicólogos, coaches, consultores, “gurus”, nos fizeram acreditar. É aqui que a “Tirania da Positividade” entra em acção.  

Enquanto nos esforçamos para desenvolvermos um mindset mais positivo, sobre o pressuposto de que as pessoas mais felizes são resilientes, optimistas, “mindful” e outros pares de adjectivos, não percebemos que a ideia que estamos a injectar na mente das pessoas não é: “Isto é o que tu podes ser quando estás no teu melhor”. Ao vendermos incansavelmente a positividade, não estamos apenas a negligenciar um conjunto de recursos psicológicos que ajudaram os seres humanos a sobreviver e a prosperar ao longo da nossa evolução, estamos também a cimentar uma ideia perigosa e tirana: “Isto é o que tu DEVIAS ser!”.  Uma ideia rígida e sufocante. E as pessoas compram-na. Cada vez mais, estamos a prestar atenção a ”happiness products”, materiais e/ou psicológicos e a constante presença nos media, social media, livros, de noções de felicidade incompletas e imaturas, leva-nos a desenvolver uma crença rígida de que deveríamos ser uma versão diferente da que estamos a viver. 

Uma noção rígida de felicidade gera violência psicológica. Ao forçarmo-nos a pensar e a sentir de forma inautêntica, de uma forma que é tudo menos aquela que queres estar a sentir num dado momento (nunca te forçaste a estar feliz?), estamos a violentar-nos. Estamos a dizer “isto não é o que eu devia ser” quando, na realidade, a voz mais profunda e honesta nos está a dizer “mas é isto que quero ser agora”. Ao ignorarmos esta voz, começamos a agredir-nos psicologicamente, a forçar-nos a estar “positivos”, entubando emoções “negativas” porque elas não representam um mindset positivo, e acabamos por não beneficiar daquilo que têm para nos oferecer. E assim, ao deixarmo-nos levar pela onda de positividade, tornamo-nos escrav@s dela, rígid@s connosco e frequentemente não permitimos que as nossas emoções mais autênticas tenham um espaço para se expressarem.   

O que acontece a longo prazo? O que acontece quando já não conseguimos recalcar emoções que outros nos estão a dizer que não devemos expressar/sentir? Stress. Ansiedade. Burnout. Depressão.  

É esta a Tirania da Positividade. Não é bonita, por isso gostaria de vos apresentar algumas sugestões para olharem para a positividade de forma mais realista, humana e completa: 

 

1. Parem de rotular emoções

Temos uma tendência de rotular emoções como “positivas” e “negativas”, “boas” e “más”, o que cria categorias rígidas nas quais inserimos as nossas emoções. Mas as emoções não são nem positivas, nem negativas. Emoções são apenas isso, emoções! Uma fonte de informação valiosa e autêntica sobre o nosso mundo interior.

Todas as emoções servem um propósito. Se não fosse assim, porque haveria uma evolução de milhares de anos de as ter poupado? Apesar das emoções “positivas” (amor, excitação, gratidão, serenidade, optimismo, etc.) serem mais agradáveis, orientarem-nos para o que está a funcionar e a fazer-nos felizes, as emoções negativas fornecem uma informação igualmente importante e crucial: o que não está a funcionar para nós. Elas sintonizam-nos com as insatisfações e perigos da vida, tanto para o nosso bem-estar físico, como psicológico. O que aconteceria se ignorássemos esta informação ao dizermos que não é útil e a entubássemos? You get the picture now. Por isso, é importante começarmos a respeitar todas as nossas emoções como a coisa mais natural que podemos experienciar. Não há nada mais verdadeiro sobre o nosso “eu” do que as nossas emoções. Quando aceitarmos que não são apenas as emoções “positivas”, mas que todas as emoções têm um papel ativo em balancear a nossa felicidade, começaremos a ter uma relação mais saudável, humana connosco e com o mundo à nossa volta. 

 

2. Um tempo para chorar, um tempo para agir

É impossível escolher as emoções que sentimos. Elas derivam da nossa percepção dos eventos à nossa volta e da nossa capacidade de lidar com eles. Inevitavelmente, emoções agradáveis e desagradáveis acabam por surgir. Por isso, não nos devemos limitar a escolher umas ou outras, mas a abraçar todas as emoções como amigos chegados que nos irão ajudar em momentos diferentes. Quando te sentes triste, zangad@, desapontad@, culpad@ ou ansios@, escuta com atenção aquilo que as tuas emoções te estão a dizer. Deixa-as manifestarem-se, se sentires necessidade disso. Se estás triste porque perdeste um ente querido, chora. Se estás stressad@ porque as coisas não estão a correr como gostarias, deixa-o sair para que te possa energizar e ajudar-te a focares-te no problema. Se estás desapontad@ com alguém, demonstra-lhe a tua emoção para que possam corrigir comportamentos do passado e realinhar a vossa relação. Usa as tuas emoções. Não deixes que elas te usem. Abraçá-las não significa perder o controlo. Deixa-as manifestarem-se quando sentes que é necessário. Uma vez que o “luto” esteja feito e tenhas feito o que era possível para melhorar a situação, abraça as tuas emoções mais agradáveis e segue viagem. Verás que elas irão brilhar mais intensamente agora que lidaste com as tuas emoções mais desagradáveis e que elas já não te perseguem. Utiliza todo o teu arsenal emocional. 

 

3. Experiência emocional não é expressão emocional

Para muitos de nós, compararmo-nos com as “personificações de felicidade” que falei anteriormente é quase inevitável.  Comparação social é um hábito que adquirimos muito nov@s e alimentamos ao longo da vida. Quando vemos uma destas personificações nos media, temos uma tendência para nos compararmos com ela, apenas para medirmos se os nossos níveis de felicidade são equiparáveis ou se estamos acima, ou se estamos abaixo.  

Relembro, as “personificações” criam visões rígidas do que significa estar feliz, mas nós não experimentamos todos a felicidade de igual forma, apesar de podermos estar igualmente felizes. Um introvertido e um extrovertido demonstram a sua felicidade em níveis diferentes de intensidade. Se eu estiver feliz, é provável que demonstre a minha felicidade de uma forma diferente da vossa. Isto acontece porque a experiência emocional é uma coisa, a expressão emocional é outra. Se os dois estivermos entusiasmados com alguma coisa que irá acontecer, eu poderei começar aos saltos em celebração enquanto tu poderás sentir uma discreta injeção de adrenalina, ficares altamente focado, a olhar para o futuro e a planear os próximos passos. Por isso, não se prendam as estas “personificações”. Raramente são mais do que estratégias de marketing. Ainda que sejam autênticas, isso não significa que devas parecer-te com elas. Não deixes que elas definam a tua felicidade. Apenas tu podes dizer o que isso é. 

A felicidade não é rígida e tu também não o deves ser. Há, provavelmente, tantos caminhos para a felicidade quanto pessoas há no mundo. Todos temos algo único, da mesma forma que a nossa felicidade tem algo único, por isso não te deixes escravizar por todas estas mensagens rígidas sobre felicidade que esta onda de positividade está a disseminar. São mensagens incompletas. Mais do que isso, são mensagens incompletas sobre quem somos. Nada de bom pode vir da rigidez.

A evolução é a prova de que a rigidez não é o caminho. Por isso, convido-vos a abraçarem todas as vossas emoções e a escutar com curiosidade aquilo que elas vos dizem, sem julgamento, e a expressarem-nas com carinho. Utilizem tudo o que têm para oferecer. É ao tornarmo-nos “inteiros” que nos tornamos na melhor versão de nós mesmos.  


 

Diogo Varandas

O Diogo é um Youth Booster assumido e que sempre quis trabalhar de havaianas. Licenciado em Psicologia em 2008, rapidamente percebeu que a sua paixão é a juventude. Em 2015 certificou-se em Positive Psychology Coaching pela Intall Institute, na Alemanha e pela Positive Acorn, nos EUA . Desde então que tem vindo a desenvolver projetos de career design, com foco na felicidade pessoal. É 

 

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