Administradores da Sonae MC, Altice e EDP olham para o futuro, pós-pandemia

Na 19.ª edição da Conferência Human Resources, a “Conversa de Líderes” juntou três administradores: Isabel Barros (Sonae MC), João Zúquete da Silva (Altice) e Miguel Setas (EDP). Sentido de urgência, prego a fundo, não voltar atrás, capacidade de adaptação, modelos híbridos, líderes estrábicos e uma nova ética em formação, foram algumas das ideias-chave.

 

Ricardo Florêncio, CEO do Multipublicações Media Group, que assegurou a moderação da conversa entre os três líderes, fez notar que, para além de serem três das maiores empresas portuguesas, têm ainda em comum ter mantido parte substancial das suas equipas no terreno, mesmo durante o período de confinamento, uma vez que assumiram papéis fundamentais nesta crise: manter-nos alimentados, com comunicações e com energia.

A primeira intervenção coube a Isabel Barros, que partilhou que, actuando maioritariamente no retalho alimentar, das 32 mil pessoas que a empresa integra, cerca de 30 mil mantiveram-se no terreno, e confessou que um dos principais desafios foi praticamente todos os dias novas regras. «Ajustámos sempre tudo no meio de um grande turbilhão, até porque tínhamos a missão de alimentar Portugal, propósito que foi muito vivido pelos nossos colaboradores. O absentismo foi muito baixo», sublinhou. Já os colaboradores das estruturas, ficaram em teletrabalho, mesmo antes de ser obrigatório. E 2500 ainda se mantêm em home office.

A administradora da Sonae MC destacou ainda que o que este momento veio ensinar foi a «atender às particularidades. Vai ser muito importante no reset.» Revelou também que aceleraram todos os processos de comunicação e que agora os líderes são muito mais orientados para resultados e menos líderes de proximidade física.

Também na Altice a comunicação interna foi fundamental para manter a proximidade aos colaboradores, já que, em duas/ três semanas, todas as pessoas da área de serviços, dos Recursos Humanos à área Financeira, passando pelo atendimento do cliente, foram colocadas em home office, «que é muito diferente de teletrabalho», ressalvou João Zúquete, que ficou responsável por liderar o plano de contingência, que contou com uma equipa multidisciplinar. Hoje, 20 a 25% dos colaboradores já regressaram. «E vamos continuar nesta tendência, pois somos seres sociais.»

Começando por reconhecer que estão no “lado bom da curva”, Miguel Setas garante que a EDP reagiu rapidamente, com toda a equipa de suporte a ir para casa, mas com os operacionais, cerca de 30%, a continuar no terreno. Em Julho, cerca de 10% já regressaram ao escritório, com muitas regras novas.

Mas, sendo também presidente da EDP Brasil, fez questão de partilhar que há diferenças substanciais com a realidade portuguesa. «No Brasil, o confinamento foi feito nas centrais, com turnos de 15 dias. Para assegurar que a operação continuava, preparamos as centrais quase como se fossem hotéis, e as pessoas ficaram a viver lá.»

Aproveitaram também para fazer uma aceleração da transformação, com base em três “r” – reaction, recover reshape. «Passada a fase inicial, pusemos o pé no acelerador, para ganhar vantagem em relação à concorrência e pensar o futuro.» E reconheceu que nestes momentos é que os líderes são mais precisos, «líderes com novas competências».

 

A liderança também precisa de reset?

João Zúquete concordou que em momentos de crise é importante que os líderes cuidem das suas pessoas e fazem «as coisas acontecer com eficácia», mas acredita que as competências necessárias são as de sempre: «sentido de urgência, capacidade de fazer acontecer e, mais darwiniano, capacidade de se adaptar. E nós fomos capazes de o fazer. Em outras empresas, os líderes tiveram que dar uma volta de 180 graus e mudar totalmente o modelo de negócio, tiveram que se reinventar, e muitos mostraram ter essa capacidade.» Não obstante, o administrador da Altice concordou que, «tendo ganho capital de confiança nesta fase, os líderes devem aproveitar para introduzir mudanças que são necessárias. É preciso mudar, mas não será um reset total, até porque os líderes de primeira linha estiveram à altura.»

Para Isabel Barros, também é mais um «modelo evolutivo do que um reset. Vivemos um piloto à escala global, que serviu para mostrar que temos que acelerar no caminho que já estávamos a seguir. Já queríamos líderes inspiradores», exemplificou. «O que muda é que temos que acelerar.» Por outro lado, a agilidade vai assumir maior relevância. «Líderes controladores, que valorizam o processo, a proximidade física, dificilmente vão sobreviver neste modelo. Os líderes têm que ser mais ágeis, dar autonomia e saber promover proximidade à distância e gerir particularidades. Não é um líder novo, mas é um líder que tem que evoluir mais rápido.» A responsável reconheceu também que home office não é para todos. «Alguns ficaram para trás.» Mas não deixou de reconhecer que, nesta crise, foram os líderes que estiveram nos hipermercados e nos supermercados e não o “líder do powerpoint” que determinaram o sucesso da resposta à crise.

Começando por destacar que não gosta de arquétipos, Miguel Setas destacou que o “novo” líder tem que lidar com paradoxos: entre o digital e o humano, o curto e o longo prazo, o foco nas pessoas e o foco na gestão dos activos e das estruturas; a resiliência e a flexibilidade. «Tem que ser quase um “líder estrábico”.» E acrescentou ainda outra característica que, na sua opinião, vai ser diferenciadora: «olhar para o tema da sustentabilidade de forma holística e não tripartida em económica, ambiental e social. Esse conceito está falido, a segmentação não funcionou.»

 

O essencial para o futuro

Desafiados a identificar algumas dicas para as organizações enfrentarem com sucesso o actual momento, Miguel Setas começou, referindo duas: a capacidade de aprender rapidamente – learning agility -; não estagnar nem ficar amarrado a paradigmas e aceitar a diferença e o que é novo; e o growth mindset, capacidade de crescimento, de enfrentar riscos e novos desafios. Mas acrescentou um terceiro factor que considera fundamental, reiterando a importância da «nova ética em formação. A crise veio acentuar a clivagem social e a COVID-19 é só uma amostra«, alertou.  «Há vários vírus e vários perigos e não podemos localizar isto no Oriente, é um problema global, de impacto no ser humano e no meio ambiente. Temos uma década para inverter a sexta extinção da vida humana na terra.»

Isabel Barros realçou que «não devemos querer aterrar deste voo no ponto de partida. temos que resistir à tentação do conforto e não “puxar atrás”». E deu o exemplo da Sonae MC, que tem um edifício novo, com sete pisos, que ainda vão inaugurar, mas com certeza não vão usar como tinham pensado. «Os colaboradores não querem voltar a 100%, querem um modelo híbrido. Este piloto é uma oportunidade para melhorarmos a eficiência e produtividade. E também de dar resposta à escassez de talento com que muitos de nós nos vinhamos a debater. Hoje é mais fácil perceber que podemos aceder ao talento em outro regime. Já tínhamos uma empresa de cibersegurança, com colaboradores que nunca tinham conhecido e isso parecia estranho. Mas se calhar não é. Temos que nos deixar levar e acelerar, sem esquecer de cuidar da cultura. Mas temos que aterrar num lugar diferente.»

Por seu lado, João Zúquete da Silva, destacou o sentimento de liberdade, a propriedade do seu tempo que as pessoas ganharam com este home office forçado. Vai ser difícil tirar isso às pessoas. Não vamos voltar a Fevereiro. Não sou apocalíptico sobre os próximos anos, mas partilho o sentimento de emergência. Os líderes têm que interiorizar a necessidade de se adaptarem e de terem que gerir modelos diversos. Resumindo, as organizações precisam de capacidade de adaptação e pôr prego a fundo na restruturação e digitalização.»

 

Texto: Ana Leonor Martins

 

 

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